Com os avanços do conhecimento científico, tabus vão ficando para trás e substâncias antes polêmicas começam a fazer parte do arsenal terapêutico disponível para uma série de doenças. Por isso, preparamos um conteúdo especial para o Dia do Atleta: confira a entrevista com o primeiro esportista a ter autorização para o uso de Cannabis nos Estados Unidos.
A experiência pessoal de Elias Theodorou serve como inspiração para muitas pessoas, uma vez que o canadense, profissional no MMA desde 2011, usa derivados da planta para tratar uma neuropatia. Continue lendo e veja a entrevista exclusiva com o pugilista que aconteceu no 4º Medical Cannabis Summit, o maior evento de Cannabis Medicinal do Brasil!
Como foi a autorização para o uso de Cannabis?
Elias Theodorou é um lutador de MMA e usa Cannabis medicina para o tratamento de uma neuropatia bilateral. Ele se tornou o primeiro atleta profissional a garantir isenção médica para a utilização de derivados da planta no esporte nos Estados Unidos. Conhecido no meio como “espartano”, ele é campeão do UFC na categoria dos pesos médios.
Isso ocorreu como resultado de anos de advocacia e perseverança, nos quais Theodorou se comprometeu intensamente como tema e com a diminuição do estigma que havia sobre a Cannabis no universo desportivo. Transcendeu estereótipos entre os próprios lutadores, empregando seu diploma em publicidade e sua experiência corporativa pela causa.
Como a carreira de Elias no MMA começou?
Antes de ser atleta, Elias Theodorou cursou publicidade e, no primeiro ano de faculdade, sentiu que estava trabalhando sua mente, mas não o seu corpo. Buscou uma academia como um simples fã de MMA, mas nunca mais parou de ir. Conforme os anos foram se passando, seu comprometimento com o esporte evoluiu, assim como o desejo de ser um lutador profissional.
Ao se formar, logo depois de receber o seu diploma, partiu para a Tailândia fazer algumas lutas de Muay Thai. Ao vencê-las, sentiu que era o que queria fazer da vida, e foi isso que aconteceu. Três anos depois de se profissionalizar, se tornou o primeiro canadense a vencer o Reality Show “The Ultimate Fighter – Nations”, resultando em um contrato com o UFC.
Como foi a experiência de ingressar no UFC?
Ao todo, Elias Theodorou teve 6 anos de contrato com o UFC, com 8 vitórias e 3 derrotas, lutando com alguns dos melhores atletas do mundo na modalidade. Nesse período, se interessou por outras opções de tratamento para a neuropatia, solicitando isenção terapêutica para a USADA, a agência antidoping dos Estados Unidos.
Foi uma batalha difícil e parte de sua complexidade é encarada por Theodorou pelo fato de a USADA ser financiada, em partes, pelo Governo Federal Americano, que classifica a Cannabis como droga com alto potencial para o vício e sem propriedades médicas. Reconhecê-la como opção medicamentosa no esporte, portanto, foi sua grande batalha.
Como Elias Theodorou se tornou uma pessoa influente na área?
Ao encerrar seu contrato com o UFC, Elias Theodorou se sentiu livre para se tornar um verdadeiro promotor do uso da Cannabis medicinal, trazendo informações e divulgado seu potencial terapêutico para o mundo. Para isso, solicitou isenção para o uso na comissão do estado da Columbia Britânica, validada tanto para atleta como promotor de lutas.
Dessa forma, criou seus próprios eventos, exclusivamente para maiores de 19 ou 21 anos, totalmente financiados pela Cannabis e outras empresas parceiras. Com isso, fez história e abriu precedentes não apenas para si mesmo, mas também para todos os desportistas que poderiam ter seus quadros beneficiados com o uso de derivados da planta.
Como Elias descobriu que a Cannabis poderia ser útil para sua doença?
Theodorou sofre de neuropatia bilateral, uma doença afeta os nervos periféricos, causando dor extrema em muitos casos. Ele descobriu o problema ainda antes de se tornar lutador, quando andava de skate e pulava grandes obstáculos. Ao quebrar a mão e receber um enxerto ósseo do quadril, começou a experimentar sintomas mais intensos.
Conforme avançou em sua carreira como lutador, a sensação dolorosa intensa foi se propagando para cotovelos, costas e coluna, por conta do desgaste constante. Teve efeitos colaterais com medicações comuns, sendo introduzido à Cannabis pelo seu então mentor e treinador, que já utilizava os derivados da planta como paciente, no Canadá.
Qual a opinião de Elias sobre a WADA e outras agências regulatórias?
Infelizmente, até os dias de hoje, por conta dos estigmas e preconceitos do passado, a WADA, a Agência Mundial Antidoping, assim como a o governo dos Estados Unidos e a USADA consideram a Cannabis como uma substância proibida, no mesmo nível dos melhoradores de desempenho, embora não possuam tal propriedade.
Por isso, ao final de 2015, Elias Theodorou solicitou o uso terapêutico, tornando sua batalha pública e entendendo que era necessário lutar publicamente para mudar esse cenário, esclarecendo para a sociedade e para o mundo suas provações e dificuldades como um paciente solicitando a aprovação do uso dos derivados da planta.
Como Elias faz o equilíbrio entre produto CBD e THC?
Elias usa tanto o CBD quanto o THC, uma vez que a combinação de ambos produz o chamado efeito entourage, que consiste em uma reação sinérgica entre os compostos químicos presentes na Cannabis, oferecendo melhores resultados. O THC, por exemplo, age no controle da dor, como um substituto dos analgésicos tradicionais.
Conforme prescrito pelo seu médico, Theodorou utiliza o CBD por conta de suas propriedades anti-inflamatórias nas articulações, desde o uso tópico até a ingestão, mas, para o gerenciamento do quadro álgico, a combinação com o THC é fundamental, tanto em sua rotina de atleta profissional quanto no seu dia a dia como paciente.
O que Elias acha das regulações e critérios da lei antidopagem?
Antes de mais nada, Elias afirma ser completamente a favor de um esporte limpo, ressaltando que nunca teve nada a esconder em relação à sua carreira. No entanto, infelizmente, utiliza um remédio que foi anexado aos protocolos como uma substância proibida e isso, de muitas maneiras, se deve por conta de uma mentalidade desatualizada.
A USADA e outras agências governamentais ainda veem a Cannabis como um medicamento ilegal, mas tais proibições estão sendo alteradas, enquanto o lado da planta na história vem sendo estabelecido. Em países como o Canada, o CCES (Canadian Centre for Ethics in Sport), CBD e THC foram removidos das leis antidopagem, de 2017 para 2018.
O que Elias acha da decisão da WADA de permitir apenas o CBD?
Em 2018, a WADA removeu o CDB da lista de substâncias proibidas e, com isso, em 2021, tivemos as primeiras Olimpíadas nas quais o uso de derivado era permitido e regulamentado para indicações terapêuticas, sendo um dos assuntos mais comentados pela mídia especializada e geral no momento da aprovação.
No entanto, embora Theodorou reconheça o fato como um grande avanço na direção correta, ele afirma que a aprovação exclusiva do CBD vai de encontro ao realizado pelo Governo dos EUA, que ainda mantém o THC vetado. Com isso, perde-se, por exemplo, o efeito entourage, além de outros benefícios.
Qual a opinião do lutador se o uso de Delta-8 para atletas?
Elias afirma que isso é algo sobre o qual os médicos podem dar opiniões mais bem fundamentadas que as dele, mas afirma que o uso da Cannabis medicinal é um processo individual e que, de uma forma mais ampla, todos os derivados da planta devem ser reconhecidos e permitidos para o uso terapêutico.
São alternativas não apenas para atletas, mas também para pacientes comuns. Ele acredita que, daqui a algum tempo, quando olharmos para trás e observarmos a proibição da Cannabis por quase um século, isso será encarado como uma grande perda de medicamentos com excelente potencial e que abriria boas possibilidades em muitas condições distintas.
Como Elias vê os avanços da Cannabis terapêutica nos esportes?
Diversas ligas e esportes estão removendo os testes de Cannabis de suas rotinas, o que é muito importante durante todo esse processo de mudança. No entanto, o essencial da luta não é fazer apenas com que as pessoas tenham o direito de usar os derivados de uma planta, mas sim que eles sejam reconhecidos oficialmente como remédios.
É justamente por isso que Elias Theodorou afirma que batalha diariamente. Falando especificamente sobre o UFC, a instituição ainda testa para Cannabis, mas não está mais penalizando os atletas. Porém, há a ressalva estranha de que o atleta precisa afirmar o uso recreativo e não terapêutico, por conta das regras obsoletas da USADA.
Theodorou acredita que a Cannabis tem influência na sua performance?
Elias acredita que o uso terapêutico de derivados da Cannabis teve influência em manter sua aptidão e capacidade de competir em alto nível por mais tempo. Da mesma maneira que outros atletas podem usar os remédios prescritos para suas condições, Theodorou afirma ter o direito de usar os componentes da planta para seu quadro.
Ressalta ainda que, ironicamente, os lutadores podem usar uma série de potentes opioides analgésicos ou vasodilatadores sem medo de sofrerem perseguições ou punições, enquanto a maconha ou mesmo um vaporizador abre a brecha de suspensões que podem ir de seis meses a dois anos, ou até mais, em caso de reincidência.
O que Elias acha da situação de atletas que não têm acesso ao CBD?
Diferente do que acontece no Canadá, em alguns estados dos Estados Unidos e certos países da Europa, a prescrição e comercialização do CBD como suplemento nos esportes ainda não é permitida. Para que os brasileiros tenham acesso aos derivados, por exemplo, é preciso apresentar um diagnóstico de alguma patologia e recomendação médica.
Elias afirma que a Cannabis é uma planta, um remédio em potencial. Não permitir o acesso a ela, sobretudo em situações medicinais, é um atraso. Cada caso é diferente e as pessoas têm organismos distintos, mas os componentes da erva, embora não sejam uma solução completa para todo mundo, é necessária para muitos pacientes e alguns atletas.
Quais os próximos obstáculos para o amplo uso de Cannabis no esporte?
Parte do motivo que fez com que Elias se tornasse tão ativo na luta pelo uso da Cannabis terapêutica no esporte foi exatamente por ter visto os processos burocráticos à sua frente, com empecilhos, tribulações, provações e frustrações, ao mesmo tempo em que ele tentava ser honesto, enquanto o comitê só o orientava a tomar mais e mais remédios tradicionais.
Seu próprio médico concordava que se tratava de uma conduta inadequada por parte das instituições, com sugestões obsoletas. Após tanta luta, o cenário parece mais promissor e Theodorou procura não apenas derrubar as barreiras para o uso terapêutico do THC, CBD e outros derivados para si, mas para todo mundo que precise para suas condições.
Como Elias faz uso da Cannabis medicinal na rotina?
Elias usa Cannabis em sua rotina normal, mesmo que não esteja se preparando para uma luta, uma vez que seu quadro é crônico. Ao acordar, aplica CBD e THC tópicos, nas diferentes lesões e tensões que possui. Afirma que as propriedades anti-inflamatórias ajudam bastante nesse sentido, sendo ainda mais relevantes quando consome a chamada Cannabis crua (THCA).
Dependendo de como se sente e do nível do treino que realizará, Theodorou usa um vaporizador para saúde aprovado no Canadá. O lutador também realiza registros diários de dor, que permitem entender quais variedades e doses funcionam melhor, além de tentar se medicar da forma mais saudável possível, como um atleta e grande divulgador da causa.
Como você pôde ver, não há estímulo melhor no Dia do Atleta do que vermos um exemplo de alguém que venceu uma condição crônica para continuar competindo em alto nível e ainda fez da sua causa uma luta para promover mais opções terapêuticas para desportistas ou pessoas comum que sofrem dos mais variados tipos de problemas de saúde.
Gostou de conferir essa entrevista com o primeiro atleta a ter autorização para o uso de Cannabis no Esporte? Ficou interessado e quer agendar uma consulta com um médico do esporte, prescritor de Cannabis Medicinal? Então, agende uma consulta com um médico do esporte!