Quando a jovem catarinense Bárbara Gaedtke se formou em veterinária em 2017, ela estava determinada a trabalhar com alimentação natural. Não tinha ainda interesse pela Cannabis medicinal. Porém, fazia uso recreativo e percebia que a ansiedade e enxaqueca desapareciam quando fumava.
A experiência pessoal mais os casos de uso medicinal fizeram com que ela pesquisasse para entender melhor como funcionava. Comprou e usou o óleo de Cannabis de uma associação, confirmando os efeitos positivos.
No primeiro semestre deste ano, fez o cursos online para poder começar a prescrever. Seu namorado e parceiro no perfil Vet.Hemp do Instagram, Edilson Meisen, não gostava de fumar e estava cético quanto ao tratamento, mas também fez os cursos.
Gaedtke conta que, feitas as aulas, ele ainda estava desconfiado, achava difícil de acreditar que a planta servisse para tanta coisa. Como trabalham juntos, ele precisou ver os resultados na clínica para se convencer definitivamente. Hoje, ele se autodenomina “Testemunha de Cannabis”.
Prática veterinária com Cannabis
A veterinária já tinha seus pacientes nutricionais, mas começou a receitar Cannabis para os mais antigos, principalmente os oncológicos. Tinha receio do que os tutores iam achar, e preferiu começar pelos mais apegados, que fariam de tudo pelos seus animais. Até hoje, percebe que quem vem atrás para consulta nutricional tem mais preconceito com tratamento com Cannabis.
“Costumam ter um pé atrás, medo de ser preso e de o cachorro ficar doidão”, conta. A outra parte, que chega por conta do perfil no Instagram e as parcerias com outras clínicas, já chega com mais informação e menos tabu.
Gaedtke ensina que a dosagem para animais varia tanto quanto para humanos: peso, resposta e patologia devem ser levados em consideração. Casos oncológicos demandam óleos mais concentrados, dor crônica mais leve, porcentagem mais baixa. As dosagens seguem o mesmo processo individualizado e com ajustes: “Na veterinária não tem um produto protocolar”, diz.
Patologias caninas e Cannabis
Sobre as patologias que trata, os casos mais comuns são os de epilepsia, que vêm inclusive por indicação de outras clínicas. São animais que tomam remédios como fenobarbital por muito tempo, são refratários e têm lesão hepática pelo uso prolongado.
Ela lamenta que a maioria dos casos seja de animais que já esgotaram as possibilidades tradicionais de tratamento. Só quando os pacientes vêm por sua página é que conseguem fazer o tratamento do início. Também tem vários casos de dores crônicas, geralmente polimedicados, oncológicos, cistite idiopática felina, sequelas de cinomose e ansiedade.
Certa vez, teve um paciente com doença inflamatória intestinal gravíssima, um cachorro tratado com corticoides. Conseguiram retirar o alopático e fizeram a recuperação somente com Cannabis. “Os resultados são sempre positivos, até o momento nenhum paciente ficou sem resposta alguma”. Alguns têm pequenas melhoras, outros grandes avanços. Em geral, a qualidade de vida é a grande diferença: as doses dos alopáticos diminuem, o apetite e a alegria aumentam. “Eles ficam faceiros, é bonitinho”, comemora.
Bons resultados de Cannabis em animais
Um caso que marcou a veterinária foi o de um paciente em coma induzido porque não parava de convulsionar. Seguia assim já por três dias, internado em um hospital 24 horas, e a tutora pensava em eutanasiar. Foi chamada num domingo e foi ao socorro. Decidiram tirar o cão da sedação, já sabendo que o intervalo das convulsões era de 20 minutos.
Assim que o animal acordou, ela começou a dar o óleo. Esperaram uma hora e nada de convulsão. O buldogue francês, raça conhecida por ser esfomeada, comeu e logo depois começou a convulsionar. Gaedtke pingou mais algumas gotas. A convulsão foi esmaecendo até que parou e ele levantou para comer mais. “Todo mundo chorou, a resposta foi incrível”, diz. Depois disso, desmamaram todas as medicações alopáticas, o cãozinho está se tratando apenas com o óleo e está ótimo.
Ela sempre tenta fazer o desmame dos medicamentos. Quando o animal estabiliza e fica sem convulsões, vai tirando os remédios. Se as crises voltam, o remédio volta também, e fazem assim até que consigam um equilíbrio. Gaedtke comemora que até agora ela teve boas respostas em todos os tratamentos que fez com Cannabis.
Para gatos, a resposta é ainda mais individualizada. Enquanto alguns apresentaram hipersensibilidade, há casos de patologias semelhantes que tiveram resposta completamente diferente. Gaedtke ajusta dose, concentração e proporção do óleo para cada caso: “O tutor de gato sabe que eles têm particularidades e entendem os ajustes”, diz.
Meisen, a “testemunha de Cannabis” atende animais silvestres. Já tratou um coelho e um bugio (espécie de macaco), ambos com dores crônicas e teve bons resultados. O casal vai tratar aves de um viveiro com problemas de ansiedade, que expressam arrancando as próprias penas.
Dos animais para a família
Apesar de tantos sucessos, Gaedtke faz o uso da Cannabis sem saber se pode ou se não pode. “Hoje estamos num limbo”, lamenta. O órgão que regulamenta os produtos usados pela classe não se posicionou sobre o uso da planta. A Anvisa autoriza o uso do Mevatyl para humanos, mas não cita o uso veterinário. Os conselhos regionais de medicina veterinária permitem em alguns estados, mas nunca apoiam ostensivamente o uso.
Depois de tantos casos de sucesso e pacientes beneficiados, Gaedtke incentiva ao máximo que quem tenha indicação para seu animal de estimação se informe e tire o preconceito de uma vez. Essa pode ser a forma para animar também os veterinários a prescreverem. Os motivos para a resistência vão da falta de informação, passando pelo medo de estarem fora da lei até o alto custo dos óleos.
De família alemã tradicional e cheia de tabus, ela vivia convidando a avó para fumar um baseado. Divertida, conta que a avó não gostava. Mas ela voltava e comentava sobre as histórias de sucesso, ansiosa para melhorar a pressão alta e a dor crônica da idosa. “Tá, marca uma consulta que eu uso”, a avó finalmente respondeu. Cannabis prescrita, passou a usar com bons resultados.
Aos poucos, a veterinária conseguiu convencer toda a família: a mãe usa para insônia, a sogra para dor no pulso que não a deixava dormir. Depois dos cursos e dos sucessos, Gaedtke se animou a convencer a família e assumir para todo mundo que usava Cannabis. Ela conta que o pai foi o mais resistente. Sua estratégia foi comprar o óleo, colocar na mesa e falar para tomar. “Se não tomar, você me deve R$300”, desafiou. Como não queria ficar no prejuízo, tomou. Durante algumas semanas, nenhuma notícia do pai. Afinal, vinte dias depois, ele cedeu e ligou para a filha: “parece que esse óleo funciona mesmo”.