Qual é a relevância da terapia canabinoide na vida de quem tem Transtorno do Espectro Autista? Para Arthur Ataíde a resposta está na qualidade de vida de quem vive com a condição.
Com TEA, Arthur conhece bastante a causa: tem uma mãe e um irmão com TEA. Estudante de medicina com mira na psiquiatria infantil para, no futuro, ajudar ainda mais pessoas com TEA. E, no presente, ele é o vice-presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas.
Na nossa entrevista, Arthur enfatiza que a Cannabis medicinal pode ser extremamente benéfica para tratar sintomas associados ao autismo, como crises de ansiedade, dificuldades de sono e questões sensoriais. Me considero jovem, embora já virei a casa dos 35, então, confesso, conversar com um jovem autista com uma história e metas tão definidas, é inspirador.
Qual é o trabalho que vocês desenvolvem em relação ao mercado de trabalho para pessoas neurotípicas?
A Associação Nacional para Inclusão das Pessoa Autistas trabalha promovendo inclusão de pessoas neurodivergentes em todos os eixos da sociedade. Principalmente no campo de educação, saúde e também no mercado de trabalho. No mercado de trabalho algumas das ações nas quais que estamos envolvidos são em denúncias que são feitas em relação à contratação de pessoas autistas e o processo de contratação daquelas que passam em concursos públicos, as que se inscrevem sem estar concorrendo em uma vaga PCD normalmente são excluídas por serem enquadradas como incapazes de trabalhar. E aqueles que se inscrevem por vaga PCD são tratados como se não fossem pessoas com deficiência suficiente. Nós vemos uma exclusão de pessoas autistas em todas as modalidades dos concursos públicos. E isso é algo muito preocupante, a avaliação é extremamente discriminatória com pessoas autistas.
Qual é a posição do Autistas Brasil em relação ao uso medicinal da Cannabis em tratamentos para pessoas autistas?
Nós defendemos o uso da Cannabis medicinal para qualquer sujeito que apresente uma melhora com essa intervenção terapêutica. E sendo uma pessoa autista, ou não, a gente sabe que existem estudos que apontam que a Cannabis medicinal pode ser maravilhosa para questões como enxaqueca, crises e até mesmo para dificuldades de dormir e regulação de sono. E estas são questões que muitas pessoas autistas enfrentam no dia a dia.
A gente não compreende com uma intervenção para autismo mas entende como uma intervenção para questões que pessoas autistas apresentam no seu dia a dia tornando suas vidas mais leves. E não existe remédio para autismo, não existe terapia para autismo porque autismo não é uma doença. O que existem são formas de você tornar mais fácil a vida de quem vive com essa condição. E a Cannabis medicinal pode ser uma aliada formidável dentro desse campo.
Nos nossos quadros de diretoria temos o Dr. Vinicius Barbosa, que é coordenador do núcleo de pesquisa em Cannabis medicinal do Hospital Libanês, e é um parceiro excepcional, um psiquiatra de ponta e que trabalha ao nosso lado justamente em relação à pesquisa e advocacy por políticas públicas que possam democratizar o acesso a Cannabis medicinal.
Uma das nossas maiores preocupações é a forma como a farmacologia, a indústria farmacêutica tradicional trata de crianças autistas. Por exemplo, a Risperidona de forma off label para crianças de 1, 2 anos, uso de doses altíssimas. Há, muito recorrente, quadros de crianças autistas que passam por síndromes neurolépticas malignas por conta de uma má administração de antipsicóticos. Então pensar em intervenções que não trazem risco a saúde e não trazem risco à qualidade de vida e a vida em si daquele paciente é algo formidável. A Cannabis medicinal se não fizer bem para um paciente, não vai fazer mal também.
Então é uma intervenção muito promissora e que a gente compreende não só como uma intervenção promissora para pessoas autistas. Mas promissora para diversos outros segmentos de pessoas na sociedade que enfrentam os mais vários tipos de problemas relacionados à regulação tanto sensorial e emocional, e até mesmo regulação de necessidades. Como, por exemplo, sono e alimentação.
Dentro da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas existe um núcleo científico, vocês desenvolvem ou participam de algum tipo de pesquisa?
Participamos sim. Recentemente nós publicamos o primeiro mapeamento sobre desinformação de autismo na América Latina e Caribe, temos um mapeamento e um rastreio de inúmeras comunidades no Telegram. Foram mais de 60 mil mensagens analisadas que nós enquadramos 150 falsas causas de autismo e 150 falsas curas de autismo. A pesquisa foi conduzida em parceria com a FGV e é um trabalho excepcional. Foi apresentado em Berlim para a Cúpula Global de Deficiência e também propusemos a ampliação desse projeto para a criação de uma rede interamericana de combate à desinformação sobre autismo. Então trabalharemos fazendo a pesquisa e o rastreamento de como se iniciam esses processos de desinformação para que medidas de combate, tanto da política pública quanto institucional possam ser criadas. Para você ter uma ideia existem polos de desinformação desde que associam vacinas até aqueles que prometem que com enema de dióxido de cloro você pode curar o autismo de uma criança. E muitas crianças são intoxicadas com todos os tipos de tratamentos milagrosos sem que sejam colocadas em preocupação as evidência.
Que absurdo. Mas, de forma geral, a percepção é que estamos melhorando em relação à conscientização sobre o autismo?
Com certeza a gente vem melhorando muito, tanto que quando a gente pensa em certos países, o Brasil é muito mais avançado em relação à legislação para inclusão de pessoas com deficiência do que a maior parte da União Europeia.
O Brasil tem sim muita conscientização sobre autismo só o que falta é a promoção da aceitação da condição em si.
A consciência passiva, as pessoas têm noção de que o autismo existe mas a gente precisa fazer uma transição superar esse paradigma da aceitação, compreender que o autismo faz parte da diversidade humana. Faz parte da diversidade nq qual a humanidade se apresenta e o nosso papel enquanto sociedade é promover qualidade de vida para essas pessoas autistas, para as suas famílias e promover suporte, cuidado e promover o direito a uma vida digna.
Todas as pessoas autistas nascem da forma como são e vão morrer da forma como são e são perfeitas da que são.
A gente precisa promover espaços onde elas se sintam livres incluídas e respeitadas isso em todos os campos: na escola, no mercado de trabalho, no acesso à cultura e ao lazer. E precisamos criar espaços de comunidades que respeitem e valorizem a voz de pessoas autistas e pessoas neurodivergentes.
Uma coisa que a gente percebe muito entre a comunidade da Cannabis medicinal é que existe uma preocupação muito grande em respeito às pessoas autistas.
E em trazer dignidade não é como boa parte do mercado terapêutico do Brasil que cria comunidades artificiais que prometem, por exemplo, cura do autismo e acabar com o autismo. E uma coisa que a gente percebe que são movimentos bem mais progressistas em relação à compreensão do autismo, enquanto um grupo minoritário, enquanto um grupo de pessoas com deficiência. E isso é algo que nos deixa bem feliz. E a luta pelas Cannabis medicinal no SUS também é uma luta que vem sendo colocada em pauta dentro do eixo e é algo que a gente precisa expandir a cada vez mais. Já que nós precisamos da variedade de opções para que as pessoas tenham acesso a intervenções que realmente sejam personalizadas para elas e criadas de forma singular, um verdadeiro plano terapêutico singular só é possível quando nós temos opções que respeitam e contemplam a necessidade de cada sujeito.
Vocês têm dentro da Associação Nacional para Inclusão pessoas que usam a Cannabis medicinal?
Sim, tenho sim a minha própria mãe. Ela é uma mulher autista, e mãe de dois filhos autistas. E ela tem artrite psoriásica uma condição degenerativa que causa muita dor. Ela faz o uso da Cannabis medicinal e isso ajuda muito ela tanto a lidar com questões atreladas à própria dor em si quanto ao desconforto sensorial. Ela melhorou qualidade de sono e melhorou muito em questão de estresss. Ela já faz uso há cerca de uns dois anos.
Mas fora a minha mãe que eu uso como um exemplo ainda mais íntimo por ser alguém com quem que faz parte do meu dia a dia, nós temos vários outros associados que fazem uso da Cannabis medicinal que encontraram nela uma intervenção terapêutica que não trouxe tanta dor, não trouxe tantos efeitos colaterais e não trouxe mais peso para as suas vidas. Trouxe leveza. Então é o que a gente precisa promover: uma vida mais leve.
Sim, e você observa que a Cannabis medicinal traz essa leveza para vida das pessoas que fazem tratamento com a terapia canabinoide?
Sim, a gente percebe porque muitas vezes pessoas autistas passam por intervenções medicamentosas durante toda a sua vida. Eu mesmo fiz uso do Venvanse desde os meus 11, 12 anos. E uma coisa que a gente observa é que a maior parte das pessoas autistas sofrem muito efeitos colaterais de alguma medicação em algum momento da sua vida. E uma boa parte delas em algum momento vai sofrer, principalmente quanto maior for o tempo de exposição de determinada intervenção terapêutica.
Seja aumento da ansiedade pelo uso de psicoestimulantes seja a dificuldade para dormir e o perigo disso é entrar num ciclo vicioso, você precisar de remédio para dormir, precisar de remédio para acordar, precisar de remédio para estudar, para lidar com os efeitos colaterais que eles vão criando em cascata. Então ter uma opção que não traz um efeito colateral que agrega mais peso para vida daquela pessoa, que não faz ela se sentir é culpada por usar uma medicação porque sabe que ela está conseguindo melhorar a vida dela num ponto mas está prejudicando em outro, é muito importante. Traz segurança e não só qualidade de vida mas também segurança para aquela pessoa de que ela não vai estar trazendo impactos negativos para outro campo da vida.
Como estudante de medicina como você vê o desenvolvimento de pesquisas e da terapia canabinoide focada em autistas aqui no Brasil ?
Eu vejo com muita esperança, acredito que a gente precisa ter cada vez mais pesquisas que evidenciem o quanto que a Cannabis medicinal pode trazer melhora na qualidade de vida de dos mais diversos tipos de pacientes. Acredito que com boas pesquisas nós vamos colocar em alta evidência e com boas evidências nós vamos conseguir influenciar para que a Cannabis medicinal seja cada vez mais acessível para o público e seja mais acessível dentro da de
políticas públicas no SUS. E até mesmo no setor privado nós acreditamos que toda pessoa autista merece ter direito a intervenções que contemplem as suas individualidades, que valorizem as suas necessidades e que a respeitem quanto sujeito integral e pleno. A Cannabis medicinal é uma possibilidade que a gente precisa sim valorizar e que a gente precisa colocar em pauta, que nós precisamos lembrar que se traz qualidade de vida para uma pessoa autista e não tira nada dela então a gente está no caminho certo.
Conheça aqui a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas
Por fim, a entrevista com Arthur revela não apenas os benefícios potenciais da Cannabis medicinal para pessoas autistas. Mas também a urgência de promover a inclusão e mudar a percepção social sobre o autismo aqui no nosso país.
Ao final, ele reforça que a luta por acesso à Cannabis medicinal e pela inclusão das pessoas autistas é uma responsabilidade coletiva, de todos e todas nós. Passa pelo jornalismo também. E, inclusive, nós do portal Canabis & Saúde. É necessário envolver toda a sociedade. A esperança é que, com mais pesquisas e uma maior conscientização, as intervenções terapêuticas como a Cannabis se tornem cada vez mais acessíveis e eficazes. Se depender de nós, será.
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A Cannabis tem mostrado eficácia no tratamento de diversas condições além do autismo. Se você entende que a Cannabis pode te ajudar, agende uma consulta com um médico aqui.