“Em setembro de 2020, a Gabrielle completou um ano sem crises convulsivas. E com efeitos colaterais zero. Ela come de tudo, bebe de tudo, dorme bem. A parte cognitiva melhorou muito, e também a parte motora”.
O relato para o portal Cannabis & Saúde é do coronel da Polícia Militar de Pernambuco Israel de Moura Farias Júnior, pai desta menina de 7 anos, paciente de microcefalia e que já recebeu dos médicos “menos de 24 horas de vida”.
A ironia dessa história é que o único remédio que trouxe qualidade de vida à menina vem da mesma planta que o militar combateu ao longo da carreira: “passei 20 anos erradicando a maconha; hoje ela salva minha filha”.
Cel Moura ingressou na PM no ano de 1985 na turística Olinda. Era uma época em que não existia o narcotráfico como hoje. Não havia PCC, por exemplo. Em 1992, ele foi transferido para Salgueiro, uma das cidades que compõem o polígono da maconha.
“Eu nunca tinha visto tanta plantação, aqueles campos verdes no meio da Caatinga. Então começamos a fazer muitas operações, erradicamos milhares de pés. Só o nosso batalhão apreendeu mais armas do que todo o resto da PM de Pernambuco naquele mesmo ano”.
E aí veio o mosquito do zika vírus
Em 2010, o policial conheceu a atual esposa e, dois anos depois, nasceu a Gabi. Naquela época, um grupo de militares que voltava da missão de paz no Haiti foi para Pernambuco, trazendo o zika vírus. A origem do vírus no Brasil a partir do país caribenho seria comprovada anos mais tarde por um estudo da FioCruz daquele estado.
“O mosquito começou a circular aqui em 2012, então minha filha é um dos primeiros casos de vítima da zika vírus, mas na época a gente não sabia nada disso. A gente sabia apenas que ela tinha uma síndrome rara chamada Dandy Walker (uma malformação cerebral congênita que acomete o cerebelo)”, lembra Israel de Moura.
Foi aí que a saga da família começou.
O coronel conta que ninguém sabia o que era aquela doença e lembra que as pessoas pensavam que a filha era anencéfala, que não tinha cérebro, e isso feria bastante a família. Começaram a pesquisar sobre o assunto e bater de porta em porta dos médicos.
“Mas a partir do sexto mês, a Gabrielle começou a ter convulsões, essas crianças com microcefalia tem muita convulsão. Então a gente procurou por neuropediatras. Só que aqui existe uma máfia. Começaram a prescrever remédios para controlar o efeito e não a causa. E aí minha filha passou a tomar Depakene, Depakote, e nada resolvia”.
Até que a esposa de Israel descobriu, pesquisando pelas madrugadas, que uma alternativa poderia ser o extrato de Cannabis.
“Eu sempre acreditei que a cura está na natureza. Nós somos praticamente veganos, não tomamos refrigerante, somos atletas. Não bebemos, nem fumamos”.
“Me rendi à cura”
A família então foi até a Associação Brasileira Cannabis Esperança (Abrace), em João Pessoa (PB). E aí foram várias tentativas com diferentes concentrações e dosagens. Até que encontraram a posologia ideal num óleo meio a meio (THC e CBD), que finalmente estabilizou ela.
A alegria foi tanta com os resultados, que a mãe da Gabi, a Daiane, que descobriu a Cannabis medicinal, desistiu do curso de Direito para se tornar uma profissional da saúde. Ela está concluindo a graduação em fisioterapia e irá se especializar em neurociência.
E o coronel, que antes combatia as plantações do polígono da maconha, hoje se tornou um defensor da Cannabis medicinal: “tive que me render à cura”.
“Ano passado nós fomos na Abrace. E eu disse que queria conhecer a estufa. Os cultivadores não sabiam que eu era coronel da polícia, claro, e quando eu avisei que era da PM, ficaram todos apavorados. E aí eu disse pra eles, ‘eu erradicava essa planta, e agora ela salva a minha filha’.”