Além de indicar um possível tratamento para pessoas com autismo, os resultados com o CBD são animadores, pois não existe um remédio capaz melhorar a qualidade de vida, habilidades sociais e desenvolvimento cognitivo dos pacientes autistas.
Como descobrir se a Cannabis é realmente eficaz no tratamento dos transtornos do espectro autista (TEA)? Você trata um número de pacientes com o extrato da planta por um período e avalia os resultados. São os chamados testes clínicos, e foi justamente isso que fez um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília.
Durante nove meses, eles acompanharam pacientes ligados à Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), com idades entre 6 e 17 anos, em tratamento com um extrato com alta concentração de canabidiol, 75 vezes maior que a de THC. Dos 18 participantes, três sofriam com crises epilépticas. A pesquisa foi publicada na revista Frontiers in Neuroscience.
Não se sabe ao certo as causas do TEA. Esse nome inclui um amplo grupo de perturbações neurológicas e comportamentais que não são, necessariamente, causadas pelos mesmos motivos. Esses podem ser desde origem genética e hereditária ou em consequência de fatores ambientais que impactam o feto, como infecções, complicações na gravidez, e até estresse.
Nos últimos anos, no entanto, cientistas estão descobrindo que autismo e epilepsia, ambas com diversas causas, têm muito em comum. A epilepsia se dá por um funcionamento anormal dos neurônios. Para funcionar bem, o cérebro conta com neurônios excitatórios e inibitórios. Na prática, um ativa e o outro acalma. Juntos eles equilibram, e fazem com que a informação flua pelo sistema nervoso.
Quando, por algum motivo, esse trabalho de auto-regulação se desfaz, os neurônios excitatórios se empolgam, gerando uma reação em cadeia que resulta em um fluxo caótico de atividade que pode se manifestar de diversas formas, como no movimento descontrolado dos músculos.
Cientistas agora acreditam que algo semelhante pode estar acontecendo na cabeça das pessoas com autismo. De acordo com a Teoria do Mundo Intenso, do pesquisador Henry Markram, o excesso de ativação neuronal na mente de autistas gera um ganho extremo de intensidade na percepção dos estímulos sensoriais.
Outra pesquisadora, Adit Shankardass, encontrou focos cerebrais de atividade epileptiforme em crianças autistas, as quais chamou de hidden seizures” – algo como “convulsão escondida”. Isso tornaria as crianças incapazes de conexões com o mundo exterior, mesmo na ausência de ataques ou convulsões.
E o sistema endocanabinoide trabalha justamente nessa regulação da atividade neuronal. Em pacientes com epilepsia, quando a atividade neuronal excessiva ocorre, endocanabinoides são produzidos em resposta, o que faz a atividade excessiva dos neurônios se tranquilizem, cessando o ataque.
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CBD é o caminho lógico
Diante disso, e do sucesso do uso de CBD no tratamento de pessoas com epilepsia, testar em crianças autistas é o caminho lógico. Alterações na expressão de receptores canabinoides periféricos foram verificados em pacientes autistas, sugerindo possíveis deficiências na produção e regulação de canabinoides produzidos pelo corpo. Esta hipótese foi confirmada recentemente para a anandamida, um importante endocanabinoide, que é reduzido em pacientes com TEA.
Assim, os 18 pacientes ligados à Ama+me, com autorização da Anvisa, passaram a receber o tratamento com o extrato de CBD. Seus pais então passaram a preencher mensalmente um formulário em que estimavam o quanto os filhos melhoraram em relação à oito sintomas característicos do autismo: hiperatividade e déficit de atenção, transtornos comportamentais, déficit motor, déficit de autonomia, déficit de comunicação e interação social, problemas cognitivos, distúrbio do sono e convulsões.
Três pais desistiram de tratar seus filhos com Cannabis logo no primeiro mês. Os pesquisadores acreditam que em dois deles, pode haver um agravamento dos sintomas devido à tentativa concomitante e não supervisionada de remover ou reduzir a dosagem de remédios antipsicóticos. O outro pode ter sofrido efeitos adversos da interação dos canabinoides prescritos com outros dois medicamentos psiquiátricos que estavam sendo usados simultaneamente.
Já os demais 15 pacientes, que seguiram o tratamento ao longo dos nove meses (apenas um interrompeu no 6º mês), todos tiveram algum tipo de benefício observado pelo uso da Cannabis. Quatorze pacientes tiveram 30% de melhora em pelo menos um dos sintomas, sendo que sete deles apresentaram essa melhora em quatro ou mais dos sintomas analisados.
A principal melhora foi entre os pacientes com epilepsia, com redução nos episódios. Desordem de sono e crises de comportamento foram outros sintomas que tiveram considerável evolução positiva entre os pacientes.
Além de indicar um possível tratamento para pessoas com TEA – são necessários mais e maiores estudos clínicos para comprovar a eficácia -, os resultados animadores são importantes pois não existe um remédio capaz melhorar a qualidade de vida, habilidades sociais e desenvolvimento cognitivo dos pacientes autistas.
Os medicamentos atuais atacam somente sintomas específicos e são geralmente acompanhadas de efeitos colaterais graves. Nenhum, porém, melhora significativamente a falta de habilidades de interação e comunicação que caracterizam o TEA.
Por outro lado, os extratos de Cannabis provocam somente efeitos colaterais leves e passageiros. No estudo, três apresentaram sonolência e irritabilidade moderada. Houve um caso de diarreia, um de aumento de apetite, um de vermelhidão nos olhos e outro de aumento de temperatura corporal.
Isso indica que apostar no tratamento com extrato de Cannabis é a opção de tratamento mais segura.
Fontes:
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fneur.2019.01145/full
http://www.revistas.usp.br/revbiologia/article/view/109133
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