Os irmãos Victor e Kauane chegaram à família em 2012, com 10 meses e três anos respectivamente. Quatro meses depois, a mãe Neide Martins descobriu que tinha um aneurisma, na mesma época em que Victor começou a ter espasmos. Desde a adoção, a consultora de turismo já tinha cortado sua jornada de trabalho pela metade para se dedicar aos filhos. Ela lembra que precisou de muita fé: “pedi a Deus que me deixasse cuidar deles e realizar o sonho de ser mãe”. Ela fez a cirurgia e o problema do aneurisma passou, deixando fôlego para que pudessem se concentrar na batalha que tinham pela frente.
Quando os levou ao pediatra, ele achou que os espasmos não eram nada. Mas foram aumentando. Neide e o marido José Roberto foram a um neurologista que diagnosticou epilepsia. Neste ponto da curta vida de pouco mais de um ano, Victor já falava e tinha vida normal, apesar dos espasmos. Mas em 2013 seu quadro evoluiu para ataques epilépticos propriamente ditos. Em 2014, mudaram de médico.
Àquela altura, Neide já tinha ouvido falar de Cannabis e viu a matéria do Fantástico que mostrava mães no Chile que plantavam e faziam o remédio. Depois eles viram o documentário Ilegal, e Neide já procurava um médico prescritor. Sempre que perguntava aos neurologistas, eles diziam que não tinham experiência, que poderia ser arriscado para o futuro de Victor.
A descoberta da solução
Os pais ainda tinham muito preconceito contra a maconha. Mas Neide estava determinada a se informar a respeito do uso medicinal: “Ao ver as informações eu perdi o preconceito”, ela conta. Victor chegou a ter 80 crises diárias. Neide tentava fazer gráficos com as crises, horário de ocorrência, quanto tempo tinham durado. Mas eram tantas que ela não conseguia acompanhar. Ela filmava para mostrar aos médicos.
Na quinta mudança de médico, em São Paulo, Victor foi diagnosticado com Síndrome de West, que é epilepsia infantil que se caracteriza por espasmos, hipsarritmia (padrão eletroencefalográfico anormal) e dificuldade de aprendizado. Chegou a levar uma bronca da nova médica, porque seria tarde para tratar devidamente. Ele estava com quase três anos.
Contra o uso de Cannabis, a neurologista receitou um remédio próprio para o tratamento da síndrome e dieta cetogênica (com alta gordura, proteína moderada e baixo carboidrato). A médica conseguiu convencer o marido de que Cannabis não era o caminho, então eles combinaram que, antes de partir para o sexto médico, fariam uma última tentativa com a dieta e o remédio novo. Só que Victor piorou ainda mais, ficou debilitado, cambaleava e não tinha forças para ficar em pé. Teve que usar cadeira de rodas.
Foi por volta dessa época que Neide foi à Associação de Apoio à Criança Deficiente (AACD) para adquirir um capacete que protegesse a testa de Victor, que batia a cabeça com muita força. A Síndrome de West causa ataques noturnos, então Neide passava a noite agarrada a Victor, com medo de que ele não voltasse depois de alguma crise.
Com três anos, sua síndrome migrou para Lennox-Gastaut, uma forma rara e grave de epilepsia que costuma se desenvolver a partir desta idade. As convulsões que eram apenas à noite, passaram a se manifestar também durante o dia. Ele tinha algumas quase imperceptíveis – Neide só sabia porque sentia seu corpo tremer por dentro. Outras vezes, revirava os olhos, enrijecia as pernas e agitava os braços. Victor caía, batia a cabeça na mesa, jogava o corpo para a frente e para trás. Neide entrou em depressão.
Cannabis e médicos humanos
O casal não voltou mais à médica da dieta cetogênica. No sexto neurologista, finalmente conseguiram a prescrição da Cannabis, no final de 2015. Era um óleo importado, com THC e CBD. Houve uma melhora de 20%, e eles desconfiaram que Victor pudesse ser refratário também à Cannabis, ou que a marca não fosse tão boa.
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Enquanto o marido queria desistir da Cannabis, Neide não estava convencida. Marcou consulta com Pedro Pierro, que receitou o canabidiol (CBD) isolado. “Aí foi a transformação”, ela conta. Gradativamente as convulsões foram diminuindo e, em 2017, eles puderam tirar o capacete de proteção porque Victor não sofria mais quedas. Na escola especial, a professora até se assustou quando Neide o levou sem o capacete e sem a cadeira de rodas.
Melhora e preconceito
Os exames de Victor eram animadores e em junho de 2018 ele zerou as crises. No ano passado, no entanto, Victor teve uma infecção intestinal, seu quadro regrediu e ele voltou a ter crises. Como Pierro atende em São Paulo e eles moram em Santos, os pais levaram Victor a um hospital na cidade com o olho sangrando porque havia estourado vasinhos. No hospital, informaram que o neuropediatra não o atenderia. A justificativa foi que o médico não teria o que fazer porque o menino usava Cannabis.
Neide decidiu que eles precisavam ter um médico para atendê-los na cidade. Chegaram à neuropediatra Márcia Cascardi, que ainda não prescrevia, Junto com Pierro, ajustaram as doses do óleo e estabilizaram o quadro de Victor. Ao ver os efeitos da Cannabis, Márcia decidiu estudar e prescrever.
Nos exames de Victor, o diagnóstico foi que ele não tinha mais West, nem Lennox-Gastaut. Ficou só a epilepsia controlada, e a antiga suspeita de que ele era autista – confirmada depois. Márcia e Pierro focam agora em tratar a hiperatividade do autismo de Victor. “O dr. Pierro tem um olhar de alma, ele e a Márcia são muito humanos, tratam o paciente da forma que ele merece”, conta Neide emocionada. Eles vão alterar os óleos de Victor e incluir THC e canabigerol (CBG) com dois óleos diferentes, um rico em CBD e CBG, o outro rico em THC e CBG.