Cauã, filho de Monalisa Almeida, sofria com insônia, irritação e com as dores da fibromialgia. A Cannabis melhorou a capacidade de interação e a qualidade de vida do menino
Cauã chegou ao mundo antes do previsto. Aos seis meses de gestação, Monalisa Santos Almeida teve uma infecção urinária e a bolsa se rompeu. Ela saiu às pressas de Feira de Santana, no interior da Bahia, para a capital, Salvador, para conter a perda de líquido amniótico. Passou 30 dias internada até fazer a cesária. Aos sete meses, no dia 20 de junho de 2008, nascia Cauã.
O parto prematuro obrigou os médicos a deixar o bebê, ainda frágil e magro, por oito dias internado, tomando antibióticos. Era o tempo necessário para receber os resultados dos exames e saber se Cauã também havia também se infectado.
O retorno para casa
Cauã, como todo bebê prematuro, precisava ganhar peso. “Ele tinha 3,55 quilos, tivemos de ficar em casa, sem receber visita, porque ele ainda não tinha tomado as vacinas por causa do peso”, explica Almeida.
Só que alguns fatores dificultavam o ganho de peso. O bebê não conseguia pegar direito no seio da mãe. “Eu não tenho o bico formado e, por ser prematuro, Cauã tinha a boca pequena. Então não conseguia pegar para sugar”, diz.
Almeida solucionou de outra forma: tirava o leite, colocava na mamadeira e alimentava o filho. Cauã ainda assim não engordava por conta de outra consequência do parto prematuro: tinha fortes crises de refluxo.
Após um tratamento em Salvador, Cauã, enfim, ganhou peso. Mas até lá os pais passaram um ano trancados em casa. E o fator do isolamento mascarou outro problema: os primeiros sinais do transtorno do espectro autista.
Primeiros sinais
Almeida estranhava o comportamento do filho. “Eu via que ele não atendia aos meus comandos, sempre olhando para o nada”, conta. Chegou a fazer um exame de audição, em vão. O problema não era esse.
Outro estranhamento: Cauã demorou muito mais tempo do que outros bebês para começar a falar. A família, então, desconfiou que o problema era o isolamento. Afinal, o menino só ficava com os pais, faltavam outras crianças para estimulá-lo a falar.
Àquela altura, Almeida nunca havia se informado sobre autismo. E o pediatra não identificou alguns sinais de alerta, como o olhar vazio e a demora para falar. Tampouco se atentou ao fato que Cauã não gostava de sair de casa, sempre gritava, e dormia mal.
Além disso, Cauã tinha várias restrições alimentares. Não aceitava nenhuma comida sólida – tudo precisava ser batido no liquidificador. “Nem iogurte ele tomava, vomitava. Até o cheio de uma comida diferente causava vômito”, relata Almeida.
Diagnóstico: autismo
Um dia, enquanto assistia a um programa televisivo, o irmão de Almeida viu uma matéria sobre autismo. Identificou Cauã na hora. Naquela mesma semana, Almeida foi a uma neurologista que bateu o olho e avisou: “seu filho tem autismo”. E deu a ela um encaminhamento para o AMA (Associação Amigos dos Autistas).
Sem qualquer cuidado ao pronunciar a doença, a mãe sentiu o mundo desabar. “Foi muito duro, comecei a pesquisar e meu mundo desabou. Todos os projetos que fiz para meu filho de repente estavam impossibilitados”.
A notícia desestabilizou a família e mudou os planos de Almeida. Ela abandonou o emprego para se dedicar aos cuidados do filho. Aos quatro anos, Cauã começou a frequentar a escolinha – e a mãe, dedicada, sempre ia com ele para cuidar do menino.
Cauã tinha os transtornos clássicos do autismo. Odiava barulho – às vezes, quando os colegas batiam palmas, Cauã ficava tão irritado que começava a quebrar coisas. Apesar das dificuldades, o contato com outras crianças melhorou a interação social do garoto.
Tratamentos alternativos
A vida não era fácil. Além das crises de irritabilidade, Cauã dormia mal e sofria com as dores da fibromialgia. “Ele batia onde doía e chorava”, relata. “Ele dormia uma ou duas da madrugada. E às cinco da manhã já estava acordado.”
Almeida pesquisou sobre a doença e tratamentos. E decidiu fazer novos exames. Descobriu que o filho tinha uma alta presença de metais pesados no corpo, que causavam inflamações.
Em 2017, um ex-chefe de um laboratório de análise clínica resolveu custear 6 meses de tratamento de desintoxicação de metais pesados e ozonioterapia. “Cauã melhorou muito, mas após esse período o tratamento foi finalizado”.
Enfim, a Cannabis
Incansável nas pesquisas, Almeida seguiu atrás de informações. Descobriu um médico que falava sobre o uso de Cannabis em pessoas com autismo. Ficou encantada. Mandou uma mensagem e recebeu uma indicação: dr. Pedro Melo Filho.
Após uma consulta por videoconferência, com uma série de perguntas, dr. Pedro indicou um óleo de Cannabis. “Ele foi um anjo em minha vida”, conta Almeida. Primeiro uma gotinha, depois ia aumentando.
Desde o primeiro uso, no início do ano passado, as dores da fibromialgia de Cauã acabaram. Com isso, Cauã se tornou um menino bem menos irritado. As olheiras das noites mal dormidas também foram embora. “Agora ele dorme lá pelas dez da noite e acorda entre sete ou nove da manhã.”
Além disso, o menino passou a interagir muito mais nas aulas de musicoterapia e natação. “Ele passou a olhar para as colegas e imitar o que elas faziam, atender mais ao professor. Isso antes da pandemia, agora essas atividades foram interrompidas”, lamenta.
O custo dos remédios
O problema agora é outro: o custo do medicamento. A princípio, Almeida comprava de uma associação de São Paulo. Depois dr. Pedro indicou um óleo importado, full spectrum, com predominância de CBD, para ter melhores resultados. E esse sim era caro.
Almeida contou com a ajuda da representante de uma farmacêutica e conseguiu dois frascos gratuitamente. E nunca mais largou o tratamento.
“A Cannabis mudou a minha vida e a vida do meu filho”, comemora.
Quanto aos problemas de comunicação, eles ainda existem – e Almeida se comunica principalmente por gestos. Mas isso se deve a um fato curioso: o menino aprendeu a se comunicar melhor com a ajuda de desenhos, só gostava de ver desenhos apenas em inglês ou japonês. Não adiantava a mãe mudar as configurações – fissurado por tecnologia, ele sabia como mudar o idioma. E, assim, aprendeu a falar mais palavras em inglês do que em português. “Eu até comecei a fazer aulas de inglês para falar com ele”, conta aos risos.