Do uso terapêutico em cavalos e recreativo em soldados, a Cannabis se firma agora como uma terapia eficaz em veteranos de guerra
Mundialmente, a própria constituição das forças armadas é bastante conservadora — uma instituição baseada na disciplina e hierarquia, que funciona em uma lógica interna particular, muitas vezes com pouco contato com a comunidade exterior e, portanto, menos permeável às mudanças de pensamento e comportamento típicas da sociedade civil.
No entanto, há intersecções interessantes entre a história das forças armadas e a Cannabis. Desde o uso terapêutico em cavalos e recreativo entre soldados, até os mais avançados tratamentos da medicina moderna, a Cannabis tem uma relação curiosa com a guerra.
Para traçar uma pequena história da Cannabis na guerra, a tradição militar dos Estados Unidos e a recente abertura da sociedade norte-americana à Cannabis torna os EUA um dos casos mais completos para análise dessa relação cheia de altos e baixos.
Sobre cavalos e homens
Vem de 1909 o primeiro registro do uso de Cannabis por parte do exército norte-americano. No manual “The Army Horse in Accident and Disease” (O Cavalo do Exército no Acidente e na Doença), a Cannabis aparece como um tratamento válido na medicina veterinária. O livro diz que a Cannabis indica poderia ser utilizada para tratar questões abdominais, pois “alivia a dor sem causar constipação”.
E esses primeiros benefícios da Cannabis notados pela medicina militar não se limitaram aos animais. Há registros de que soldados das Forças Expedicionárias Americanas eram tratados com Cannabis para aliviar dores de cabeça, câimbras e insônias, até a década de 1920. No entanto, a experiência teve vida curta, pois uma mudança nas leis norte-americanas logo criminalizou a planta, em 1937, quando foi iniciada uma forte campanha de repressão à Cannabis e seus usuários, levando a um estigma que perdura até hoje.
Racismo e Guerra
Com inegável componente racista, a total repressão às drogas nos EUA acabou sofrendo um baque nas décadas de 1950 e 1960, quando movimentos por igualdade racial agitaram o país e levaram ao fim das leis de segregação. Com isso, a sociedade norte-americana passou por um período de maior liberalidade de práticas e costumes, culminando no chamado movimento hippie. Foi aí que a Cannabis e o exército dos EUA tiveram um momento notável de diálogo, na Guerra do Vietnã (1965-1975).
Estimativas dão conta de que mais de 50% das tropas americanas fumavam maconha no Vietnã. Esse dado é presente no imaginário construído sobre a guerra, como nos filmes Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola (1979), Nascido para Matar, de Stanley Kubrick (1987), Bom Dia, Vietnã, de Barry Levinson (1987), Forrest Gump, O Contador de Histórias, de Robert Zemeckis (1994) e Destacamento Blood, de Spike Lee (2020).
E não apenas no imaginário: em 1968, no meio da Guerra do Vietnã, o soldado John Steinbeck IV — filho do escritor John Steinbeck, vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1962 — causou uma enorme polêmica ao publicar um artigo na revista Washingtonian relatando o difundido uso de maconha no front. Intitulado “The Importance of Being Stoned in Vietnam” (A Importância de Estar Chapado no Vietnã), o texto é um relevante manifesto pacifista que coloca em perspectiva a insensatez tanto da guerra e a demonização do inimigo, quanto da repressão às drogas.
No entanto, o período seguinte à Guerra do Vietnã trouxe mais uma onda reacionária à sociedade norte-americana, incluindo aí uma agressiva política antidrogas, que, curiosamente, viria a se transformar na chamada Guerra às Drogas.
Mundo moderno e terapia com Cannabis
Após um longo período de conservadorismo, evidências científicas acabaram minando a resistência norte-americana em relação à Cannabis. Diante dos comprovados benefícios dos fitocanabinoides, iniciou-se um processo de descriminalização e legalização da planta em alguns estados. No campo das forças armadas, um rigoroso controle ainda persiste entre os militares da ativa, mas avanços podem ser observados quando o assunto são os veteranos de guerra.
Utilizada no tratamento de estresse pós-traumático, a Cannabis medicinal vem ganhando força em hospitais dedicados a esse público. Em entrevista recente ao site Cannabis & Saúde, o médico brasileiro Marcelo Braganceiro contou que seu primeiro contato com a Cannabis medicinal veio justamente de uma visita que fez a um hospital de veteranos de guerra dos Estados Unidos, em Los Angeles, em 2013.
Isso dá conta de uma mudança, mesmo que lenta e gradual, que acontece na forma como o exército dos Estados Unidos vê a Cannabis — não mais como uma droga nociva, mas como uma tecnologia capaz de melhorar a vida de muitas pessoas. Uma proposta de lei recente visa garantir que veteranos de guerra possam fazer uso de fitocanabinoides e receber prescrições de médicos do Departamento de Assuntos de Veteranos. No Estados Unidos, é um pequeno passo rumo a uma visão mais aberta e acolhedora da Cannabis por uma parcela importante da sociedade. Espera-se que seja o início de um movimento maior.
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