Na noite desta quarta-feira, 12, Pedro Luís Sabaciauskis, presidente e idealizador da Santa Cannabis, e Altair Lira, cofundador da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doenças Falciformes, conversaram sobre a regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil. Debateram o papel das associações e a ligação entre o racismo e a criminalização da planta.
Altair Lira, de 51 anos, é pai de uma jovem com doença falciforme, uma condição genética que causa sérias complicações. A sua luta com o tratamento da menina desde que ela nasceu, há quase duas décadas, levou este baiano a militar pela causa no Brasil, sendo hoje uma das maiores referências por políticas de atenção a esses pacientes.
O que é a doença falciforme
A doença falciforme acomete mais negros que brancos e é hereditária. Os glóbulos vermelhos ficam em formato de foice ao invés de arredondados. Isso faz com com que eles morram rápido, causando anemia em alguns casos. Com isso, há obstruções do fluxo sanguíneo, dores crônicas insuportáveis e fadiga. Uma esperança de cura é o transplante de medula óssea.
Quando a filha de Altair Lira foi diagnosticada, ele se deu conta da falta de políticas públicas aos portadores dessa doença, que tem maior incidência na população negra. Em 1999 ele fundou Associação Baiana de Pessoas com Doenças Falciformes (Abadfal) e, dois anos depois, uma federação nacional dessas associações, a Fenafal. Em 2005, Altair auxiliou na formulação e implementação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme.
O papel das associações
Altair relembrou a importância em unir as associações, que juntas estimularam o governo a permitir a importação de canabidiol no Brasil. “As associações tomam primeiro as atitudes para que os governos pensem a respeito daquela questão”, disse Lira. “Essa é a importância do terceiro setor, não é somente um espaço de reclamar, é de dar a voz, protagonizar as mudanças necessárias para atender aqueles setor”.
Sabaciauskis lembrou do espaço aberto no mercado de Cannabis. “O papel da associação é entrar no jogo. É um mercado muito grande e represado, tem que dar a liberdade de escolha ao paciente”, contou. “Tem paciente que chega desesperado, não tem como ter informação ou marcar consulta, tem outro tipo de paciente que quer plantar, está disposto a brigar pelo seu direito, e tem outro que quer comprar da farmácia, a gente atende todos. O que vale é a liberdade de escolha do paciente.”
Cannabis e racismo
O presidente da Santa Cannabis lembrou também sobre o racismo em torno da nova regulamentação, que encarece o preço dos produtos. “A lei que a Anvisa fez é racista. Porque as condições fizeram com que só a elite tenha acesso. A galera do morro, na favela nao vai ter acesso, pelos preços da consulta, pelo preço do remédio. É uma planta que vai nascer na terra e quem não tiver condição vai plantar, porque saúde vem em primeiro lugar”, concluiu.
Altair lembrou das raízes do proibicionismo, como o exemplo da Jamaica e do Peru. “Quando o sistema escravocata é rompido, o uso [da Cannabis] vem demonizado”, explica. “Mesmo depois, num período mais contemporâneo, ainda há a discriminação, por exemplo, do reggae, tratado pelo lado preconceituo, percebemos que essas relações têm profunda associação racial. Na Jamaica ela é regulamentada. Não tem como imaginar, no Peru, a comunidade vivendo sem as folhas de coca, que tem uma utilidade na questão da altitude.”