Rodrigo Mistrinel lida diariamente com doenças difíceis, mas mantém sempre o sorriso no rosto. “A risada é ferramenta poderosa, a doença já é sofrida”. O baiano que cresceu em Minas Gerais tem uma forte aliada, a Cannabis medicinal. Com ela, seus pacientes têm a certeza de que sempre haverá alguma melhora, o que empresta esperança e alegria até aos tratamentos mais graves.
Mistrinel cresceu em Poços de Caldas e fez medicina em Itajubá. Aos 24 anos, já formado, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou para a iniciativa privada. Por indicação de uma amiga, que cursava medicina integrativa na Unifesp, encontrou curso similar no Hospital Albert Einstein. Mistrinel já tinha despertado para a ideia de que o modelo doença-remédio não resolve, por isso preferiu a ideia de integrar tratamentos. Lá, aprendeu as linhas gerais do que é tradicional e alternativo ou complementar. Entendeu também que o conceito de tradicional varia em cada cultura. Conheceu a fitoterapia, acupuntura, mindfulness (foco), cristais, frequencial com tecnologia quântica.
Entrada para a Cannabis
Foi também na especialização que conheceu a Cannabis medicinal – na faculdade, só sabia da recreativa e se lembra apenas de uma menção do professor de bioquímica no segundo ano, sobre a descoberta do sistema endocanabinoide.
Mesmo no Einstein, Mistrinel lembra que as noções sobre Cannabis foram bastante básicas. Interessado, tinha uma amiga que já estava prescrevendo: “juntei nela”, conta Mistrinel, que queria aprender. Foi baixando livros e pesquisas na internet, ia a palestras e cursos.
“Sou vegano em casa e vegetariano socialmente”. Mas nem sempre foi assim. Mistrinel era conhecido na faculdade como ‘bacon’, porque fazia churrasco três vezes por semana e fazia piada de quem não comia carne.
Com os estudos e o projeto Consciência Integrada em saúde que já tem dois anos, ele fala e divulga o que é o modelo integrado, a limpeza e fortalecimento do sistema imunológico pela mudança de hábitos, trabalho emocional e mental num processo energético. Junto com profissionais multidisciplinares como Lucyanna Kalluf (nutricionista), Elainne Ourives (psicoterapeuta) e Cristiano Valentim (médico), ele viu como “nosso corpo é vegetariano”. Para Mistrinel, a carne faz mal para o planeta e para o nosso corpo e é a maior causadora de câncer do intestino.
“Gente, estou prescrevendo Cannabis”
Foi com essa alegria que Mistrinel começou a receitar o medicamento. No início era um tratamento complementar, mas logo se tornou a estrela de suas prescrições.
Em janeiro deste ano, com o paciente Junior, autista severo de 43 anos, Mistrinel montou um plano de atendimento com biomédica, terapeuta, nutricionista fitoterápica, cardiologista, massagista e até terapeuta de primeira infância.
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Ele chegou nesse modelo depois das vivências práticas e a ideia de que precisava juntar as modalidades de tratamento para começar por uma limpeza e fortalecimento dos seus pacientes. A primeira consulta é de uma hora, e Mistrinel faz uma avaliação completa: medos, dúvidas, interações medicamentosas dos pacientes. Ele já foca no desmame de remédios, limpeza do fígado e intestino.
A estratégia para o óleo adequado
Com o tempo, Mistrinel descobriu que seus pacientes tomam os mesmos medicamentos, e sabe, por exemplo, que autistas têm dificuldades no sistema digestivo e são propensos à disbiose (desequilíbrio da flora intestinal). “Leite, carne e glúten são como heroína para o autista”, ele explica.
Com isso, ele cria uma estratégia de tratamento, e já receita o óleo mais adequado. O paciente também sai como os contatos de Mariane Pallinger (biomédica) e Cristiane Palacios (terapeuta canábica), com direito a um mês de acompanhamento, muito importante porque o óleo pode precisar de ajuste. “Por mexer no sistema inteiro, acontecem efeitos de estimulação e inibição”, alerta Mistrinel. Ele conta que pode acontecer tontura, queda de pressão e taquicardia. Segundo ele, “cada pessoa é um universo, mas ninguém nunca morreu de maconha”.
As terapeutas ainda orientam a dieta de forma detalhada: cardápio, o que e como substituir alimentos. “Mas aos poucos, não adianta puxar o tapete de uma vez”.
Associações como parceiros
Os óleos que receita são das associações como a Flor da Vida e a Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança (ABRACE). Ele também tem uma equipe jurídica para ajudar o paciente caso ele precise de um habeas corpus para adquirir. Quando o óleo chega, as terapeutas fazem acompanhamento diário por uma semana através de grupo no Whatsapp. Se houver alguma urgência, Mistrinel volta à cena. O paciente também recebe a orientação de fazer um diário com horários de alimentação, rotina, o que comeu e como reagiu. Esse acompanhamento é de um mês. Depois desse mês, o paciente ainda pode optar pelo segundo módulo, onde vai seguir para tratar outras questões com moxa (aplicação de calor), acupuntura e alongamentos, por exemplo.
Mistrinel vai entrar na Sociedade Brasileira de Estudos Canábicos, e está animado porque vai receber pesquisas e participar de congressos. Ele se diverte ao lembrar que, desde antes de começar a prescrever Cannabis, há um ano e meio, já vinha de uma realidade de preconceito por ser um médico “diferentão”, que gosta de cristais. Só que, com a experiência, veio o reconhecimento. Um exemplo é o pronto socorro onde trabalha também, quando resolve problemas que ninguém consegue resolver. Por isso acredita que os tratamentos com Cannabis já estão em terreno sólido, e os que teimarem em ter preconceito ficarão para trás. Para Mistrinel, a falta de conhecimento sobre a Cannabis já não se deve mais à falta de informação científica, mas à forma de passar essa verdade. “Não tem como negar a Cannabis, o problema agora é mais a comunicação do que de compreensão. É um caminho sem volta”.