O neurologista baiano Antonio Andrade faz de tudo: é professor, criador e editor da Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria, youtuber, escritor, pesquisador, criador e presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia – Instituto do Cérebro (FNNIC) em Salvador. E, mais recentemente, entusiasta da Cannabis.
Há nove anos, ouviu jamaicanos falando em Paris sobre a planta. Em 2013, fez sua primeira prescrição e não parou mais: na FNNIC já atendeu mais de 500 pacientes com Cannabis, entre pacientes públicos e privados.
Carreira acadêmica
Formado em 1975, fez residência, pós-graduação e doutorado em neurologia. Passou dois meses na França, deu aula sobre sua tese e dava cursos. Tinha a ideia de fundar uma cooperativa brasileira em neurologia. Na época, eram poucos médicos especializados, e Andrade sonhava em integrar serviços e profissionais num só local. Conheceu cooperativas na França e na Espanha, onde viu um centro comunitário de operadores de minas e associações de produtos agrícolas com financiamento, trabalhando em ótimas condições. Sua viagem, que tinha sido planejada para dois dias, durou quinze. “Saí craque no cooperativismo”, conta animado.
Quando voltou a Salvador, em 1982, saiu em busca de colegas para montar sua fundação. Era chamado de doido, mas estava determinado. Vendeu o carro, contratou contador, advogado, alugou um consultório e uma casa. Organizou um simpósio de neuropatia e chamou médicos de todo o Brasil pois queria aglutinar os colegas: na época havia apenas 22 neurologistas na Bahia.
Depois dos investimentos, ia de ônibus visitar os pacientes e levou seis meses equilibrando as contas enquanto dava aulas. Em 1996, fundou sua revista científica, da qual é editor até hoje.
“Coisa americana”
Sobre a Cannabis, Andrade ouviu falar em 2011 enquanto estava em sua última viagem à França. “Estou um dia sentado nas reuniões do hospital de neuropsiquiatria em Paris, e veio um grupo de jamaicanos apresentando a Cannabis”, diz. Com aquilo na cabeça, Andrade foi à biblioteca de Paris, pediu alguma literatura sobre o assunto, mas só encontrou histórias de drogas, “um ambiente pesado”.
Estranhou, não podia ser só isso. Continuou suas pesquisas e, quando o Sativex foi lançado nos EUA, conseguiu mais informação, ouvia as pessoas falando. Conheceu o professor Elisaldo Carlini – “que era homem de laboratório, não era da clínica”, diz. Quando Carlini publicou o primeiro trabalho, Andrade leu e se espantou: “Rapaz, tem resposta”.
Em 2013, animou-se a prescrever: seu primeiro paciente foi uma criança com epilepsia. Chamou o pai e fez a proposta para ele: “Tenho uma coisa interessante, existe um remédio que pode deixar o menino bom”. O pai, figura importante do interior, ficou arredio. “Que conversa é essa de óleo de maconha, tá louco”. Andrade respondeu que era “coisa americana”. Funcionou, foi como se a chancela estrangeira conferisse uma credibilidade de coisa boa. Sem problema financeiro, mandou buscar remédio no exterior. Há sete anos com as crises controladas, o menino pôde desmamar quatro dos cinco remédios que tomava e tem vida normal e cheia de realizações.
Depois desse caso, Andrade não parou mais. Começou a falar da Cannabis nas escolas, “quebrava o pau” em audiências municipais, em Brasília, no Youtube, no rádio e onde tivesse espaço. Tentou incluir a Cannabis como disciplina na faculdade e se associou à Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC) assim que soube da instituição. Durante os últimos sete anos, deu aulas sobre a planta em vários estados do Brasil e fez o primeiro estudo de meta análise sobre Cannabis. Está animado com a possibilidade de sair a lei que prevê a distribuição de Cannabis medicinal gratuita para população de Salvador.
Cannabis para todos
Além da militância pela divulgação do conhecimento sobre Cannabis e neurologia, seu trabalho é também dirigido à população mais carente. Na FNNIC, o atendimento é particular, privado, conveniado e gratuito. Há 27 anos, todos os sábados, a equipe atende gratuitamente em mutirão. Hoje, são 15 ambulatórios com produção científica em um setor só de Cannabis medicinal.
Agora são mais de 62 funcionários, convênios municipais, estaduais e federais, quatro casas, aparelhos de tomografia e eletroencefalograma, 12 neurologistas, 16 psicólogos, 10 neurocirurgiões, psiquiatras, neuropediatras, neurogeriatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos. “Somos referência nos congressos e vem gente de todo lugar”, diz satisfeito.
Andrade conta que eles têm 500 pacientes tomando Cannabis e convida quem quiser participar do seu projeto de acesso: “Venha pra cá porque aqui tem campo para todo mundo”.
“A Cannabis é o futuro”, diz o neurologista que vai para a rua militar pela regulamentação da planta. “A gente tem que apoiar esse povo, é uma causa justa”, é o que diz sobre acesso a todos, inclusive os mais carentes que não podem pagar uma consulta. Andrade conta que já convenceu até pastor de igreja a usar, e o último sucesso foi a própria filha, também médica. Ela era cética e o conselho do pai foi que lesse sobre a Cannabis. Passado um tempo, voltaram a se falar e a filha se rendeu: “Ué, é bom mesmo, que coisa”.