É de conhecimento geral a importância da ciência para a prática médica. O nível de edução, o grau escolar e principalmente o acesso à informação por meio da internet, o famigerado Dr. Google, trouxeram a todos a possibilidade de se ter acesso a conhecimento aos borbotões. Com isso, de modo em geral, mas principalmente as pessoas na área de saúde, tem a possibilidade de entender melhor sobre patologias, tratamentos e evolução.
Essas mesmas tecnologias facilitaram e difundiram o acesso do médico ao conhecimento técnico de qualidade. Assim, evolução da própria medicina, considera-se o que é chamado de medicina baseada em evidência, como a melhor forma de se avaliar e definir uma terapêutica a um paciente.
E o que afinal é isso?
A Medicina Baseada em Evidência (MBE) não é outra medicina, mas tão somente o uso da melhor evidência científica para se tomar uma conduta na área médica. Vamos então entender melhor.
Na história da medicina, os primeiros médicos, tratavam os pacientes baseados em suas observações pessoais e no seu escrutínio técnico, muita literatura e muita discussão com seus pares, para que, individualmente, chegassem a uma lógica do que fazer em determinadas situações. Assim também evoluiu o uso da Cannabis medicinal desde 4.000 anos antes de Cristo, com seu uso baseado no empirismo e na observação de médicos atentos e perspicazes.
Com as pesquisas científicas, passamos a enxergar o que ocorre com grupos de indivíduos em uso de uma substância e como esse grupo composto por pessoas com características semelhantes evolui. Esse pode ser o desenho de um tipo de estudo, observacional não cego e não controlado, para simplificar.
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O que é estudo Duplo cego
Quando pegamos um grupo de pacientes com um determinado problema e o dividimos em dois grupos homogêneos virtualmente idênticos, aplicando uma medicação, veremos os resultados e poderemos avaliar se determinado medicamento funciona ou não.
E para sermos mais corretos, aplicamos a um dos grupos o medicamento e para outro um placebo (comprimido ou cápsula) que não contenha o princípio ativo em pesquisa. Dessa forma, nem o médico nem pacientes saberão quem tomou placebo e quem tomou remédio. É o famoso estudo duplo cego randomizado controlado por placebo. Óbvio que alguém precisa saber quem tomou o que, e por isso há um pesquisador central ou empresa que detém esse conhecimento para a análise.
A essa altura você já deve ter percebido que isso não é fácil. Envolve aspectos éticos sérios. Por exemplo, um paciente que tenha crises convulsivas não pode tomar placebo. Caso contrário, apresentará crises, e isso não seria correto. Algumas condições clínicas não podem ser testadas contra placebo, mas sim em conjunto com os medicamentos já aprovados e recomendados.
Existem portanto uma vasta gama de modelos de desenhos de estudo e formas de se investigar cada problema. E cada um tem um papel e por assim dizer uma força na recomendação. Podemos imaginar que um estudo em que o pesquisador testou um remédio num paciente e depois interrompeu o uso. Ele observou a piora dos sintomas e, quando reintroduziu a substância, constatou novamente a redução dos sintomas.
Revisões sistemáticas
Há nesse exemplo um nexo causal lógico que é uma evidência. Este tipo de estudo é chamado ‘N de 1’. Mas com confiabilidade bem inferior ao duplo cego randomizado e controlado, já explicado anteriormente. E é ainda mais fraco quando comparamos com revisões sistemáticas. Estas, por sua vez acontecem quando agrupamos todos os estudos semelhantes realizados no mundo e os equilibramos estatisticamente para chegar a uma conclusão mais generalizável.
Este tipo de estudo tem vantagens e desvantagens, mas é o que fornece a evidência mais robusta exatamente por agrupar um grande número de indivíduos investigados por grupos diferentes. Isso faz com que resultados semelhantes observados por pesquisadores diferentes, muito provavelmente correspondem a resultados corretos.
Importante lembrar que algumas questões jamais poderão ser provadas por qualquer tipo de estudo. Para isso, recorro a um clássico exemplo: o uso de paraquedas! Ninguém nunca fez e nunca fará um estudo utilizando paraquedas falsos e paraquedas verdadeiros, pedindo para que pessoas pulem de um avião usando um destes equipamentos pra saber que, os que não abrirem não evitarão o trágico desfecho de seus usuários.
Um médico jamais deve deixar de oferecer ao paciente um tratamento que sabidamente lhe oferece um resultado em detrimento de um tratamento ao qual não se sabe o efeito. Se o fizer, incorrerá em vários erros médicos e éticos.
E-books gratuitos sobre Cannabis Medicinal
E a Cannabis? Nada melhor do que um estudo de 6 mil anos!
E ai, finalmente chegamos à Cannabis medicinal. Sem dúvida, essa é uma grande interrogação pra todos. Médicos, pacientes e cientistas.
Meu objetivo é ajudar a simplificar um pouco toda essa dúvida em relação à Cannabis medicinal.
Assim como qualquer pessoa entende que pular de um avião sem paraquedas é fatal, pode-se entender que há mais de 6 mil anos os seres humanos usam Cannabis em busca dos seus efeitos terapêuticos. E não há nenhum óbito relacionados ao uso da planta na história da literatura médica. O mesmo não se pode dizer sobre os produtos oriundos de outras plantas, como o ópio da papoula e a cocaína da folha da coca. Fora inúmeras plantas que, quando consumidas mesmo in natura, podem ser fatais.
Embora até existam muitos estudos avaliando toxicidade e segurança da Cannabis, nada melhor que um estudo observacional de 6 mil anos para solidificar esse conhecimento. Então podemos concluir com grande certeza que o uso de Cannabis, em especial para fins medicinais é seguro no quesito fatalidade.
As indicações da Cannabis tem níveis de evidência diversos, já existindo algumas metanálises para algumas situações. As mais robustas estão relacionadas à dor neuropática crônica, ganho de peso em pacientes com AIDS e náuseas e vômitos induzidas pela quimioterapia. Juntamos a essas indicações a melhora da espasticidade relatada pelos pacientes com esclerose múltipla. Todas estas são indicações com maior nível de evidência científica.
As demais indicações tem níveis menores de evidência, o que não significa que não funcionem ou que sua indicação seja errada, mas somente que o médico tem uma confiança menor nos possíveis resultados.
Vamos analisar rapidamente outra indicação, o uso para epilepsia, por exemplo. Não há metanálise robusta ainda. Contudo, dois estudos duplo cego randomizados de excelente qualidade técnica publicados em uma das mais sérias revistas medicas do mundo geraram um poder de confiabilidade médica bem alto. Ou seja: passou a ser uma indicação com um nível de evidência tão forte que vem baseando os órgãos sanitários a aceitar e registrar a indicação do Canabidiol para este fim.
Mas é importante lembar que a indicação é para um tipo muito específico de epilepsia congênita de evolução muito desfavorável e que é refratária a praticamente todas as medicações. Não sendo portanto generalizável para outros tipos de epilepsia. Isso não significa que não funcione, mas que não foi cientificamente testada para isso. E, como já falamos, pesa na responsabilidade do médico entender se há possibilidade para indicação, pois não há literatura que o respalde nessa conduta.
A Cannabis se insere num cenário na medicina onde parte das medicações também tem níveis baixos de evidência, igualando em termos de confiança ambas as possibilidades (canabinoides e alopatia). Neste contexto, o grande potencial de uso da Cannabis é seu potencial terapêutico com baixa toxicidade para pacientes acometidos por doenças que não são curáveis e para as quais os medicamentos atuais também carecem dessa evidência.
Para concluir, recomendo que você, paciente, discuta com seu médico as possibilidades do uso de Cannabis medicinal e confie na orientação dele, procurando conhecer qual a evidência na qual ele se baseia para a escolha dos seus remédios e o que isso significa para você em relação à confiabilidade de resposta e segurança.
Lhes garanto que a grande maioria dos médicos gosta quando o paciente se interessa pelo conhecimento sobre sua doença e busca respostas em conjunto, pois assim ele assume um papel de protagonismo na melhora da sua saúde, e o médico passa a ser seu parceiro.
Os níveis de evidência para a maioria das indicações ainda são baixos mas consistentes. Mas as novas pesquisas vêm se tornando mais expressivas e com melhor qualidade. Por isso, busque sempre orientação sobre sua patologia. A maioria das doenças tem hoje grupos de pacientes que se organizam em sociedades ou associações que podem lhes ajudar a tomar uma decisão e lhes orientar na busca do tratamento ou na indicação de um profissional com expertise na área.