Se não for aprovado na última semana legislativa de 2020, no máximo até março do ano que vem o Projeto de Lei 399/15 será votado e aprovado pelos deputados federais. Trata-se do PL que legaliza o cultivo de Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil. E quem garante é o presidente da Comissão da Cannabis na Câmara, Paulo Teixeira (PT-SP).
Em entrevista ao portal Cannabis & Saúde, o político assegurou que o governo federal, ferrenho opositor ao cultivo, não tem forças para derrubar o texto no Congresso e que a campanha que alguns ministérios fazem contra a pauta demonstra “fraqueza”.
Desde agosto, o texto final com parecer favorável está nas mãos do presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). No entanto, àquela época o Congresso estava debruçado sobre as medidas de combate à pandemia. Depois vieram as eleições municipais e agora é a eleição da presidência da Casa que toma as atenções em Brasília.
Maia tenta eleger seu sucessor. Do outro lado, o líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), busca derrotar o atual presidente e tem o apoio do Palácio do Planalto. Contudo, seja quem for eleito, o PL 399 vai ser aprovado, afirma Teixeira.
“Independente de quem seja eleito presidente da Câmara. Já temos maioria em todos os partidos. Essa votação deve acontecer no começo do semestre”.
Na entrevista ao Cannabis & Saúde, o deputado também comentou sobre sua participação na primeira missa da Cannabis medicinal no Brasil, sobre o convênio entre uma farmacêutica paranaense e o Ministério da Saúde para fornecimento de CBD e fez uma análise de 2020 para a causa da Cannabis no Brasil. Confira!
No domingo, dia 6 de dezembro, o senhor participou da primeira missa da Cannabis medicinal no Brasil, que foi conduzida pelo padre Ticão, na paróquia de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo. Teve bastante relato de pacientes, deputado?
Foi muito interessante. Porque durante um século a Cannabis foi demonizada. Ela era sinônimo de uma coisa do demônio, e a missa teve o caráter de santificá-la, de retirar esse aspecto demonizador. Porque a missa mostrou que o uso medicinal tem sido útil para pessoas que sofreram acidentes de carro e têm dores crônicas terríveis na coluna, de mães com filhos doentes. Foi relatado o caso de uma menina que tinha 40 convulsões por dia, e o tratamento com Cannabis acabou com as convulsões. Pessoas que utilizavam muitos medicamentos e, com a Cannabis, retiraram esses medicamentos.
Então, o importante da missa foi retirar essa demonização e colocar no campo da ciência. Não tem mais sentido essa demonização. Por isso, o padre Ticão deu uma contribuição muito importante pra sociedade. Eu não conheço a experiência em outros países, mas aqui no Brasil, um padre colocar o seu prestígio em torno dessa questão foi um marco histórico, e eu tive o privilégio de participar desse momento.
Além do padre Ticão, um importante trabalho de desmistificação da Cannabis foi feito no Congresso, através da comissão da Cannabis. Vocês levaram ao parlamento cientistas, médicos, pacientes e advogados que explicaram sobre o uso medicinal. O texto está pronto, nas mãos do presidente da Casa, mas em meio à eleição para presidente da Câmara. O senhor acha viável a aprovação ainda neste ano justo agora que a casa discute o sucessor do Rodrigo Maia?
Realmente, nós criamos as condições de aprovação do Projeto de Lei. Se tivesse um funcionamento regular da Comissão, ele seria aprovado na Comissão. Mas não teve por conta da pandemia. Depois que se criaram as condições de aprovação na Comissão, vieram as eleições municipais, e nós fizemos uma opção, na minha opinião válida, de não deixar as eleições municipais contaminarem esse tema. Então optamos por não votar.
E agora que terminou a eleição, tem mais dois aspectos que podem nos atrapalhar. O primeiro deles é a eleição na Câmara, e o segundo aspecto é o fim do ano. Nós temos mais uma semana de trabalho parlamentar, e isso pode atrapalhar a votação ainda este ano. Mas se não for este ano, em fevereiro ou março nós vamos fazer um trabalho para garantir essa votação!
Independente de quem seja eleito o presidente da Câmara?
Independente de quem seja eleito presidente da Câmara. Já temos maioria em todos os partidos. Essa votação deve acontecer no começo do semestre.
Paralelo a esse trabalho de vocês na Câmara, o governo está em campanha de oposição ao plantio de Cannabis no Brasil. Meses atrás, o ministro da Justiça encaminhou ao Congresso uma moção de repúdio ao PL 399 e, agora, o Ministério da Família e Direitos Humanos, da Damares Alves, publicou a cartilha da Cannabis, que não reconhece o uso medicinal da maconha. Toda essa movimentação pode atrapalhar a votação, deputado?
Olha, se a Damares apoiasse, aí eu estaria preocupado! Eu perderia meu sono estar no mesmo lado dela! Porque as bandeiras que ela apoia me estranham. Isso mostra também a fraqueza do governo. É uma demonstração de que o governo não tem força de vencer essa matéria no Congresso Nacional. Nós já temos maioria na comissão e maioria no plenário, agora é escolher o momento adequado para votar.
Mas além dos ministérios da Damares e da Justiça teve ainda um convênio de transferência de tecnologia firmado entre o Ministério da Saúde e a farmacêutica Prati-Donaduzzi. É um acordo válido por 5 anos e sob sigilo industrial. Inclusive foi feita uma representação na Câmara cobrando informações do Ministério sobre esse convênio, feito pelo relator da comissão da Cannabis o deputado Luciano Ducci, certo?
Isso. Por mim e por ele.
Então. O governo está se aproximando da Prati-Donaduzzi e tenta inclusive colocar o CBD da farmacêutica no SUS. E essa seria uma alternativa ao plantio de Cannabis no Brasil, proposta pelo governo. Como o senhor vê essa movimentação, deputado?
Está aí a razão da oposição do governo. Não é oposição ideológica, é econômica. Os que se opõem ao PL se vinculam a uma empresa que quer vender um medicamento para o SUS ao custo de R$ 2 mil por unidade. O Brasil tem condições de pagar R$ 2 mil para quem precisa dasse medicamento? Ou o Brasil poderia plantar aqui de forma segura e distribuir adequadamente aos pacientes?
Essa empresa, a Prati-Donaduzzi, está mostrando que é um lobby da indústria farmacêutica poderoso, e esse lobby tem objetivo de levar para o SUS um medicamento a peso de ouro e impedir uma regulamentação que vai baratear. Talvez nós consigamos produzir no brasil o mesmo medicamento que a prati cobra R$ 2 mil, por R$ 100. O lobby é da indústria farmacêutica, é um lobby econômico para impedir a produção no brasil de um medicamento que está se mostrando efetivo.
Quando a Damares fala contra o efeito medicinal, não corresponde ao que o lobby quer. O lobby admite a importância e a necessidade do medicamento, só que eles querem vender a preço de ouro. É como se você tivesse ganhado do seu pai um pedágio de estrada. Aquilo só passa carro, o carro vai passando e te pagando. É tudo que alguém gostaria de ter, um pedágio numa rodovia bem movimentada. É isso que eles querem, vender um produto a preço de ouro e impedir que a sociedade brasileira produza o mesmo produto 20 vezes mais barato.
Apesar de toda essa oposição, dá pra fazer um balanço positivo da Cannabis no Brasil em 2020? Na sua avaliação, o ano foi bom ou ruim para as pessoas que precisam de tratamento com essa planta?
O ano para todo mundo foi difícil por conta da pandemia, da crise econômica que nos abateu. Para quem precisa da Cannabis medicinal, foi um ano muito difícil porque famílias que anteriormente tinham tratamentos, uma série de vínculos, perderam esses vínculos por conta do isolamento social. E aumentou o sofrimento das famílias brasileiras. Imagina ter um filho autista o dia todo em casa, uma filha com 40 convulsões. Mas do ponto de vista do tema, ele está sendo desbravado na sociedade brasileira e ganhou muito apoio em função de um trabalho que está sendo feito das famílias, da imprensa, dos cientistas, dos médicos, dos pacientes e no parlamento, então nesse sentido o balanço é positivo.
E qual a perspectiva para 2021?
É de aprovar! Apesar da Prati e da Damares (risos).