Uma das maiores crenças contra o uso da Cannabis é que ela mata os neurônios. Evidências cientificas, no entanto, demonstram o contrário
São diversas as suposições em torno do uso da Cannabis, a maioria delas têm origem no uso recreativo da planta e seus efeitos psicoativos alucinógenos. No entanto, antes de tirar conclusões, é preciso analisar o que as pesquisas científicas vem mostrando sobre o uso da Cannabis medicinal.
Algumas das dúvidas mais comuns são se a cannabis é remédio ou droga, ou ainda, se ela mata ou não mata neurônios. Pois a resposta para perguntas como essas só podem ser encontradas por meio de estudos e pesquisas. E o que eles vem mostrando até hoje é que tudo depende da forma como a substância é usada.
Sim, de fato há casos em que cannabis mata neurônios, assim como também há contextos em que ela os fortalece. Neste post, aprofundaremos este tema, trazendo informações que o ajudarão a entender melhor o que é mito e o que é verdade. Então, continue lendo e descubra!
O que é Cannabis medicinal?
Desde o século 1 a.C. na China, já se sabia dos benefícios terapêuticos da erva, que também é conhecida como maconha ou cânhamo — espécie de Cannabis com menor teor de THC. O problema todo começou quando, no ocidente, surgiram discussões sobre os problemas causados pelo seu uso recreativo.
Apesar disso, alguns países, como Canadá, Estados Unidos, Uruguai e Argentina já tem o uso medicinal da Cannabis legalizado.
Quando se fala de uso medicinal, não estamos nos referindo à planta “in natura”, mas sim, à extração de algumas das suas substâncias, em especial, os canabinoides Canabidiol (CBD) e o Tetraidrocanabinol (THC), que são utilizadas na produção de medicamentos, óleos, pomadas, gomas, capsulas, entre outros produtos à base de Cannabis.
Esses produtos são utilizados, sempre sob orientação médica, no tratamento dos mais variados tipos de doenças que vão desde uma simples acne até as doenças respiratórias, problemas neurológicos e no tratamento do câncer.
Qual a diferença entre o uso recreativo e medicinal da Cannabis?
O uso recreativo da Cannabis se dá por meio, principalmente, do fumo, dos vaporizadores e de produtos comestíveis, todos com níveis mais altos de THC. Isso porque o Δ9-tetrahidrocanabinol é o canabinoide que causa o efeito psicotrópico da planta.
Quando utilizada dessa maneira, a Cannabis não produz os efeitos benéficos conseguidos por meio do uso dos produtos feitos a base de suas substâncias, que nesse caso, sofrem modificações moleculares capazes de reduzir possíveis efeitos tóxicos.
Pessoas predispostas podem sofrer de dependência química e psicológica ao THC e estão sujeitas a efeitos indesejados, como os surtos psicóticos, que podem ocorrer no uso recreativo e sem supervisão médica da cannabis. Tudo isso dito pela Coordenadora do Centro de Informações Toxicológicas da Universidade Federal de Alagoas, a farmacêutica, doutora em Química e Biotecnologia, Aline Fidelis.
Já o uso medicinal da Cannabis é feito a partir da extração dos canabinoides já estudados, como o CBD e o THC para que sejam utilizados na fabricação de produtos terapêuticos, como óleos, pomadas, géis e capsulas, que serão administrados sob recomendação e supervisão médica.
Os efeitos dos canabinoides utilizados isoladamente, ou em combinações diferentes das concentrações encontradas na erva “in natura”, não são os mesmos que acorrem no seu uso recreativo, em formas de cigarro de maconha, por exemplo.
Além disso, como a administração da Cannabis medicinal é feita sob supervisão médica, os resultados obtidos são registrados e podem servir de referência para o tratamento de outros pacientes e em, alguns casos, até mesmo, contribuir em pesquisas científicas, enriquecendo a base de conhecimento sobre a eficiência dos produtos compostos de canabinoides.
Qual a diferença entre CBD e THC?
Existem mais de 120 tipos diferentes de canabinoides, ou seja, substâncias encontradas na Cannabis. Para entender as diferenças entre esses canabinoides é preciso, antes de mais nada, entender suas características e utilidades.
Dentre essas substâncias, estão o Canabinol ou CBN, usado como anti-inflamatório e antibacteriano entre outras utilidades, e o THCV ou tetrahidrocanabivarina, que auxilia em áreas como a libido, o apetite, o humor, o sono e a imunidade.
No entanto, as substâncias mais abundantes encontradas na Cannabis, e também, mais conhecidas e estudadas para a fabricação produtos para uso medicinal feitos à base da erva são os, já citados: CBD e THC.
Ambos interagem diretamente com o sistema endocanabinoide — responsável pela regulação de diversas funções, como o sono, dor, apetite, memória, entre outros —, porém, essa interação ocorre de maneiras distintas. Sendo assim, nosso foco será nessas diferenças entre essas duas substâncias. Começaremos explicando cada uma delas.
CBD (canabidiol)
O CBD é uma das substâncias consideradas fitocanabinoides extraída da Cannabis. Ela é encontrada em maior concentração no cânhamo, espécie da planta com menores concentrações de THC. O canabidiol pode ser usado em diversos tratamentos, tanto em adultos, quanto em crianças e idosos.
Existem evidências científicas da sua eficiência no tratamento da epilepsia infantil, doença de Parkinson, no transtorno pós-traumático, no alívio de náuseas e vômitos causados pela quimioterapia, entre outras doenças.
É comum se ouvir que o canabidiol não tem efeito psicoativo, mas o correto é afirmar que ele não é alucinógeno ou não produz aquele “barato” do uso recreativo. No entanto, a partir do momento que ele age no sistema nervoso central, pode ser considerado sim, como um psicoativo.
Ao interagir com o receptor responsável pelo efeito alucinógeno, o CB1, o canabidiol, na verdade, diminui esse efeito caudado pelo THC, do qual falaremos a seguir.
THC (tetraidrocanabinol)
O THC, apesar de também ter usos terapêuticos, é a substância responsável pelo efeito buscado no uso recreativo da planta. Na maconha usada para esse fim, o tetraidrocanabinol é encontrado em maior abundância, existindo, inclusive, modos de cultivo que buscam aumentar, ainda mais, a sua concentração.
Existem vários tipos de THC, o mais conhecido deles é o Δ9-tetrahidrocanabinol, que tem o efeito alucinógeno mais intenso. Por isso, quando se fala em THC de modo genérico, provavelmente é a esse tipo que se refere.
Em contrapartida, o já citado THCV vem sendo estudado por sua recorrente associação a efeitos benéficos no tratamento da diabetes e da obesidade. Estudos também apontam indícios que ele reduz o apetite, ao contrário do que acontece quando a Cannabis é usada de modo recreativo.
Em resumo, existem diversas diferenças entre o CBD e o THC, porém, a que mais chama a atenção é a capacidade de gerar o efeito alucinógeno do THC e de equilibrá-lo do CDB. Como a maior parte dos medicamentos são a base de CBD e não de THC, as pessoas não ficarão “doidonas” usando medicamentos a base de cannabis.
Existem diferenças também nos tratamentos para os quais essas substâncias são usadas. O CBD, por exemplo é recomendado para tratar:
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problemas intestinais;
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enxaquecas;
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convulsões;
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depressão;
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transtornos mentais.
Enquanto o THC é empregado no tratamento de:
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glaucoma;
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espasmos musculares;
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insônia;
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regulagem do apetite.
Tanto o CBD quanto o THC podem ser usados no alívio de dores, náuseas e para o controle da ansiedade.
Também existem diferenças na apresentação dos produtos a base dessas substâncias. O CBD é mais comumente encontrado nos seguintes formatos:
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gel;
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óleos;
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gomas;
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suplementos alimentares.
Já o THC é mais comum em forma de:
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fumos;
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óleos;
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capsulas.
Quais são os efeitos neuroprotetores da Cannabis?
Em pesquisa publicada pelo Pubmed.gov com neurônios expostos a níveis tóxicos de glutamato, que se acredita ser a causa da doença de Alzheimer e cuja toxidade pode ser reduzida por antioxidantes, se demonstrou que tanto o THC quanto o CBD, além de outros canabinoides, são potentes antioxidantes e neuroprotetores.
O CDB demonstrou uma capacidade de prevenção a toxidade superior à de outros neuroprotetores como o alfa-tocoferol e o ascorbato.
Quais os benefícios e riscos do uso do THC?
O documentário exibido no Netflix, Maconha medicinal: cura ou crime, mostra a realidade de famílias de crianças com câncer e seus médicos na luta para conseguir que mais pesquisas sejam feitas sobre o potencial dos canabinoides no auxílio à cura dessa terrível doença.
Em todos os casos expostos no documentário, o THC apresentou mais benefícios do que riscos aos pacientes tratados com a substância. A grande dificuldade, que pode ser um dos riscos no seu uso, está nas dosagens para cada caso, que, pela falta de regulamentação, acabam não sendo registradas e, consequentemente, deixam de ser conhecidas.
Ou seja, os efeitos benéficos no tratamento do câncer, por exemplo, além de outras doenças menos graves são inegáveis, porém, os principais riscos estão no caráter quase experimental do uso, como se tudo estivesse sendo testado.
Em dosagens inadequadas, o THC pode causar dependência, tonturas, fadigas, euforia e depressão. Em contrapartida, sua eficácia já é comprovada no auxílio a pacientes com glaucoma, espasmos e no alívio das reações adversas da quimioterapia, assim como, no controle da ansiedade.
Como o uso medicinal da Cannabis é recomendado?
Algumas formas de utilização medicinal recomendadas da Cannabis já foram citadas ao longo do texto. No entanto, elas são ainda mais abrangentes e incluem também o tratamento de TDAH, de problemas neurológicos, de doenças pulmonares, asma, diabetes tipo 2 e obesidade, além do, tratamento de acne, psoríase e dermatite.
Há ainda evidências de que ela reduz incidencia de diabetes em mulheres, fazendo com que também seja recomendada na prevenção e controle da doença.
Afinal, a Cannabis mata neurônio?
A maioria dos governos ao redor do mundo financia mais pesquisas que identifiquem os efeitos nocivos da Cannabis, do que as pesquisas capazes de comprovar os seus efeitos benéficos. Sem a regulamentação do uso medicinal, se torna quase impossível registrar seus efeitos.
Em países como Israel, por exemplo, em que há permissão do Governo Federal para o uso medicinal Cannabis, é possível supervisionar a pesquisa e registrar seus resultados e, somente desse modo, será possível ter certeza sobre que é mito e o que verdade a respeito desse assunto.
Sobre a Cannabis matar ou não neurônios, existem evidências científicas que apontam para os dois fatos. Em algumas situações a Cannabis mata e em outras ela protege e fortalece.
Em estudos feitos em ratos jovens ou recém-nascidos, o THC matou esses neurônios em desenvolvimento. No entanto, a mesma pesquisa realizada em ratos já adultos, com neurônios “maduros” o resultado foi o oposto: o THC ajudou na proteção desses neurônios contribuindo para a manutenção de sua sobrevivência.
Esse efeito neuroprotetor do THC em neurônios adultos já vem sendo explorado no tratamento de doenças como Alzheimer, como já foi citado. Enquanto a destruição dos neurônios jovens explicam os supostos danos cerebrais em adolescentes que abusam da maconha com objetivos recreativos.
O que diz a lei sobre o uso medicinal da Cannabis no Brasil?
Em janeiro de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o 11º dos produtos de Cannabis nas farmácias brasileiras, além daqueles produzidos por meio de manipulação de Cannabis.
Essa trajetória começou quando a Anvisa retirou o CBD da lista de substâncias proibidas em meados de 2015. Em dezembro de 2019 foi publicada a norma que regulamenta o uso da substância em produtos derivados da Cannabis.
Em 2021 também foi aprovado na Câmara, um projeto de lei que favorável ao cultivo para fins medicinais da planta no Brasil. Existe também a autorização da Anvisa para a importação de remédios com THC, mesmo em maiores concentrações.
Segundo próprio Senado Federal, espera-se que nos próximos anos aconteçam ainda mais mudanças positivas no cenário da regulamentação do uso medicinal da Cannabis no Brasil, inclusive, no ambiente esportivo para a preparação de atletas.
Como iniciar um tratamento com Cannabis?
Para iniciar um tratamento com produtos feitos com canabinoides, o primeiro passo é agendar uma consulta com um dos médicos prescritores dessa substância.
Existem profissionais de diversas especialidades médicas — psiquiatras, neurologistas, oncologistas, pediatras, dermatologistas, endocrinologistas, clínicos gerais, entre outros – capazes de recomendar tratamentos específicos, de acordo com as suas necessidades.
Como você viu ao longo deste post, existem muitas diferenças entre o uso recreativo e medicinal da Cannabis. Seus efeitos, negativos ou positivos, dependem da maneira como é ela utilizada, porém ainda há muito a se descobrir sobre o assunto.
Portanto, para que isso seja feito de forma segura e benéfica, é preciso contar com a recomendação e o acompanhamento de um profissional de saúde qualificado.
Sendo assim, se você deseja mais informações sobre o uso da Cannabis medicinal, agende agora mesmo uma consulta com um médico prescritor dos medicamentos base da planta.