A trajetória de Mara Gabrilli é um exemplo inspirador. É a transformação da dor em uma luta de resiliência, determinação e compromisso com os direitos humanos. Em 1994, aos 19 anos, Gabrilli sofreu um grave acidente de carro que a deixou tetraplégica.
“Desde que sofri o acidente enfrento desafios diários para cuidar de um corpo que não se move, mas que sente dor, espasmos, insônia e tantas outras consequências da lesão medular. Naquela época, a reabilitação no Brasil era praticamente inexistente. Tive o privilégio de ir aos EUA, onde descobri que a Cannabis poderia ser uma grande aliada para lidar com esses sintomas. Os médicos de lá me prescreviam o óleo de Cannabis, e os resultados eram incríveis”, relata.
Impulsionada por sua experiência e pela busca por melhorias, ela começou a lutar por mudanças no Brasil. Pois, quando tentou reproduzir o mesmo tratamento no Brasil com o óleo de CBD, não teve os mesmos resultados. “Cheguei a desenvolver um quadro severo de espasmos que me deixou prostrada, com crises fortíssimas. Foi um período de muito sofrimento”.
Mesmo assim, a determinação dela não a fez desistir. Gabrilli transformou sua história pessoal em uma força motriz para ajudar outras pessoas.
“A Cannabis me ajudou a manter minha saúde física, minha mente forte e a vontade de viver, mesmo diante de tantas dificuldades”
Após o acidente, se formou em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Começou a se dedicar ao atendimento de pessoas com deficiência. Passou a ajudar seus pacientes a superarem obstáculos e a viverem de forma plena.
Em 2010, Gabrilli deu um passo significativo em sua carreira ao se candidatar a uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Na eleição, obteve uma votação expressiva, sendo eleita deputada estadual.
Nesta luta, o uso da Cannabis medicinal ocupou espaço não só em seus tratamentos. Mas também na questão do acesso aos medicamentos no Brasil. “Precisamos urgentemente regulamentar a Cannabis medicinal no Brasil para que todos tenham acesso pelo SUS”, avalia a hoje senadora pelo PSD-SP.
O projeto de Lei que versa sobre o cultivo de cânhamo no Brasil e o uso medicinal
Atualmente, Gabrilli é autora de uma lei no Senado, é o Projeto de Lei n° 5511, de 2023, que trata sobre o cânhamo no Brasil. Segundo a política, a aprovação do PL 5511/2023 é um passo essencial para o Brasil finalmente “sair da posição de atraso no uso medicinal e industrial da Cannabis”.
A expectativa é de avanços em 2025
O projeto está tramitando no Senado e passará por comissões importantes, como a de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e a de Assuntos Sociais (CAS). Gabrilli acredita que há boas chances de avanço em 2025.
“Ainda enfrentamos preconceitos e resistências, mas vejo que a sociedade está mais aberta a essa discussão. Pesquisa do DataSenado mostra que cerca de 80% dos brasileiros apoiam a distribuição de medicamentos de Cannabis no SUS. O Parlamento precisa ouvir essa demanda e agir. Eu tenho muita confiança de que o PL será aprovado. Estamos tratando de saúde pública, de oportunidades econômicas e de justiça social. Não é só uma questão de regulamentar uma planta – é oferecer dignidade e qualidade de vida para milhares de brasileiros”.
Além disso, recentemente, a senadora foi identificada como a política mais atuante na área da Cannabis medicinal e já protocolou três projetos nos últimos anos, segundo a Anuário da Kaya Mind.
Leia nossa entrevista exclusiva com Gabrilli:
Como você sente o impacto dos produtos à base de Cannabis para sua saúde?
A experiência me ensinou que não existe um único tratamento que funcione para todos. Cada corpo é único. Enquanto o CBD pode ser excelente para algumas pessoas, outras, como eu, precisam de medicamentos que combinam vários componentes da planta, como o THC.
Eu já fiz uso do Sativex (ou Mevatyl), que combina THC e CBD. É caro, cerca de R$ 3 mil por mês, mas já funcionou muito bem para mim numa época que precisei disso, mas infelizmente não é um medicamento acessível.
O que diria para alguém que ainda não usou Cannabis, mas tem recomendação médica?
Confie no seu médico e dê uma chance. Essa planta tem um potencial terapêutico imenso. Ela não é mágica, mas pode ser uma ferramenta poderosa para melhorar a qualidade de vida, seja atenuando dores, espasmos ou ajudando na recuperação de condições severas.
O que não podemos mais aceitar é que tantas pessoas fiquem sem acesso a tratamentos porque ainda enfrentamos preconceito, burocracia e falta de regulamentação adequada no Brasil.
Qual a importância da aprovação de uma lei com características tão abrangentes como o PL 5511/2023 aqui no Brasil? E qual a real possibilidade dela ser votada? O que podemos esperar de avanços para 2025?
Essa é uma pauta de saúde pública, ciência e desenvolvimento econômico. 2025 será um ano importante para darmos um passo histórico nessa questão e fazermos justiça para pacientes e para a sociedade como um todo.
O projeto é amplo porque precisa atender a várias demandas que hoje estão negligenciadas. Ele prevê a regulamentação do cultivo, da produção e da comercialização, tanto para fins medicinais quanto industriais. Além disso, autoriza o autocultivo para pessoas físicas – uma demanda antiga de pacientes – e abre espaço para associações de pacientes atenderem seus associados de forma regulamentada e segura.
No contexto medicinal, a importância é clara: hoje, os pacientes enfrentam inúmeros obstáculos. Quem precisa de medicamentos à base de Cannabis tem que lidar com preços exorbitantes, longos processos de importação e uma oferta muito limitada no mercado nacional. Isso exclui milhares de brasileiros que poderiam se beneficiar do tratamento.
O PL muda esse cenário, ao permitir a produção em território nacional, incentivando a pesquisa, a redução de custos e o acesso mais amplo a medicamentos de qualidade.
No campo industrial, a aprovação do PL é igualmente estratégica. O cânhamo, que é uma variante da Cannabis sem propriedades psicoativas relevantes, tem um potencial gigantesco para o Brasil. Ele pode ser usado na produção de tecidos, papel, cosméticos, materiais de construção, entre outros. Países como os Estados Unidos, China e membros da União Europeia já regulamentaram o cultivo e estão aproveitando os benefícios econômicos dessa indústria.
Como a senadora vê os avanços no Brasil sobre o tema?
Sinceramente, os avanços no Brasil em relação à cannabis medicinal são tímidos, ainda muito aquém do necessário. Por um lado, temos a aprovação de medicamentos como o Sativex, que foi um marco importante, mas por outro, a regulamentação continua extremamente limitada e inacessível para a maioria dos brasileiros. O que vejo é uma desconexão entre a ciência, a realidade das pessoas que precisam desses tratamentos e as decisões políticas.
Enquanto mais de 50 países já regulamentaram o cultivo e o uso medicinal da Cannabis, nós seguimos presos a debates ideológicos e burocráticos. Não faz sentido continuarmos ignorando as evidências científicas e as experiências de sucesso de outros países.
“O que me dá esperança é perceber que a sociedade brasileira está avançando. Pesquisas mostram que a população está mais aberta à ideia da Cannabis medicinal, especialmente quando se trata de aliviar o sofrimento de crianças, idosos e pessoas com condições graves”
Já é um grande passo termos a Anvisa permitindo a importação de produtos, mas ainda é insuficiente. Isso beneficia apenas quem pode pagar caro por tratamentos.
Precisamos dar um passo adiante e investir na regulamentação nacional. É fundamental permitir o cultivo, a produção e a pesquisa em solo brasileiro. Isso não apenas democratizaria o acesso aos tratamentos, mas também transformaria o Brasil em um protagonista nesse mercado, gerando empregos, inovação e um impacto positivo na saúde pública.
É por isso que apresentei o PL 5511/2023. Quero que o Senado mostre que é possível ter um debate mais maduro, livre de preconceitos, e que o Brasil finalmente avance no tema de forma responsável, equilibrada e justa. É uma luta que exige coragem, mas que vale a pena, porque estamos falando de saúde, dignidade e qualidade de vida para milhões de pessoas.
𝗜𝗺𝗽𝗼𝗿𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permitido mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.
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