Foi por acaso que a Cannabis medicinal entrou na rotina do neurologista Ibsen Thadeo Damiani. Um antigo paciente com um caso grave de Parkinson chegou sozinho para a consulta de rotina, algo que nunca acontecia. Fazia tempo que ambos buscavam alguma combinação de medicamentos, alguma dose específica, que servisse de tratamento. As altas dosagens, no entanto, se destacavam pelo acúmulo de efeitos colaterais.
Naquele dia, em 2016, ele trazia algo de diferente. Um vidrinho marrom, sem rótulo nem nada, com um óleo que entregava algo que nenhum outro remédio conseguia. “Perguntei o que era aquilo e ele, rindo, disse que era Cannabis”, lembra Damiani. “Ele estava tendo ótimos resultados Eu mantive os medicamentos e prescrevi.”
Neurologia e Cannabis
Diante da demanda do paciente, Ibsen começou a estudar. Professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, buscou na literatura médica informações sobre o uso da Cannabis no tratamento de diversas doenças neurológicas. Logo, mais e mais pacientes começaram a aparecer.
“Uns três, quatro meses depois, vários chegaram em busca de tratamento com Cannabis. Fiquei sem entender de onde estava vindo todo esse povo”, conta. Seu nome foi parar em uma lista de médicos prescritores de Cannabis.
“No início eu tive uma preocupação que é errada, mas é também a de muitos médicos. De cair nas mãos de gente de má índole, e ser usado para conseguir acesso para fins não medicinais”, revela Damiani.
“Só depois fui entender que, pela concentração baixa de THC, não tem esse risco. Esse medo de tomar um CBD e viciar. O CBD não dá vício, e o THC é mínimo. Não tem esse risco. É uma medicação.”
Redução de danos
Nos cinco anos em que já prescreve Cannabis medicinal, o neurologista viu benefício do uso em pacientes com dificuldade para dormir a epilepsia. “Usuários de maconha usam o óleo de CBD para se livrarem do vício.”
A possibilidade de substituir medicamentos com graves efeitos colaterais, ou associá-los ao canabidiol, com redução de dose e aumento de eficácia, é a principal vantagem do óleo de Cannabis, de acordo com o médico.
“O CBD combina bem com o antidepressivo no tratamento de ansiedade. Mas, primeiro, vejo benefício no tratamento de demência. A redução do uso de medicamentos neurolépticos, como a quetiapina e a risperidona. São medicamentos que foram inventados para casos de esquizofrenia, e a gente usa para distúrbios de comportamento”, diz. “O uso contínuo leva a um efeito colateral que são como os sintomas do Parkinson. A pessoa começa a ficar travada, com tremores.”
“É como uma bola de neve. O paciente vai tomando e traz mais efeitos colaterais, e mais remédios.”, continua Ibsen. “Uma alternativa a isso tudo é o CBD. É tão pouco tóxico que a experiência vale a pena. Claro que tem que acompanhar. Os possíveis efeitos colaterais, mas são mais leves e fáceis de lidar.”
Pacientes ficam mais ativos e sociáveis, e menos agressivos. Do ponto de vista terapêutico é uma vantagem muito grande. Do financeiro também.
“As pessoas tomam um monte de remédio, com um custo alto. Mesmo os de Cannabis que são importados acabam compensando quando substituem os outros. No tratamento de demência, o custo-benefício é muito alto”, atesta. “É uma mudança muito grande na qualidade de vida de todos. Dos parentes, cuidadores, todo mundo que vê o retorno, mesmo parcial, da pessoa que havia se perdido.”