“Médicos: Não parem de prescrever” orienta carta de coalizão da “Advocacia da Medicina”.
“CFM adotou posicionamento retrógrado e anticientífico, atingindo diretamente pacientes, suas famílias, médicos, associações de pacientes e empresas do setor, em flagrante retrocesso social e científico”, destaca carta assinada por pela coalizão jurídica nacional denominada “Advocacia da Medicina”, uma resposta dos juristas à sociedade e ao Conselho Federal de Medicina.
Conversamos com Bettina Maciel, advogada antiproibicionista que explicou o processo de criação da carta: “Criamos este grupo coletivo pelos interesses comuns e com uma visão de resguardo da Constituição Federal e dos direitos elencados no próprio Código de ética médica, na proteção dessas garantias de liberdade e autonomia do médico e prescrição de tratamentos que já são inclusive reconhecidos pela Anvisa como eficazes para determinadas patologias além daquelas previstas”.
Objetivo da “Advocacia da Medicina” é demonstrar apoio e compromisso com médicos e pacientes
A carta tem como objetivo principal expressar o apoio e manifestar compromisso com médicos prescritores de produtos derivados de Cannabis e as muitas famílias que utilizam os produtos em seus tratamentos e “que após a publicação da Resolução n. 2.324/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) ficaram em dúvida, tanto em relação à manutenção da prescrição, quanto ao acesso a produtos medicinais”.
“Médicos não parem de prescrever”
“A dignidade reestabelecida a pacientes e às famílias beneficiadas com o uso da Cannabis, devidamente prescrita por médicos, é a bandeira que, com tranquilidade, orientamos que continue hasteada: não parem de prescrever, mantendo uma relação contínua e documentada com o paciente. A interrupção brusca de qualquer tratamento em evolução coloca em risco a dignidade dos pacientes e, novamente ressaltamos, sujeita profissionais a responsabilidade ética, administrativa, civil e criminal”, afirma o documento assinado por mais de cem profissionais da área do Direito.
Destaque às patologias “desatualizadas” apresentadas pela Resolução nº 2.324
Além de denunciar as limitações que a Resolução nº 2.324 impõe quanto às patologias para as quais se destinam a terapia com Cannabis, a carta indica o absurdo da falta de atualização sobre as patologias que podem ser tratadas com a planta.
“As vedações contidas na Resolução também alcançaram o exercício da Medicina, como ciência e prática clínica em prol do paciente, sua vida, sua saúde e sua dignidade, negando vigência a princípios constitucionais, éticos e bioéticos, tendo em vista que os produtos derivados de Cannabis são alternativas terapêutica para inúmeras patologias, além das descritas na norma em questão”.
“Flagrante retrocesso social e científico”
Outro ponto que os profissionais não deixam de lado na carta, é o fato de que o CFM manteve as restrições similares às de 2014: com “um posicionamento retrógrado e anticientífico”. E que surpreendeu a todos ao trazer uma norma distante da realidade 2022.
E os tratamentos com outros canabinoides como THC, CBN e CBG?
Em sintonia com os avanços científicos, o documento questiona o fato de que a Resolução nº 2.324 ainda “pretenda manter a possibilidade de prescrição restrita ao canabidiol em sua forma isolada”. Os profissionais afirmam que a Resolução nº 2.324 comprova neste ponto uma total carência de informações atuais sobre os produtos “já regulamentados, aprovados e disponíveis nas mais variadas composições, seja, para compra direta nas farmácias, por importação pelo paciente ou fornecimento pelas diversas associações autorizadas por decisões judiciais”.
Reconhecimento do trabalho da Anvisa
A Carta destaca o trabalho da Anvisa como atuante trabalho regulador que exerce no Brasil dos produtos derivados de Cannabis através da RDC n. 327/2019 e da RDC n. 660/2022. Ambas dispõem sobre a prescrição de produtos de Cannabis, assim como a fabricação, dispensação, autorizações para importação, receitas médicas, dentre outros temas relativos à matéria. Inclusive a Anvisa já se manifestou afimando que as Resoluções seguem vigentes mesmo com a Resolução nº 2.324 do CFM.
CFM e o livre exercício da medicina
“Trazer regras claras à prática médica é dever do Conselho Federal de Medicina, todavia limitar o exercício da medicina de forma arbitrária e divorciada da evolução da pesquisa científica e regulamentar, bem como da prática clínica é inconcebível, inconstitucional e ilegal”, ressalta o documento.
Objetivo da Coalizão “Advocacia da Medicina”
“Nosso compromisso é confrontar juridicamente as normas injustas, pois os efeitos concretos desta resolução são devastadores para a saúde das pessoas, para a atividade médica e para a dignidade humana. A transformação social deflagrada pela Cannabis na Medicina é uma realidade inconteste e aqui estamos unidos para defender direitos ameaçados através de todos os meios jurídicos que se fizerem necessários, e, especialmente, dialogar com todos envolvidos nessa temática”, finaliza o documento que foi divulgado hoje no país.
Ações no Brasil contrárias à Resolução nº 2324 do CFM
Além da publicação do documento, também acontecerão amanhã no Rio e em São Paulo manifestações contra a Resolução nº 2.324 do CFM.
O que é a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.324/2022
Publicado no Diário Oficial da União a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.324/2022 lista uma série de restrições à prescrição de produtos à base de Cannabis por médicos brasileiros. O texto aprovado pela Sessão Plenária do CFM, no dia 11 de outubro, limita a prescrição de canabidiol (CBD) – uma das moléculas presentes na Cannabis – exclusivamente para o tratamento de epilepsias refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa.
A nova redação também veda ao médico a prescrição da Cannabis in natura para uso medicinal, assim como quaisquer outros derivados que não o canabidiol, salvo relatados em estudos clínicos autorizados pelo Sistema da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) – órgãos vinculados ao Ministério da Saúde. A Resolução ainda determina que os pacientes submetidos ao tratamento com o CBD, ou seus responsáveis legais, sejam esclarecidos sobre os riscos, benefícios, e assinem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de iniciar a administração do produto.