Vivemos em uma sociedade focada no desempenho pessoal. Nas últimas décadas foi visível o aumento da demanda educacional e profissional. O alto crescimento populacional e econômico associado ao individualismo capitalista nutre uma competitividade patológica. A concorrência crescente gera a necessidade de cada vez maior esforço próprio. Basta olharmos a grade educacional do ensino médio atual e compararmos com a de uma ou duas décadas atrás que fica claro a estruturação social de uma exigência exagerada. Obviamente, isso perdura nas universidades e mundo profissional. Estágios precoces, concursos concorridos, especializações dentro de especializações. Se não acompanhar a excelência, você ficará para trás!
O aumento da demanda profissional encontra terreno fértil na crescente imersão tecnológica do sujeito. A fronteira entre tempo de trabalho e tempo de vida pessoal é dissolvida. Na pandemia da COVID-19 isso ficou explícito, com a expansão do “home-office”.
O tempo de lazer e ócio, fundamentais para a manutenção da saúde mental, é consumido. Ao estarmos o tempo inteiro conectados de alguma forma com nosso trabalho, o corpo não reconhece adequadamente seus períodos de descanso. Assim como temos que desligar da realidade ao dormir para podermos retornar com energia, o mesmo é necessário com a vida profissional. Uma sociedade ávida pelo excesso de produção – material e intelectual – é uma sociedade cansada.
O termo “burnout” foi utilizado clinicamente pela primeira vez pelo psicólogo judeu Herbert Freudenberger (1926 – 1999) no começo da década de 1970, para descrever as consequências do estresse severo em profissionais envolvidos em atividades assistenciais e contato direto com pessoas (como por exemplo: médicos e enfermeiros). Freudenberger pegou o termo emprestado do cenário de uso de drogas (“street drugs”) na época, onde o mesmo era coloquialmente utilizado para descrever os efeitos devastadores do uso crônico de drogas. Sua origem etimológica vem do verbo frasal inglês “burn out” que significa “queimar até esgotar o combustível” (“burn until fuel is exhausted”). Posteriormente, a psicóloga e pesquisadora Christina Maslach (atualmente com 76 anos de idade) seguiu na elaboração do conceito clínico de Burnout, desenvolvendo escalas aplicáveis, ampliando o termo para qualquer atividade profissional.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a nova Classificação Internacional de Doenças – a CID-11 – onde o Burnout foi classificado como: “Síndrome resultante de estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi adequadamente administrado. Refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outros aspectos da vida.” Na classificação anterior, não havia um item específico, sendo enquadrado no código Z73.0 (Problemas relacionados com a organização de seu modo de vida – Esgotamento). Na nova classificação, o Burnout foi especificado como uma síndrome ocupacional.
Quais são os sinais e sintomas do Burnout?
Quais são os sinais e sintomas do Burnout? Existem três áreas mais importantes. A principal é a relacionada à exaustão. O indivíduo afetado sente-se drenado de energia e exausto emocionalmente, podendo haver sintomas físicos principalmente relacionados ao sistema gastrointestinal. A partir disso, há a redução do desempenho, tanto no trabalho quanto em tarefas cotidianas e sociais. Pessoas com Burnout possuem dificuldade de concentração, apatia e falta de criatividade. Por último, ocorre a alienação e falta de propósito quanto às atividades profissionais. Há uma distância emocional com os colegas de trabalho e redução da motivação quanto às obrigações. Como se pode ver, os sintomas descritos podem ocorrer em outras doenças psiquiátricas, como a depressão. Para ser caracterizada como Burnout, a ligação dos sintomas com o ambiente de trabalho é necessária.
Apesar de ser um diagnóstico impreciso, há a condição básica de exaustão relacionada ao estresse. Existem diversos mecanismos de reação ao estresse no corpo humano. No cérebro, áreas do sistema límbico – como a amígdala – são engrenagens centrais nessa orquestra. Essas áreas são ricas em receptores canabinoides, que modulam a reatividade ao estresse.
Pensando nisso, durante a pandemia da COVID-19, um grande pesquisador brasileiro na área da cannabis medicinal, José Alexandre S. Crippa, junto a outros colegas, conduziram um estudo para avaliar a eficácia e segurança do uso do canabidiol em médicos na linha de frente da pandemia. Um total de 120 participantes foi dividido em dois grupos. Um recebeu canabidiol (300mg por dia) associado a cuidados padrões (vídeos motivacionais e sugestões de exercício físico) e o outro somente recebeu os cuidados. Nos participantes tratados, houve uma redução significativa nos escores da escala de exaustão emocional do questionário Maslach Burnout Inventory após 14 e 28 dias de tratamento. Dos participantes tratados (61), apenas cinco tiveram efeitos adversos importantes. Destes, dois descontinuaram o tratamento, e tiveram recuperação completa. Vale lembrar que o estudo foi realizado com canabidiol isolado, e a cannabis medicinal envolve diversos outros canabinoides. Portanto, há um potencial enorme ainda a ser explorado.
O Burnout é uma condição crescente e relacionada à organização atual de nossa sociedade. Enquanto as formas de relação com o trabalho seguirem as mesmas, a tendência é o surgimento cada vez maior dessa condição. Obviamente, o afastamento do trabalho, ao remover a causa, gera alívio dos sintomas. No entanto, ao retornar a trabalhar no mesmo modelo anterior, muito provavelmente os sintomas reaparecerão. Portanto, é necessária uma reformulação da interação que a pessoa possui com o trabalho, e para isso psicoterapia é fundamental. O Burnout carece de tratamentos farmacológicos específicos, sendo utilizados tratamentos sintomáticos, como antidepressivos e medicações para insônia (se houver). A cannabis medicinal se apresenta como uma nova possibilidade de auxílio nesses casos, reduzindo a reatividade ao estresse e melhorando a capacidade de lidar com ele, sem contar outros possíveis benefícios. Além disso, é uma alternativa bastante segura quanto aos efeitos adversos, principalmente quando comparado às medicações comumente utilizadas.