Começou nesta segunda-feira a 4ª e última edição do Medical Cannabis Summit, o maior congresso sobre medicina canabinoide do Brasil 100% online e gratuito. Na abertura do evento, nada menos que a pesquisadora Dra Allyn Howlett falou sobre os bastidores da descoberta do sistema endocanabinoide.
A neurocientista foi quem descobriu o receptor cerebral CB1, que interage com o THC. Logo depois, sua equipe também descobriria o receptor CB2, ligado ao CBD, e mais tarde essa descoberta culminaria no que hoje a gente conhece como Sistema Endocanabinoide.
Além da Dra. Howlett, também falaram no evento o deputado Daniel Coelho (CDD-PE), membro da Comisão da Cannabis na Câmara e que emocionou o público com o relato sobre o tratamento da esposa com câncer. Segundo o político, sua mulher, Rebeca, estava acamada e sofrendo muito com as dores, mas o óleo de CBD a ajudou a ter qualidade de vida, e hoje ela leva uma vida normal.
O último painel da noite foi tocado pelo neurocirurugião Dr. Pedro Pierro Neto, um dos médicos pioneiros nos estudos e prescrição de Cannabis medicinal no controle de epilepsia no Brasil. O médico deu uma aula sobre posologia de A a Z com canabinoides.
“A Pfizer abandonou o projeto e deixou os compostos à nossa disposição”
A cientista estadunidense contou que durante o seu PhD, isolou algumas células cerebrais e fez alguns estudos com farmacêutica Pfizer, que pesquisava como os canabinóides poderiam ser aplicados contra dor.
“Na época, a Pfizer estava prestes a lançar o projeto. É uma pena que eles tenham abandonado. Porém, isso deixou os compostos à disposição dos pesquisadores. A Pfizer nos deixou usar cerca de 60 dos seus compostos, e isso nos ajudou, porque deixou todo mundo saber que provavelmente havia um receptor (canabinoide) envolvido no processo, porque as estruturas do cérebro se igualavam com o que a Pfizer estava conseguindo para o alívio da dor”.
Segundo Allyn, até antes da pesquisa com a Pfzier, havia uma grande controvérsia sobre como o CBD funcionava. Era muito parecido com os compostos que trabalham através de anestésicos. O sentimento da comunidade científica era de que os canabinóides atravessavam as membranas das células, alterando a forma como as enzimas funcionavam.
“Mas se tivesse um receptor, necessitaria que houvesse um fármaco para interagir com esse receptor. E nós mudamos o pensamento. E aí descobrimos que o que realmente estava acontecendo era que havia um receptor sendo ativado pelo fármaco. E aí nós identificamos esse receptor”.
Apesar da importante descoberta, Allyn Howlett lamentou que esses compostos nunca tenham ido para o mercado naquele momento, nem chamado atenção da Pfizer e demais indústrias farmacêuticas.
“Fiquei um pouco decepcionada, porque os pesquisadores que estudavam partes importantes do cérebro, como hipocampo e memória, não estavam interessados no que os compostos canabinóides estavam fazendo”.
Assista à entrevista com a Dra. Allyn Howlett gratuitamente.
“É melhor esperar o Bolsonaro sair para aprovar o projeto”
O segundo painel foi com o deputado Daniel Coelho. O parlamentar fez um balanço dos quase 2 anos de debates sobre o PL 399 na Câmara, projeto que legaliza o plantio de Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil. O deputado também comentou sobre um dos momentos mais altos e emocionantes das reuniões, quando compartilhou o relato pessoal sobre o tratamento da sua esposa.
Num discurso forte, ele condenou as pessoas que usavam desinformação e preconceito com a maconha para impedir o avanço de um projeto que visa o acesso a esses remédios pela população mais carente. Disse que apoia o debate também sobre o uso adulto: “nenhum debate é proibido na sociedade, vamos falar sobre o uso adulto lá na frente, agora a gente não pode impedir que quem precisa tenha acesso”.
Para o deputado, a melhor estratégia é aprovar o Projeto de Lei na Câmara, onde proposta tem maioria, depois aprovar apenas nas comissões do Senado, deixando para aprovar o texto final apenas em 2023, caso Bolsonaro não esteja mais no poder.
“Meu objetivo é concluir essa matéria até o começo do ano que vem na Câmara e aí é o tempo das eleições para termos o projeto aprovado e sancionado em 2023, porque não adianta aprovarmos e depois o presidente vetar, aí volta tudo da estaca zero”.
Isso porque, para o veto ser derrubado, é necessário um número de parlamentares que talvez não se tenha.
“Temos número para derrubar a matéria, não o veto. Para aprovar a matéria é maioria simples, mas na hora do veto é outro cenário, com maioria absoluta. Se a gente tivesse maioria absoluta, faria sentido aprovar e derrubar o veto depois. Mas nós não temos. Esse é o quadro atual das duas casas, tanto do Senado quanto na Câmara. No cenário de veto, todos os ausentes passam para o lado de lá, e é mais fácil o político fugir da responsabilidade de responder porque não votou a favor do projeto”.
Assista à entrevista com o deputado Daniel Coelho gratuitamente.
“Cannabis não serve para tudo, mas serve para todos”
O último painel teve o Dr. Pedro Pierro Neto, que fez uma apresentação sobre posologia com canabinóides, ao contrário dos painéis anteriores, que foram no modelo de entrevista.
A palestra do neurocirurgião passou por teste genético para sensibilidade do paciente aos canabinoides, composição dos produtos disponíveis, as vias de administração possíveis, estudos científicos, para finalmente a posologia: “não é dar o peixe, é ensinar a pescar”, brincou o médico.
Dr. Pierro explicou que ao contrário dos alopáticos, que possuem posologia específica para quase todos os pacientes, na Cannabis cada paciente deve encontrar sua posologia ideal.
“Não é uma disputa entre alopáticos e cnabinoides, a gente pode usar o melhor dos dois mundos”.
Segundo o médico, o grande diferencial da Cannabis está justamente nessa medicina integrativa e personalizada para cada indivíduo.
“Foi uma das coisas que a Cannabis e a pós graduação (em Cannabis medicinal) me trouxeram. Durante muito tempo, entrava no meu consultório, não um paciente, mas um cérebro e uma coluna. A partir do momento que eu entendi a Cannabis, eu passei a enxergar o paciente e tratar ele de forma integrativa”.
Dr. Pierro garante que a Cannabis “não serve para tudo, mas serve para todos”.
“A maior indicação é pra ansiedade, e o mundo inteiro está ansioso desde o começo da pandemia. E usando Cannabis as pessoas melhoram de coisas que nem sabiam que tinham, muitas vezes”.