Atualmente, no Brasil, a prescrição de Cannabis para tratamentos é restrita a médicos e dentistas habilitados na área da saúde humana, o que gera uma série de questionamentos sobre os direitos e deveres desses profissionais. Afinal, você sabe quais são os direitos e deveres destes profissionais?
Selecionamos pontos específicos dos códigos de ética de medicina de odontologia para trazer clareza a assuntos que muitas vezes podem ocasionar dúvidas tanto a profissionais como a pacientes.
CFM e CFO
Médicos e dentistas, como parte de suas profissões, estão sujeitos a uma série de regulamentações estabelecidas pelos respectivos conselhos de classe, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Odontologia (CFO). Essas diretrizes visam assegurar a prática ética e segura das atividades profissionais e proteger tanto os pacientes quanto os próprios profissionais.
A advogada Rita de Cássia Gonçalves destaca a importância de os profissionais de saúde estarem cientes dessas normativas, uma vez que, embora atuem de maneira independente, a conformidade com as regulamentações é imprescindível para minimizar riscos legais e garantir a qualidade do atendimento. Portanto, a atualização constante sobre as regras e diretrizes desses conselhos é fundamental para a segurança e a boa prática nas profissões de saúde.
“Trata-se de precaução: quanto mais eles conhecem as regras, mais seguros podem atuar”, destaca a especialista em direito médico e da saúde.
E o uso de fitocanabinoides apresenta um ainda considerado novo potencial significativo em várias áreas da saúde. E sendo ‘novo’ também traz à tona a necessidade de que esses profissionais compreendam seus direitos e deveres.
Primeiramente, de acordo com os códigos de ética da medicina e da odontologia, é fundamental que os prescritores atuem com responsabilidade, embasando suas decisões em evidências científicas e na melhor prática clínica. E, claro, a transparência na comunicação e o consentimento informado são essenciais para evitar mal-entendidos e garantir que tanto profissionais quanto pacientes estejam alinhados quanto aos objetivos do tratamento.
Responsabilidade na prescrição de Cannabis
Os médicos e dentistas devem estar sempre dispostos a oferecer o melhor tratamento disponível. Isso inclui uma avaliação clara e fundamentada sobre os benefícios e riscos da terapia canabinoide para cada paciente.
No capítulo V, artigo 32 do Código de Ética Médica, é explicitamente estabelecido que é vedado ao médico deixar de utilizar todos os meios disponíveis para a promoção da saúde e a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, desde que estes métodos sejam cientificamente reconhecidos e acessíveis. Esse preceito ético enfatiza a responsabilidade do médico em adotar abordagens que beneficiem o paciente, resguardando assim suas condições de saúde.
Nesse contexto, o uso de fitocanabinoides como estratégia terapêutica pode ser visto de forma positiva, pois os profissionais que optam por essa alternativa, amparados por evidências científicas e pela legislação vigente, têm a garantia de que estão cumprindo com seu dever ético de buscar soluções eficazes e seguras para o tratamento de seus pacientes. Assim, a utilização de fitocanabinoides pode ser não apenas uma opção, mas uma obrigação ética, quando adequada ao quadro clínico do paciente e respaldada pela ciência.
Publicidade e divulgação
“O CFM e o CFO impõem normas rigorosas sobre a forma como os profissionais podem divulgar suas práticas”, explica a advogada.
Portanto, a publicidade deve ser ética e não pode induzir o consumidor ao erro. Um assessoramento jurídico pode ajudar a evitar problemas com regras de publicidade.
Segundo o Conselho de ética médico, no capítulo sobre publicidade as regras são claras ao que é vedado aos médicos:
- Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade.
- Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.
- Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente.
- Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina.
- Participar de anúncios de empresas comerciais, qualquer que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão.
- Apresentar como originais quaisquer ideias, descobertas ou ilustrações que na realidade não o sejam.
- Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina, com o estado da Federação no qual foi inscrito e Registro de Qualificação de Especialista (RQE) quando anunciar a especialidade.
“Se o profissional não seguir as diretrizes de publicidade sejam nas redes sociais, ou materiais offlines, eles estão sujeitos sim a responderem processos administrativos. E poderão, se estiverem em desacordo com as normas, serem punidos por infração”, pontua.
Papel da Telemedicina é diferente para médicos e dentistas
A pandemia de COVID-19 trouxe uma transformação significativa em diversos setores, e a saúde é um dos principais campos que experimentou essa revolução. A telemedicina, que já havia começado a ganhar espaço, viu sua adoção acelerar de forma sem precedentes durante o período de restrições e distanciamento social. No entanto, enquanto a prática está bastante consolidada na medicina, sua aplicação nas especialidades odontológicas ainda levanta questões e debates.
De acordo com o Conselho Federal de Odontologia (CFO), a norma atual estipula que a primeira consulta deve obrigatoriamente ser presencial. Essa exigência apresenta um desafio, visto que a teleodontologia — como é conhecida a prática de consultas e atendimentos odontológicos a distância — pode facilitar o acesso a cuidados e orientações, especialmente para aqueles que moram em áreas remotas ou possuem dificuldades de locomoção.
“O CFO fala que a primeira consulta tem que ser presencial. Mas ele permite a continuidade do tratamento. É um entendimento dúbio, eles permitem consultas à distância mas tem que ter a primeira consulta presencial. E na prescrição de Cannabis medicinal a lógica é a mesma”, sinaliza a advogada.
Além disso, durante a pandemia, a prática de teleconsulta e teleatendimento em odontologia foi regulamentada pela Resolução CFO-226/2020, emitida pelo Conselho Federal de Odontologia:
“A Resolução autoriza o Cirurgião-Dentista realizar telemonitoramento no intervalo entre consultas – acompanhamento à distância dos pacientes que estejam em tratamento –, com registro obrigatório em prontuário de toda e qualquer atuação realizada nestes termos. Além disso, enquanto durar o estado de calamidade pública declarado pelo Governo Federal, fica permitida a teleorientação realizada por Cirurgião-Dentista com o objetivo único e exclusivo de identificar, por meio de questionário pré-clínico, o melhor momento para a realização do atendimento presencial”.
E assim, a resolução estabelece as diretrizes para a realização de consultas à distância, utilizando-se de tecnologias de informação e comunicação para a promoção de ações de prevenção, diagnóstico e tratamento.
Porém, não houve mais nenhum tipo de atualização sobre o assunto. “Eu solicitei um parecer sobre isso junto ao conselho e nunca me responderam”, pontua a advogada. A reportagem também entrou em contato com a entidade sobre o assunto e não obteve retorno.
Telemedicina: o principal pontos de contato entre pacientes e a Cannabis
A telemedicina tem desempenhado um papel importante na ampliação do acesso à terapia canabinoide em todo o Brasil. Segundo o Anuário da Cannabis Medicinal de 2024, elaborado pela Kaya Mind, mais de três quartos dos municípios brasileiros já registraram pacientes que iniciaram tratamentos com a planta. Facilitados, em grande parte, pelo teleatendimento.
A Resolução CFM nº 2.314/2022, que regulamenta a telemedicina no Brasil desde 2022, permite que médicos possam atender pacientes de qualquer localidade. Essa resolução, surgiu como uma resposta, uma adaptação da medicina a novas formas de comunicação e tecnologia.
Aspectos Legais para médicos e dentistas
O conhecimento acerca dos direitos e deveres jurídicos é essencial. Embora a questão da injúria e difamação seja muitas vezes associada apenas à reputação profissional, estar ciente de como proceder em casos de conflitos pode proteger a integridade do profissional.
A necessidade de uma assessoria jurídica especializada nunca foi tão clara quanto nos dias de hoje, onde a inclusão da Cannabis na prática médica e odontológica pode gerar dúvidas e, consequentemente, riscos.
A advogada enfatiza que o domínio das regras não só protege os profissionais, mas também assegura um atendimento de qualidade ao paciente. “Uma assessoria jurídica especializada faz com que eles se protejam sobre honorários e outras questões que fogem do conhecimento técnico deles. E assim os médicos e dentistas podem se precaver. Assim como casos de injúrias e difamação. Ter o conhecimento do direito faz com que erros não aconteçam e traz segurança a todos”, finaliza.
Por fim, ao se manterem bem informados, médicos e dentistas podem atuar com confiança, potencializando os benefícios da terapia canabinoide e assegurando a segurança em suas práticas.