Pesquisadores da Unicamp encontram evidências do mecanismo de ação do tratamento com canabidiol em pacientes com esquizofrenia
A esquizofrenia é um transtorno mental grave e crônico que afeta mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo 2 milhões somente no Brasil.
Seu tratamento mais comum é realizado com medicamentos antipsicóticos, como haloperidol e clozapina. Ambos, no entanto, causam efeitos indesejáveis em sua ação junto ao sistema nervoso, como sonolência, em ambos, tremores com o haloperidol e ganho de peso com a clozapina.
Canabidiol e esquizofrenia
Recentemente, o canabidiol foi proposto como um novo tratamento para a esquizofrenia, uma vez que demonstrou diminuir os sintomas e melhorar o desempenho cognitivo. A Cannabis medicinal parece apresentar um perfil farmacológico semelhante aos medicamentos antipsicóticos.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) investigaram em laboratório os mecanismos do organismo que provocam efeito semelhante entre as substâncias em pacientes com esquizofrenia.
As possíveis causas da esquizofrenia
A doença começa com um desequilíbrio entre os estímulos excitatórios e inibitórios de determinados neurônios. Eventuais danos resultam em perda no controle da atividade de neurônios que liberam o neurotransmissor excitatório glutamato, com consequente aumento na atividade de neurônios que liberam dopamina. Essa, em excesso no sistema nervoso central, é uma das características da esquizofrenia e está associada aos delírios e às alucinações.
Há 13 anos, o biólogo Daniel Martins-de-Souza, que coordenou o estudo, desconfiou que os oligodendrócitos poderiam ter um papel importante na esquizofrenia, durante seu doutorado, concluído em 2008 em uma colaboração entre o Instituto de Biologia da Unicamp e o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP).
Os oligodendrócitos são um dos três tipos das chamadas células da glia, que, com os neurônios, formam o cérebro e as outras partes do sistema nervoso central. Os outros dois são os astrócitos e as células da microglia, que também participam da comunicação celular.
Ele examinou alterações associadas à esquizofrenia em tecidos humanos de cadáveres, comparando-os com os de pessoas que não tiveram essa doença, e verificou que muitas provinham desse tipo de célula.
Ele identificou regiões cerebrais associadas à doença, como o córtex pré-frontal e o tálamo, incapazes de processar adequadamente a glicose, principal fonte de energia do cérebro.
“Todo o metabolismo dessas regiões pode estar mais lento”, comentou em 2012, após um minucioso estudo dos efeitos de proteínas produzidas em maior ou menor quantidade no sistema nervoso central das pessoas com esse tipo de distúrbio psiquiátrico.
Tratamentos
Neste experimento, a farmacologista Valéria de Almeida e pela bióloga Ana Caroline Brambilla Falvella, ambas da Unicamp, utilizaram culturas de oligodendrócitos humanos e testaram clozapina, haloperidol e canabidiol diante a administração de uma substância que danifica os neurônios, prejudicando a transmissão de impulsos nervosos, e que pode ser uma das possíveis causas da esquizofrenia.
Os três compostos usados para evitar a chamada desmielinização (o dano ao neurônio) ativaram a produção de 1.890 proteínas. Desse total, 93 eram produzidas unicamente após a administração do canabidiol, 97 do haloperidol e 278 da clozapina. Em relação ao canabidiol, 92 proteínas eram comuns com o haloperidol e 75 com a clozapina.
“A esquizofrenia é uma doença resultante de disfunções dos três tipos de células da glia, não apenas dos neurônios”, afirma Martins-de-Souza à Pesquisa Fapesp. “Elas não são apenas células de suporte e preenchimento, como se pensou durante décadas.”
O número de proteínas em comum entre os fármacos fortalece uma nova interpretação sobre a esquizofrenia ao valorizar os oligodendrócitos, que produzem as bainhas de mielina, sem as quais aparecem os sintomas característicos desse transtorno psiquiátrico, como os delírios e as alucinações.