Pela primeira vez, a Chapada dos Veadeiros recebe um encontro dedicado ao uso medicinal e terapêutico da Cannabis. A reunião das Associações Canábicas acontece entre os dias 17 e 23 de julho e conta com uma programação repleta de cultura e ativismo
Um dos principais cartões postais da região Centro-Oeste do Brasil – a Chapada dos Veadeiros (GO) – recebe, pela primeira vez, um encontro dedicado ao uso medicinal e terapêutico da Cannabis Medicinal. O evento está sendo promovido pela Associação Regional de Terapia Canábica (ARTCANAB), um coletivo que atua desde 2020 em Alto Paraíso de Goiás, cidade que fica à 230 quilômetros de Brasília, para levar informação e acesso ao óleo extraído da maconha.
Jair Barbosa Júnior, jornalista e presidente da ARTCANAB, diz que a Chapada foi escolhida para o encontro da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (FACT) como uma forma de protesto à chacina ocorrida no começo desse ano na região. No dia 19 de janeiro, quatro moradores de São Jorge, Vilarejo que fica à 34 quilômetros de Alto Paraíso, foram executados pela Polícia Militar por suspeita de estarem cultivando maconha. A PM de Goiás não tinha mandado de prisão ou investigação prévia. Entretanto, quatro homens, sendo um quilombola, foram assassinados com 58 tiros a queima roupa. “Essa chacina completa seis meses agora. Precisamos mostrar às autoridades que a guerra às drogas só mata preto e pobre. Queremos uma legislação que não seja punitiva apenas para um segmento da sociedade”, defende Barbosa Júnior.
De acordo com Jair, muitos integrantes da FACT – criada no ano passado com a congregação de 35 associações, só se conhecem de forma virtual e essa é uma oportunidade de reunir histórias, experiências empíricas e clínicas para fazer avançar a regulamentação da Cannabis no país. Serão quatro eventos. O primeiro deles acontece no dia 17 de julho em São Jorge com a apresentação da Aldeia Multiétnica. “São representante de várias etnias que já têm a tradição de se apresentar no Encontro de Culturas em São Jorge todos os anos. Eles apresentam danças, fazem cerimônias, pinturas indígenas. A ideia é compartilhar conhecimento e tradições. Teremos uma mesa sobre troca de saberes tradicionais, espiritualidade e Cannabis medicinal. Queremos conhecer e saber que tipo de parceria podemos fazer com essas comunidades. Sabemos que algumas etnias tem o hábito de cultivar e utilizar a Cannabis, mas possuem pouco conhecimento sobre técnicas de cultivo, por exemplo. E for do interesse deles, faremos essas parcerias”, adianta o presidente da ARTCANAB.
No dia seguinte, já em Alto Paraíso, no campus cerrado que a Universidade de Brasília (UnB) tem na cidade, haverá uma mesa sobre a Cannabis medicinal e saúde integral. “Queremos que os médicos, veterinários e dentistas que já são prescritores repassem esse conhecimento. Como é feito o tratamento, como é feita a posologia e quais são as indicações clínicas”. De acordo com Jair, os secretários de saúde das cidades vizinhas também foram convidados, assim como os presidentes das assembleias municipais.
Contribuições do Canadá
A antropóloga e educadora canábica Luna Vargas, que foi criada em São Jorge, e desde 2018 mora no Canadá trabalhando no mercado legal da maconha é uma das convidadas a palestrar. Ela conta que gostaria muito de estar presente fisicamente no evento, mas sua participação será virtual. “Como a internet da Chapada não é muito confiável, vou gravar um vídeo. Esse evento está estruturado em quatro eixos: saúde, ativismo, saúde pública e conhecimentos tradicionais/espiritualidade. São temas essenciais com uma curadoria diversa. Como eu sou da Chapada, cresci ali, e isso pra mim é lindo de se ver”, comemora Vargas.
A educadora canábica defende a interiorização do debate sobre a maconha em regiões que ainda não têm acesso à informação. “É importante trazer essa discussão para o interior do país, especialmente para a Chapada que foi cenário de recentes assassinatos de calungas, exterminados por policiais. Precisamos sair das capitais, do Sudeste, e levar eventos assim para o interior, para as cidades menores que são mais conservadoras. No meu vídeo, vou falar sobre política pública. A minha vivência no Canadá me proporcionou a experiência de estar presente atuando na implementação da legalização canadense. Quero passar a minha visão e know how. Sabemos que uma lei cria um impacto imediato e amplo. É muito importante apoiar para transmitir conhecimento para quem faz política pública e quem está ali precisa muito do nosso conhecimento, de quem está na área, de quem pesquisa, de quem tem vivência e conhece a planta”, conclui Luna Vargas.
No dia 20 haverá a marcha da maconha e uma manifestação em protesto às execuções que completam seis meses. “A marcha começa às 16h20 e o tema é: liberdade para ter direitos. Entendemos que o uso medicinal da Cannabis é uma questão de saúde pública. E agora é preciso ressignificar a maconha em nossa sociedade. Ao final do evento queremos propor um projeto de lei para apresentar à Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás”, afirma o organizador do evento.
Jair, assim como a maioria dos ativistas que hoje advogam a favor da maconha, relata que o óleo da planta mudou a vida do seu pai que luta contra o mal de Parkinson. “Há três anos meu pai toma óleo e melhorou tudo na vida dele. O sono, o apetite, os tremores reduziram em 90%. Meu pai é evangélico e conservador, no primeiro momento ele não quis tomar o óleo de maconha, que para ele era coisa de vagabundo. Mas, quando viu a melhora, ele mesmo começou a indicar. Agora já se convenceu. Precisamos fazer com que essas informações cheguem até mais pessoas. Esse remédio traz qualidade de vida para a família inteira”. Jair também faz uso medicinal da planta para tratar depressão. “Fiz o desmame e não tomo mais remédio tarja preta que causa uma série de efeitos colaterais donosos”, conta Barbosa Júnior.
Cannab da BA confirma presença
Leandro Stelitano, que é presidente da Cannab (Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil), sediada em Salvador (BA), já confirmou presença. Ele conta que saiu da capital baiana no dia 07 de julho para participar do 3º Seminário Internacional da Cannabis: Um olhar para o Futuro, que aconteceu no Rio de Janeiro, fim de semana passado. O evento promovido pela Apepi (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal) em parceria com a FioCruz reuniu mais de 700 pessoas no Museu de Arte Moderna do Rio. “Chego em Alto Paraíso nesse sábado. É um sonho conhecer a Chapada ainda mais num contexto canábico. A presença é obrigatória! Será um enorme prazer reencontrar o pessoal das associações. Não vejo a hora de conhecer esse paraíso”, diz Steliano.
O presidente da Cannab espera compartilhar a experiência da associação baiana que atende a mais de 1.200 pacientes, de forma completamente gratuita, desde a fundação em 2016. “Não tem mensalidade e nem custo algum para os associados. Contamos com 11 médicos voluntários que atendem sem cobrar nada pela acolhimento e consulta. Como qualquer entidade do terceiro setor estamos pagando as contas da associação com doações de pessoas físicas e jurídicas. Temos várias parcerias. Funcionários fichados são poucos, os colaboradores que são a maioria, são médicos, advogados e farmacêuticos. Todos trabalham de forma voluntária”, garante o Leandro.