Senadores, da ala conservadora, promoveram evento contra a descriminalização do porte de maconha para consumo. STF recua e adia, mais uma vez, o julgamento sobre a pauta
A sessão especial no Senado, que discutiu a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal no Brasil, foi ofuscada pelo depoimento do hacker Walter Delgatti à CPI dos Atos Golpistas, onde holofotes da grande mídia se concentraram.
Já o evento, que era para ter posições contrárias e favoráveis a não criminalização do porte de drogas para uso próprio, ficou restrita a poucos parlamentares e instituições que já são declaradamente contrárias a mudanças na chamada Lei de Drogas (11.343/2006).
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa se o artigo 28 da Lei de Drogas – que torna crime a conduta do usuário – vai contra princípios constitucionais como o direito à intimidade e à vida privada.
A ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que questiona se cabe ao Estado punir alguém que age em prejuízo próprio, tramita na Suprema Corte desde 2011.
Contra vapor ao STF
Os poucos parlamentares que compareceram à sessão, em discurso alinhado, usaram a tribuna para acusar o STF de invadir a competência do Poder Legislativo e rechaçaram uma possível alteração na atual lei em vigor.
Na abertura da sessão, o presidente do Senado, que também é chefe do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, afirmou que a decisão de manter como crime o porte de drogas para consumo deve ser respeitada.
“Esse debate, que certamente não se restringe a um único poder, tampouco ao judiciário, não pode haver restrição de foro de discussão. Há de se ter um amplo debate com a sociedade brasileira. Há aspectos técnicos que vão muito além da quantidade de droga apreendida que precisam ser levados em consideração”, defendeu Pacheco.
“A decisão do Parlamento é a única com legitimidade”
Não houve omissão, diz Pacheco
O parlamentar lembrou que em 2006, quando foi sancionada a Lei de Drogas, houve a decisão legislativa de não prender o usuário. “Não se pode atribuir ao Congresso Nacional omissão nesse sentido (…) Esperamos uma maturidade político institucional, que envolve todos os poderes, que a vontade da maioria, expressada pelo parlamento, possa ser respeitada”, cobrou o presidente do Congresso num claro recado à Suprema Corte.
No voto do ministro do STF, Alexandre de Moraes, o magistrado defendeu a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Pelo voto do ministro, deve ser considerado usuário quem portar de 25 a 60 gramas de maconha ou até seis plantas fêmeas da Cannabis, observada a circunstância da apreensão.
Traficante x usuário
Em discurso, Pacheco afirmou que a não delimitação da quantidade de droga para distinguir traficante de usuário foi uma decisão estratégica do Congresso naquele momento, justamente para que o mercado ilegal não encontre brechas para impunidade.
“O traficante de pequenas quantidades deve ser absolvido, mesmo que rege sua intenção de vender o produto? Quais formatos de uso de drogas serão liberados? Como se dará a regulamentação do mercado, entre aspas, legalizado. Há muitas questões que devem ser respondidas”, elencou.
27% da população carcerária pode ficar livre
Para embasar os argumentos, o presidente do Congresso apresentou dados. Disse que se o STF descriminalizar o porte para consumo pessoal, 27% de todos os condenados poderão requisitar a liberdade.
Os números foram divulgados em maio desse ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), segundo no senador. “Isso diz respeito aos presos que foram condenados por tráfico pelo porte de até 25 gramas aprendidas”.
Pacheco também citou um levantamento das Nações Unidas que revela um aumento de 26% no consumo de drogas nos últimos 10 anos. Argumentou ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu mais de 400 mil pessoas por transtornos mentais pelo abuso de drogas, incluindo o álcool.
Discursos iguais
Os demais convidados que subiram à tribuna para falar seguiram a mesma linha. Alegaram que a descriminalização do porte de drogas vai aumentar o consumo e fortalecer as organizações criminosas.
Não houve espaço para quem pudesse argumentar contra. Os ministros da Justiça, Flávio Dino e da Saúde, Nísia Trindade não compareceram à sessão apesar de convidados. E conforme a reportagem apurou, instituições que poderiam fazer o contraditório não foram convidadas.
Atenta contra os valores da família, alega professor
Para Ronaldo Laranjeiras, professor da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, se o STF entender que é inconstitucional tornar o usuário criminoso a “decisão será descolada dos valores da família brasileira e da ciência”.
Para o professor seria importante ouvir a população sobre um assunto tão polêmico: “Se a lei for modificada, estaremos legalizando o pequeno tráfico no Brasil com consequências danosas para os nossos filhos. O Congresso Nacional precisa ter coragem para enfrentar o Supremo ou façam o plesbicito. Tenho certeza que 80% da população será contra”.
Já o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, foi ainda mais duro. Defendeu o extermínio da maconha. Acusou a planta de ser o gatilho para a esquizofrenia e citou dados sobre ansiedade e depressão sem fazer qualquer relação com a planta ou o uso medicinal da mesma para tratar tais patologias.
“Qual é a quantidade segura para o consumo de maconha? Zero. Há de se banir a maconha da face do planeta”, defendeu o psiquiatra.
Na outra ponta, o Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, José Theodoro de Carvalho, alegou que a possível descriminalização das drogas vai aumentar a violência e a insegurança no país.
“Os usuários de drogas agem de forma impulsiva e violenta. O exemplo da Cracolândia de São Paulo pode se espalhar pelo resto do país, se seguir essa linha”, alertou. Para o jurista, os direitos humanos não são violados ao se regrar o consumo ou substâncias que possam fazer mal a saúde.
Ofensiva
A ofensiva promovida pela ala mais conservadora do Congresso impacta na finalização do julgamento que pode tornar inconstitucional o trecho da Lei de Drogas que criminaliza o porte de maconha – especialmente.
Até agora, quatro ministros da Suprema Corte já votaram nesse sentido. Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso e o relator da ação, Gilmar Mendes, que encaminhou o voto no sentido de que o porte de nenhuma de substância para consumo seja crime.
Apesar de o assunto estar na pauta de julgamento do Supremo. Outras ações ganharam prioridade na sessão dessa quinta-feira.
Autorização para cultivo
Diante desse impasse sobre a legalidade da atual Lei de Drogas, a justiça tem autorizado de forma reiterada, em todas as instâncias, o cultivo da Cannabis para fins medicinais.
Nessa quarta-feira, o ministro do STF, Dias Toffoli, manteve o direito de uma família importar 20 sementes de Cannabis e cultivar mensalmente nove plantas, sendo, pelo menos, três pés em floração para fins médicos.
O voto do ministro confirma a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que permitiu à família a produção artesanal para a extração caseira do óleo com fins terapêuticos e vai contra um recurso apresentado pelo Ministério Público Federal.
Uso medicinal da Cannabis
A Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia (AMBCANN) soltou uma nota para reafirmar a necessidade e urgência de lastrear na ciência e na medicina o debate sobre as drogas, em especial a Cannabis e seu uso terapêutico.
“É público e notório que o proibicionismo iniciado na década de 70, com a chamada “Guerra às Drogas”, fracassou e não impediu o comércio nem o consumo indiscriminado de drogas. Por outro lado, conforme nota do CFM e da ABP, o combate ao tabagismo no Brasil gerou uma redução no índice de consumo de 50% para cerca de 10%, o que demonstra de forma incontestável que a educação e a conscientização – não a criminalização, surtem efeito junto à população”.
O posicionamento da AMBCANN é uma resposta à nota divulgada, nessa quarta-feira, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). No documento, as instituições citam o cigarro como se a substância tivesse sido proibida no país. Por outro lado, em nada mencionam o álcool como um problema de saúde pública.
Para as entidades, eventuais medidas que liberem ou flexibilizem o porte de maconha – em especial – podem resultar no aumento do consumo, agravamento da saúde pública e fortalecimento do narcotráfico.
Posição ultrapassada
A diretora jurídica da Sociedade Brasileira de Estudo da Cannabis Sativa (SBEC), Bianca Uequed, lamenta a posição retrógrada e a falta de entendimento da classe e parte do Senado.
“Nós temos no Senado um debate fora de órbita, porque eles talvez não acompanharam o voto do ministro Alexandre de Moraes para entender que a Lei já existe e que foi o Congresso que aprovou. O que o STF faz é apenas suprir a lacuna da norma penal em branco, quando ela refere que é o juiz que – atendendo as condições do caso – vai entender se é trafico ou uso”, explica a advogada.
Para a jurista, não se trata se usurpação de poder “essa é uma narrativa criada por aqueles que usam argumentos desprovidos de ciência, que desconhecem o super encarceramento para fazer crer que o STF estaria passando dos limites. Entendemos que o voto do Ministro Alexandre de Moraes está em sintonia com a realidade”, afirma Uequed.
A advogada lembra que a despenalização do usuário veio com a Lei de 2006, e o que se busca agora é a – descriminalização – para evitar injustiças que já são evidentes no sistema penal brasileiro. “Esse não foi o espírito da Lei. E é o que que está acontecendo: usuários estão indo presos por portarem pequenas quantidades. Um caso que deveria ser assunto de saúde pública”, lamenta.
Sabia que o uso medicinal da Cannabis já é legal no Brasil?
O uso medicinal da Cannabis no Brasil já é regulado pela Anvisa por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 660 e RDC 327, desde que haja prescrição médica.
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