Pesquisa investigou a capacidade do THC de proporcionar a sensação de infinitude oceânica, relacionado ao tratamento de depressão com substâncias psicodélicas
Infinitude oceânica. Esse é o nome dado pela psicologia a um sentimento de admiração e unidade com toda a existência. Um estado de consciência subjetivo, geralmente induzido por substâncias alucinógenas, como LSD, o cogumelo psilocibina cubensis, ayahuasca e até o veneno do sapo-do-rio-colorado.
Diversas pesquisas anteriores relacionaram esse estado alterado de consciência produz efeitos terapêuticos benéficos em pacientes com depressão.
“Uma vez que os laboratórios de psilocibina começaram a enfatizar que a ‘infinitude oceânica’ parecia ser o mecanismo subjacente aos efeitos antidepressivos da molécula, quase todos os fãs de Cannabis não puderam deixar de perguntar: ‘Ei! A maconha não tem efeitos comparáveis?’”, afirmou Mitch Earleywine, professor de psicologia da Universidade de Albany, nos EUA, ao site PsyPost.
Efeitos antidepressivos da Cannabis
Para tentar responder a pergunta, o professor organizou um grupo de pesquisa para analisar os possíveis efeitos subjetivos da Cannabis. Uma pesquisa realizada pelos alunos de Earleywine havia demonstrado que, quando as pessoas erravam na dose, e consumiam altas doses de THC, acabavam passando por experiências desafiadoras, muitas vezes desagradáveis.
No entanto, após passado o efeito, mais de 60% dos participantes afirmaram que esse sentimento desagradável, de alguma forma, foi repleto de significados, com efeitos psicológicos positivos. Em 95% de todos os casos, sem grandes efeitos colaterais.
Será que isso significa que, com altas doses de THC, as pessoas também estariam vivenciando a chamada “infinitude oceânica”?
Como foi a pesquisa
Em busca de respostas, os pesquisadores recrutaram 852 usuários de Cannabis, que responderam a uma pesquisa anônima sobre a experiência com THC mais dramática de suas vidas. As questões foram baseadas na Escala de Estados Alterados de Consciência, um questionário científico frequentemente utilizado em pesquisas psicodélicas, para classificar a intensidade da experiência.
O resultado foi que quase 20% dos entrevistados relataram terem vivenciado a “imensidão oceânica” com uma intensidade equivalente a mais de 60% do nível máximo atingido pela psilocibina. As pessoas que relatam uma pontuação tão alta são consideradas como tendo uma experiência oceânica “completa” ou “revolucionária” de infinitude.
Pesquisas anteriores
Outra pesquisa já havia demonstrado que, quando se trata da psilocibina, quanto mais “completa” a experiência, melhores são os benefícios terapêuticos no tratamento de depressão. As novas descobertas indicam que a Cannabis “pode criar alguns dos efeitos subjetivos que parecem estar por trás dos efeitos antidepressivos da psilocibina”, disse o pesquisador.
No entanto, as experiências completas de “imensidão oceânica” foram menos frequentes do que nos estudos realizados com a psilocibina. Ou seja, o componente do cogumelo foi mais eficiente em atingir o estado de consciência relacionado aos efeitos terapêuticos benéficos no tratamento da depressão.
“Protocolos formais emprestados da pesquisa da psilocibina, incluindo o uso de intenções declaradas, suporte psicológico, música e uma máscara para os olhos, podem aumentar as taxas de descoberta induzida por THC, potencialmente levando a efeitos terapêuticos”, escreveram os pesquisadores.
“Além disso, uma vez que o impacto farmacológico inicial do THC varia da psilocibina, comparar os dois em ensaios clínicos randomizados pode responder a questões importantes relacionadas ao papel das experiências subjetivas na psicoterapia psicoativa assistida.”
Psicoterapia assistida por Cannabis
De acordo com os pesquisadores, os problemas relacionados à psilocibina são marcadamente mais raros do que os relacionados à Cannabis. “A psicoterapia assistida por Cannabis deve acompanhar recomendações detalhadas para desencorajar o uso frequente de altas doses, especialmente no início do dia”, defenderam.
“Guardar o THC e outros psicoativos para sessões terapêuticas infrequentes importantes, especialmente se o tratamento for direcionado a problemas com drogas, parece essencial.”
Este é um estudo preliminar, com limitações relacionadas à amostragem e procedimentos. Não investiga, por exemplo, a percepção subjetiva dos participantes sobre os efeitos induzidos pela Cannabis sobre a depressão, a angústia ou o uso de drogas, e as evidências da ausência de fronteiras oceânicas como um mecanismo subjacente a esses efeitos costuma ser correlacional e indireto. “A generalização requer cautela”, alertam.
Uma amostra enorme que inclui participantes com uma vasta variedade de exposição à Cannabis, sintomas e uma ampla gama de idades, etnias e formações educacionais que relatam experiências místicas logo após uma dose padronizada de THC seria particularmente útil para generalização.
“Estamos ansiosos para enfatizar que as ligações entre o uso de Cannabis, de forma aguda e crônica, e o humor são complexas e frequentemente imprevisíveis, a menos que fatores de confusão, dosagem e comorbidades recebam atenção cuidadosa”, concluíram.
“Apesar dessas desvantagens, os dados atuais sugerem que o trabalho contínuo de refinamento de paradigmas para aumentar as experiências místicas induzidas pelo THC e examinar o potencial de tratamento pode ter um potencial considerável.”