A Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal surgiu na cidade do Rio de Janeiro, mas já extrapola fronteiras. A ONG luta por uma nova legislação que permita maior acesso, mais pesquisas e liberdade individual para o plantio e uso terapêutico da Cannabis
Suelen Guimarães mora em Sorocaba, interior paulista, e é mãe do Arthur, de 3 anos. A criança tem autismo severo e precisou ser tratado com Canabidiol em 2019. Pesquisando nas redes sociais, Suelen conheceu a Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal). A ONG, que tem sede no Rio de Janeiro, auxiliou o pequeno Arthur e a sua mãe com orientações sobre como realizar a importação do óleo de Cannabis com rapidez.
“Eles fazem um trabalho humano no auxílio em importação de óleos em grupo, possibilitando famílias de baixa renda, como eu, a importar em pequenas quantidades”, contou, aliviada, a mãe.
Recentemente, Suelen conseguiu a importação do óleo PuriDIOL – primeiro canabidiol isolado com alto grau de pureza, isento de THC e dissolvido em óleo de milho – pago pela prefeitura de Sorocaba. Como ela não mora no Rio de Janeiro, integrou o grupo da Apepi a distância.
“Aqui não temos uma associação que nos favoreça”, comenta.
A Apepi apoia a Suelen, o Arthur, e centenas de famílias em situações parecidas, estejam elas no Rio Janeiro ou não.
Como surgiu a Apepi
A história da Apepi começou em 2013, no Rio de Janeiro, a partir de um grupo de pais que se reuniam periodicamente para discutir opções de remédios para os seus filhos, que tinham epilepsia refratária aos tratamentos convencionais. Um ano depois, em 2014, eles passaram a ver Cannabis medicinal como um tratamento adequado e assim surgiu a Associação de Pais de Pessoas com Epilepsia Refratária, hoje registrada sob o nome de Associação de Apoio à Pesquisa e à Pacientes de Cannabis Medicinal.
A luta dessas famílias contra o preconceito e a burocracia para usar legalmente a maconha para fins medicinais resultou em um documentário histórico chamado “Ilegal: A vida não espera”. Esse filme mudaria a forma como o Brasil enxerga a Cannabis.
A advogada Margarete Brito, atual presidente da associação, foi quem assumiu a ideia da Apepi (que foi formalizada em 2016). Ela é mãe da Sofia, que sofre de uma síndrome rara (Síndrome CDKL5), cujas convulsões decorrentes são tratadas com Cannabis. Margarete é a primeira mãe a adquirir o acesso legal à planta para uso terapêutico no Brasil.
Se Margarete havia conseguido este habeas corpus na Justiça, por que não apoiar outras família, que não têm condições de importar o produto, a terem este direito também? E foi o que ela fez.
O que faz a ONG
A entidade age no processo de educar famílias – e consequentemente a sociedade – sobre o uso terapêutico da Cannabis. É desta forma que associação se define: “a APEPI é formada da união de familiares de pacientes, pacientes e de todos que acreditam no uso terapêutico da cannabis. A Apepi luta por uma nova legislação, que permita maior acesso, mais pesquisa e maior liberdade individual. Nossa luta tem em seu cerne a desobediência civil pacífica”.
A ONG produz o óleo de Cannabis para alguns pacientes que não tem condições de importar, mas também promove várias ações que contribuem para o empoderamento do paciente e sua família. Oferecem, por exemplo, cursos de cultivo e oficinas de extração. Os cursos acontecem na sede da Apepi, no centro do Rio de Janeiro.
É nestes encontros que os pacientes, que ainda não cultivam, iniciam a prática. Aprendem sobre iluminação, fertilização, entre outras informações para começar a cultivar a Cannabis. As oficinas de extração, por sua vez, são focadas naqueles que já fazem a jardinagem da Cannabis para fins medicinais. Durante estas oficinas os participantes passam o dia inteiro focados nas técnicas de produção do óleo.
Um dos objetivos da Associação é o de fazer ponte entre médicos e pacientes – há inclusive uma lista, no site da Apepi, de médicos que prescrevem Cannabis e que podem ser consultados sobre esse tema. A associação também oferece cursos focados nos profissionais de medicina.
A ONG tem como forte objetivo a regulamentação da produção nacional (direito ao auto-cultivo, cultivo para pesquisas, cultivo via cooperativa). Ela faz um trabalho de articulação com áreas de todas as esferas do poder para, quem sabe, conseguir a regulamentação da maconha no Brasil.
A Associação é ainda parceira da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em eventos e pesquisas sobre o tema. O apoio à pesquisa e à divulgação dos benefícios do uso terapêutico da maconha levam a quebra do preconceito.
Outro projeto interessante da Apepi é o Papo Especial: rodas de conversas entre mães de crianças especiais para trocar idéias, dificuldade e experiências.
Desobediência civil pacífica
A Apepi afirma que a “desobediência civil pacífica” é a base de sua luta, pois mesmo que a regulamentação da Anvisa mantenha a proibição ao cultivo em território nacional, a Associação produz óleo para pacientes que não tem condições de importar. O custo da total importação fica entre 300 a 400 dólares por mês, mas dependendo da patologia do paciente, esse valor pode chegar a até R$ 5 mil.
Por isso, a entidade ingressou com uma ação na Justiça Federal pedindo uma liminar que autorize a plantar e a produzir legalmente o óleo para os pacientes associados – da mesma forma como ocorre com a Abrace, Associação de João Pessoa, que desde 2017, possui autorização da Justiça Federal da Paraíba para cultivar maconha e produzir medicamentos para cerca de 2 mil brasileiros. A liminar da associação carioca, no entanto, ainda não saiu.
Francislaine Assis, a Fran, é uma das pacientes e associadas da Apepi que faz uso do óleo. Ela é mineira e portadora de fibromialgia, doença que causa dor crônica de intensidade e duração longas por todo o corpo. Ela faz uso da Cannabis medicinal e conta que “na busca do acesso a um óleo eficaz para o meu tratamento, eu conheci a Apepi. Eles tem um diferencial com os grupos, que torna o acolhimento bastante pessoal”.
No primeiro uso do óleo produzido pela associação a Fran teve um alívio da dor em menos de 20 minutos “foi bem surpreendente. Eu nunca tive este alívio de dor com nenhum medicamento”. Hoje, a associada já fez curso de cultivo e participa do grupo de adultos.
Ela é líder do movimento FibroCannabis, atua como coordenadora da Câmara Técnica de Fibromialgia da Sociedade Brasileira para Estudos da Cannabis (SBEC), e diz que a ONG contribui com a o seu ativismo trazendo muitos estudos, informação e conhecimento. “Eles fazem questão de compartilhar tudo com a gente. Conhecimento para o paciente faz toda a diferença. Isso nos empodera”.