Mães que pesquisaram sobre os efeitos do canabidiol no controle de convulsões precisaram insistir com os médicos de seus filhos para que eles receitassem os derivados da Cannabis no tratamento
A Cannabis medicinal tem se tornado um assunto de cada vez mais interesse do público, da mídia, de pacientes e principalmente de cientistas. Segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Pubmed, principal buscador de literatura médica no mundo, teve um crescimento de cinco vezes mais artigos científicos sobre canabidiol de 2000 e 2019. Apesar do avanço, a dúvida sobre como abordar o tema com o médico é recorrente.
Todas as formas de tratamento com derivados da Cannabis exigem prescrição médica no Brasil. Na União Europeia e América do Norte, por exemplo, produtos com apenas CBD são considerados suplemento, não sendo pedida receita. Mas no Brasil não vale a mesma lógica.
A sociedade brasileira e, sobretudo, a sociedade médica brasileira são bastante conservadores e reticentes com relação à Cannabis. Por isso, pode ser desafiador encontrar um profissional que esteja atento e disposto a explorar esse campo.
Como já mencionamos no nosso e-book sobre o assunto, o interesse em começar o tratamento com Cannabis medicinal, na grande maioria das vezes, parte do próprio paciente. Mas como abordar o médico sobre o tratamento?
Bom. Há diversas maneiras de fazer isso. Porém, o melhor ponto de partida é levantar argumentos baseados na ciência. Já existem inúmeras pesquisas a respeito dos canabinoides, comprovando os seus efeitos terapêuticos. Você pode dizer que tem estudado o assunto, que leu livros, assistiu a documentários ou soube de histórias notórias de pacientes e que acha que você também se beneficiaria pelo uso de Cannabis medicinal. Essa é uma boa forma de abrir a porta para o diálogo.
Lembre-se de que é importante falar honestamente com seu médico sobre os seus desconfortos e a sua insatisfação com o tratamento convencional.
E, de verdade, pesquise muito sobre tratamentos com canabidiol e demais derivados da planta. Muitos profissionais não sabem que CBD, THC, terpenos e flavonoides presentes na Cannabis são opções de tratamento. Se o seu médico for aberto e deixar de lado quaisquer preconceitos, juntos vocês iniciam a jornada para o tratamento com Cannabis medicinal.
As 12 perguntas que todo paciente deve fazer
Independentemente de ter sido você ou o seu médico que levantou a possibilidade de fazer uso de canabinoides, é essencial que vocês conversem abertamente sobre todos os aspectos do tratamento. Prepare-se para as consultas e faça perguntas do tipo
- Onde e como posso me informar sobre o canabidiol?
- Qual é a sua experiência com canabidiol no tratamento de pacientes?
- Você conhece algum estudo ou pesquisa sobre o CBD e a minha condição específica?
- Você pode me sugerir estudos clínicos sobre óleos de CBD sendo usados no tratamento de pacientes com a minha condição clínica?
- Quanto custa um tratamento com canabidiol?
- Qual produto seria o mais indicado para o meu caso?
- Como devo usar o óleo de CBD?
- Existe interação medicamentosa quando se usa o óleo de CBD ou ele reduz a eficiência de outras medicações?
- Há riscos em usar Cannabis medicinal se eu estiver grávida ou amamentando?
- Tem alguma atividade que eu deva evitar enquanto estiver usando o óleo de CBD?
- Há efeitos colaterais decorrentes do uso da Cannabis medicinal? ∙ Os testes de drogas detectam o THC?
Após muita insistência da mãe, neurologista receitou CBD para filho
Certas epilepsias não respondem aos medicamentos convencionais. Este é o caso de Noah, de 4 anos, portador da Síndrome Congênita do Zika Vírus. A mãe dele, Karly Kelly, iniciou o uso do canabidiol em 2017, sem apoio neurológico.
“Quando fui conversar com a medica ela não aceitou, mas insisti e ela impôs a condição de que o óleo fosse importado”, contou.
Karly lembra que a neurologista não acreditou na Cannabis medicinal e suspendeu o óleo de CDB.
“Não acertávamos a dosagem e ela (médica) disse: vamos parar porque não funcionou com ele (Noah)”, completou.
Segundo a mãe, o filho vivia dopado, não interagia muito e dormia nas terapias. Após a primeira tentativa com CBD não dar resultado, o menino voltou à rotina de muitas convulsões e internações diárias.
CBD e THC
A mãe de Noah conta que sempre pesquisou muito sobre Cannabis medicinal, conversava com famílias adeptas ao canabidiol e acreditava na possibilidade do tratamento com óleo de CDB dar certo para o filho.
“Então voltei a conversar com a neurologista, porque a última opção seria um implante, e eu não queria submeter ele (Noah) a isso”, reforçou.
Karly pediu a médica para testar um óleo rico em THC (tetrahidrocannabinol). Mas para a médica, a substância apenas “deixava a criança doidona”, dava “barato”.
“Falei: eu vejo ele (Noah) doidão com todos esses medicamentos (alopáticos) e me responsabilizei se algo desse errado”.Karly também contou para neurologista relatos de outros pacientes com Cannabis medicinal.
“Eu queria dar uma chance ao meu filho para ele ficar acordado, interagir, e não viver dormindo, cheio de medicação”, declarou.
Atualmente Noah, de 4 anos, portador da Síndrome Congênita do Zika Vírus, faz uso de dois óleos, um rico em CDB e outro em THC, além dos alopáticos Keppra e Lamitor. O que a neurologista considerava impossível aconteceu: o menino passou um dia e muitos outros sem convulsão.
“Que medicação fitoterápica é essa?”, perguntou médico
O pai de uma paciente do neurologista funcional Pedro Pierro Neto fez o mesmo que a Karly. A criança, também portadora de epilepsia refratária além de outras síndromes, foi encaminhada para uma cirurgia com o objetivo de controlar as convulsões em 2014, quando tinha 4 anos.
O neurologista reforçou: o pré-operatório e os exames são feitos com muita cautela, para a família entender os riscos e benefícios do tratamento cirúrgico.
“E fazendo isso, de repente essa criança melhorou. Na época eu não sabia explicar, mas, de 30 crises que a menina tinha ao dia, ela passou a ter duas convulsões por semana”, contou.
De acordo com Pedro Pierro, a paciente ficou completamente fora do protocolo cirúrgico e foi reencaminhada ao médico que a acompanhava.
Três meses depois, próximo ao fim daquele ano, o pai da criança procurou Pierro no consultório. A menina estava internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido a uma pneumonia. O responsável pela paciente pediu que o neurologista fosse ao hospital com a intenção de retomar uma tal medicação fitoterápica.
“Eu olhei no prontuário da criança e não tinha nenhuma medicação fitoterápica que eu tivesse passado”, contou Pedro Pierro. Após o neurologista dizer que não sabia do que se tratava, o pai da paciente confessou: ele estava usando um óleo à base de Cannabis na criança.
Foi o ‘start’ para a Cannabis medicinal
“Na hora eu levei um susto, falei que ele (pai) podia perder a guarda da menina caso alguém soubesse, que ele estava usando algo sem embasamento científico, dei uma lição de moral no pai”, relatou o neurologista.
“Mas era uma criança que chamava a atenção porque tinha melhorado sem nenhuma outra conduta”, pontuou Pedro Pierro. Coincidentemente, na mesma semana, voltou ao hospital para realizar um procedimento e visitou a paciente.
“Na conversa, lógico que o pessoal da UTI não ia permitir essa medicação (óleo de CDB), estamos falando de 2014”, disse o neurologista. Pedro Pierro concedeu alta a criança para que ela voltasse para a enfermaria e lá fosse observada.
“Bem, a paciente voltou para a enfermaria, a família continuou dando o óleo (de CDB) e realmente as crises convulsivas começaram a regredir”, lembrou Pedro.
Esse episódio foi como um “start” para o neurologista. A partir daí, ele passou a estudar sobre a Cannabis medicinal e começou a ir a outros países para se manter atualizado sobre o assunto.
A paciente, atualmente com 11 anos, usa somente um óleo rico em CBD, sem THC, mais um remédio alopático, em dose reduzida. Ela passa meses sem crises e tem somente convulsões ocasionais.
Como podemos ver nestas duas histórias, foram as mães de pacientes que precisaram convencer os médicos das crianças a receitarem Cannabis medicinal. Esperamos que os relatos da Karly e do Dr. Pedro Pierro tenham trazido inspiração para você.