A 1ª Conferência Internacional de Cannabis Medicinal reuniu alguns dos principais especialistas em sistema endocanabinoide (SEC) nesta sexta-feira (12), em São Paulo. Antecedido por um curso pré-conferência, teve seu primeiro dia de palestras com convidados nacionais e internacionais.
Dentro do objetivo de instruir médicos com informações que proporcionem autonomia para os profissionais prescreverem a Cannabis medicinal, a programação começou pelo básico. Direto da Califórnia, EUA, o médico David Bearman, um dos precursores da Cannabis medicinal, foi o grande destaque da manhã. Por videoconferência, contextualizou a plateia sobre o passado, presente e futuro da Cannabis Sativa.
Sistema de 600 milhões de anos
De seu uso milenar ao início do século passado, Bearman destacou como o uso da planta sempre foi comum. “A Rainha Vitória usava a Cannabis para dor de cólicas menstruais”, contou. “A Cannabis era reconhecida como medicamento, com milhões de prescrições na década de 1920. Em 1941, foi retirada da farmacopeia dos EUA.”
A flexibilização da legislação em diversos países permitiu a retomada das pesquisas com mais intensidade na década de 1990. Por meio das pesquisas sobre o efeito da Cannabis no organismo, foi descoberta a existência de um sistema endocanabinoide.
“Ele foi caracterizado em 1992, tem 600 milhões de anos e é encontrado em todos os mamíferos, bem como no corpo humano. É central para a homeostase. É o maior sistema neurotransmissor do corpo humano, interage com o sistema dopaminérgico, modula a velocidade da neurotransmissão e, assim, regula a homeostase.”
“Não existe Cannabis medicinal”
A médica endocanabinologista uruguaia Raquel Peyraube ficou a cargo da palestra sobre conceitos e definições da Cannabis medicinal. “Cannabis medicinal não existe, ou toda a Cannabis é medicinal. O uso é o diferencial.”
Apesar da provocação, Peyraube destacou a importância do acesso ao medicamento a base de Cannabis feito com qualidade farmacológica. “Produtos para uso medicinal, a população assume que é bem-feito e seguro. A qualidade é importante”, afirmou.
“O ativismo dos pacientes tem o mérito de colocar em evidência um tema que estava na escuridão, mas agora a gente (a comunidade médica) tem que assumir e pensar em termos de saúde pública.”
“Os canabinoides são compostos químicos com uma variedade de reação enorme. Quando produzido em contextos que não tem desenho, não pode cumprir o controle de qualidade. Depois precisa ser testado em laboratório. Um medicamento tem que ter a mesma composição.”
“Não é medicina canábica. Às vezes, o sistema endocanabinoide está desregulado. Nós modelamos o sistema endocanabinoide, então o que fazemos é endocanabinologia.”
O sistema endocanabinoide (SEC)
O esloveno Gregor Zorn, que é biólogo, nutricionista e pesquisador especializado em educação de cannabis medicinal, desenvolvimento de produtos fitocanabinoides e aplicações de terapia com canabinoides, buscou aprofundar na descrição do sistema endocanabinoide.
Ele destacou que o papel do SEC é a homeostase do organismo, que é a manutenção de um ambiente interno constante em resposta a uma mudança das condições do ambiente interno ou externo. Ou seja, mantém o equilíbrio do corpo e afeta todos os sistemas fisiológicos.
Sendo assim, está relacionado a diversas de nossas funções, como aprendizado, controle motor, apetite, sistema de recompensa, a neuroproteção, o sono e o desenvolvimento neuronal, além do sistema cardiovascular, reprodutivo e gastrointestinal.
Duas moléculas essenciais para o bom funcionamento do organismo, a anandamida e a 2-AG, possuem composição muito semelhantes a dois dos principais fitocanabinoides encontrados na Cannabis, THC e CBD, respectivamente. Por esse motivo, a Cannabis possui potencial de provocar benefícios em sintomas de diversas doenças.
João Carlos Normanha, médico intensivista e Prescritor desde 2016, abordou as doenças relacionadas à deficiência clínicas do sistema endocanabinoide. Síndrome do intestino irritável, enxaqueca, fibromialgia, retardo do crescimento neonatal, fibrose cística, plexopatia braquial, dor do membro fantasma, glaucoma, dismenorreia, perda fetal, TEA, doenças neurodegenerativas, esclerose múltipla e depressão profunda são apenas algumas das prováveis condições relacionadas a problemas no sistema endocanabinoide.
“A fibromialgia já passou pelo cuidado de diversos especialistas, no futuro vai ser um endocanabinologista. Um paciente com fibromialgia eu tenho a certeza que vai se beneficiar de alguma forma com a Cannabis. O nível de eficácia é muito maior que outros medicamentos utilizados, como a duloxetina.”
De acordo com Normanha, o estresse é o principal propulsor de deficiências no sistema endocanabinoide. Um assunto que foi aprofundado pela médica e pesquisadora Paula Dall Stella, que falou como o estilo de vida acaba interferindo no bom funcionamento do SEC.
Ela listou cinco fatores que danificam o sistema endocanabinoide: estresse crônico, dieta, doenças crônicas, abuso crônico de Cannabis e programação metabólica. “Se danificar seu sistema endocanabinoide, sua saúde vai ser afetada em todos ou algumas dessas funções”, afirmou, se referindo a memória, sono, vocalização, apetite, dor, motilidade intestinal, tensão vascular, sistema imunológico, proteção celular, apoptose e reprodução.
“Fica naquele negócio do que veio primeiro: o ovo ou a galinha, mas na maioria das pessoas com doenças crônicas, o sistema endocanabinoide está danificado. Nenhuma doença crônica acontece sem um processo de inflamação, que é modulado pelo SEC.”
A programação ainda entrou na especificidade de algumas patologias cuja Cannabis alcança bons resultados terapêuticos. São os casos da síndrome de Tourette, transtornos psiquiátricos, dependência química, Parkinson, dor crônica, além de indicações para o uso oncológico.
O CICMED continua
A Conferência Internacional de Cannabis Medicinal realiza o segundo e último dia de evento neste sábado (13). Acompanhe no portal Cannabis & Saúde os principais destaques do 1º CICMED.