Cris Palacios, como é conhecida, aposta na informação contra as fake news sobre Cannabis medicinal: “As pessoas precisam ter consciência de que tem que seguir o caminho certo, com orientação médica sempre”. Ela trabalha em equipe com o Dr. Rodrigo Mistrinel e a biomédica Mari Aprile, principalmente com pacientes com autismo, epilepsia, Alzheimer, dor crônica e câncer, com tratamentos personalizados e acompanhamento constante. Ela quer oferecer a mães e pacientes o cuidado que ela não teve ao tratar sua filha Valentina.
Foi a dura trajetória para encontrar o óleo correto para a filha que levou Cris ao caminho da terapia canábica. Formada em direito, ela nem chegou a fazer a prova da OAB porque foi quando a filha nasceu em 2014, e sua vida mudou completamente.
Temendo pela vida de Valentina porque a pequena batia a cabeça na parede, Cris fez um post no Facebook pedindo ajuda. Uma mãe perguntou se ela já tinha ouvido falar de canabidiol (CBD). Nesse ponto, Cris não sabia nada do assunto, mas recebeu a indicação de uma médica que receitou o CBD importado. “Eu quase caí para trás com o preço”, lembra Cris. Como o óleo era um isolado de CBD, o resultado positivo foi regredindo e a dose aumentando. Ela chegou a dar 7 ml para Valentina, o óleo não rendia. Foi nessa época que Cris se endividou, ficou com o nome sujo e deixou de pagar contas para comprar o óleo. Não dava mais.
Entrada no mundo da Cannabis
Cris tinha muito preconceito contra a maconha, então estava segura com o CBD isolado. O primeiro passo para derrubar os estigmas foi a pesquisa. Entrou em grupos de discussão, em várias associações como a Mãesconhas e a Cultive, participou de encontros, congressos, palestras, conheceu o Dr. Elisaldo Carlini, fez curso de cultivo, conheceu a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma). Enfim, entrou no mundo da Cannabis. Chegou a consultar com diversos médicos prescritores, mas se espantou que cada um prescrevia e orientava coisas diferentes.
“Nenhum me dava a resposta do que era ideal, a proporção, se devia ser artesanal ou importado, ou a diferença entre os óleos”. Um desses médicos prescreveu um óleo mais rico em THC e Valentina chegou a ficar pior do que estava quando Cris fez o apelo no Facebook. Com o conhecimento que tem hoje, Cris sabe que, para pacientes com epilepsia e que já estão tomando muitos remédios, o ajuste demora bastante e pode precisar de até três óleos diferentes. Para casos mais leves e pacientes que ainda não estão tomando remédios, dá para ajustar em duas semanas. Mas na época ela não sabia e teve que aprender os caminhos sozinha.
Mais cursos, livros, pesquisas, até que Cris resolveu entrar de vez na área da saúde para ser a terapeuta da própria filha. Entrou na Uninter para cursar Práticas Integrativas Complementares na Saúde (PICS), onde aprendeu aromaterapia, florais,fitoterápicos e teve a certeza de que o tratamento de Cannabis precisa de vários outros tipos de apoio, como dieta, terapias e mudança de hábitos. Lá aprendeu farmacologia, fisiologia, anatomia, epidemiologia, política nacional da saúde. Ela lembra que, sobre Cannabis, teve apenas uma palestra básica.
De voluntária a profissional
Entre tantos estudos, contatos e grupos, Cris aprendeu que existem vários tipos de óleos, com variações genéticas, de cepa, ou diferentes concentrações de canabinóides. Testou seis tipos diferentes de óleos na filha Valentina. Cris também conheceu o Reaja, que tem um reagente que detecta a concentração de CBD. Quanto mais escuro, maior é a quantidade e concentração da substância. Ela testou o óleo da filha – já tinha caído em golpes, comprado óleos de CBD sem o canabinoide.
Sentiu-se obrigada a compartilhar a importância dos testes, de ter uma receita médica, de saber como o óleo é feito e de comprar de associações conhecidas. Foi aí que começou a, voluntariamente, orientar mães no Facebook e no Whatsapp. Sofria junto com as mães sem informação, sendo enganadas, não tendo retorno dos médicos.
Mas amigos também terapeutas canábicos alertaram sobre como essa orientação poderia ser considerada criminosa, já que ela não é médica. “Eu fazia de boa fé, mas percebi que não era correto”, ela lembra. Tanto Cris quanto Mari Aprile, amiga e colega da Mãesconhas Associação Cannábica Do Brasil, que também estava na mesma atividade solidária, pararam com as orientações gratuitas. “Foi por segurança minha e do paciente”.
Cris chegou a trabalhar numa associação, onde aperfeiçoou a orientação com a ajuda de médicos. Mari e Cris queriam continuar ajudando pacientes, mas estavam em busca de um profissional para fazer parte da equipe. Uma paciente, que recebia orientações das duas, apresentou o Dr. Rodrigo Mistrinel.
Paranauê cósmico
Aí começou a parceria que dura até hoje. “Nós nos chamamos de trio paranauê cósmico, de tanto que um complementa o outro”, conta Cris. Ela gosta do trabalho integrativo de Mistrinel, que vasculha o paciente e por isso o grupo tem melhores resultados.
>> TELEMEDICINA. Seu diagnóstico simples, rápido e onde estiver. Agende uma consulta
Um exemplo é a seletividade alimentar que vem com doenças como autismo e epilepsia. Por isso, em todos os pacientes, elas ensinam e orientam a cortar glúten com receitas, substituições e dicas práticas. Como fazer leite vegetal, substituir salgadinho por pipoca, por exemplo. Cris conta que tem pais que não querem seguir a orientação nem mudar de hábito. “Qualquer mudança de hábito cria uma dor”. Mas aí elas explicam que tem farinha sem glúten, que dá para fazer qualquer tipo de massa, que pão de queijo pode comer porque é de polvilho. Ela lembra de uma mãe que tinha certeza de que o filho não ia aceitar nada. Mas o filho não só gostou de tudo, como conseguiu ampliar o cardápio.
A rotina correta
Para dar conta de falar com todos os pacientes com tamanha atenção, elas criaram um diário de rotina, com tudo o que o paciente fez: como e quando comeu, dormiu, bebeu, se medicou. Então, o paciente manda o diário para que elas analisem e façam as adequações. Ajuste de dose, retirada de medicamentos são com acompanhamento de Rodrigo Mistrinel, que foca em desmamar os remédios alopáticos, sabendo que alguns é impossível desmamar.
Segundo ela, com os diários, dá até para saber qual remédio causa os piores efeitos. Ela conta de um paciente que, assim que tomava Ritalina, ficava agitado. Sem o diário, a mãe não teria percebido, mas juntas, elas perceberam e retiraram o remédio. Com alguns pacientes, através da pré anamnese e todo histórico, a equipe já sabe alguns remédios que dá para tirar já no primeiro passo.
Mistrinel receita óleos de diversas fontes: importados de qualidade com preço acessível, e de associações como a ABRACE e Flor da Vida.
Para os pacientes que precisam de Habeas corpus para cultivo ou judicialização para fornecimento pelo SUS ou planos de saúde, Cris trouxe um amigo advogado para ajudar. Em geral os advogados cobram valores altos, mas, com a equipe, eles negociam um valor mais baixo ou parcelam o pagamento, tudo de acordo com o que a pessoa pode pagar.
Para ajudar o caso do paciente, eles elaboram uma documentação robusta para argumentar a necessidade médica. “Para autismo e epilepsia não tem como não perder”, disse animada, porque já chegou a conseguir Habeas corpus em cinco dias.
Futuro com associação e desmame de mães
Para o futuro, Cris e Mari sonham em montar sua associação com foco em auxiliar mães e pacientes no tratamento e acesso de qualidade. Porque ela sabe e alerta que, principalmente nos casos mais graves que está habituada a tratar, ajustes sempre têm que ser feitos. Com o tempo, o paciente pode desenvolver tolerância da cepa.
Um exemplo é o que aconteceu na pandemia: as crianças deixaram de presenciar suas atividades como ir à escola, terapia, ver os amigos. “É difícil estabilizar uma criança com autismo”.
Cris precisou alterar as doses de Valentina. E há casos em que até é bom parar o óleo por alguns dias para dar um ‘start’ no sistema endocanabinóide ou diminuir a dose e voltar a aumentar com o mesmo propósito. Tudo depende do caso. “É empírico, um experimento do dia a dia. Temos pego pacientes de médicos famosos, gabaritados, que largaram os médicos por falta de acompanhamento”.
Aprendizado constante
Apesar de já conhecer muito do mundo canábico, Cris pretende se reciclar sempre. Já planeja fazer a pós-graduação da Unyleya e todos os cursos e palestras que puder participar. Não quer ser só uma mãe que entende, quer se munir de formações para garantir segurança para ela e para seus pacientes. Um exemplo da necessidade de constante informação, são as também constantes descobertas de moléculas e interações, como as novas formas ácidas do CBD e do THC.
Cris reforça que Cannabis não é milagre de cura por si só, tanto o paciente quanto quem trata têm que pensar como um todo, assim como tudo na vida. Com os diários e as novas rotinas, a intenção dela e de sua equipe é sempre “desmamar e empoderar as mães”, para que elas mesmas tenham a informação e sensibilidade de fazer suas próprias alterações nos tratamentos.
Ela faz até análise cromatográfica para escolher os melhores produtos e doses de THC recomendadas, porque alerta que é preciso ter cuidado. Como ela, que tem sensibilidade para a substância, precisa ter mais CBD para amenizar os efeitos do THC. O mesmo para senhoras, por ser um organismo mais debilitado.
A equipe tem até um termo de compromisso com os pacientes, que envolve preencher e enviar o diário e não colocar nem tirar remédio sem avisá-los e seguir à risca as orientações deles. “Pode até não querer seguir, mas tem que nos avisar e saber que vai comprometer o tratamento”, ela avisa. Para Cris Palacios e equipe, as pessoas precisam se comprometer consigo mesmas e querer melhorar a vida.