A família de Paulo Lima acredita que o Alzheimer tenha começado em 2003, quando ele tinha 73 anos. Mas o diagnóstico só veio muito mais tarde, quando ele piorou. Selma Oliveira, uma dos cinco filhos, conta que o nordestino era comunicativo e brincalhão. Apesar de caseiro, adorava fazer churrasco em casa para juntar a família.
Com o tempo, Lima foi mudando de comportamento. Não saía mais de casa e deixou de ir à igreja e à casa dos filhos. Oliveira lembra que eles o levavam a neurologistas, mas as respostas eram genéricas, atribuindo os problemas à idade – nunca falavam em Alzheimer.
Presa em casa com o marido, a mãe de Oliveira ficou hipertensa e acabou falecendo com um AVC em 2009. Depois disso, Lima se fechou ainda mais. Ia dormir às 17h e trancava a casa toda. Não aceitava a ajuda dos filhos, cuidando da própria comida e roupa.
Piora depois da viuvez
Com a piora, os irmãos fizeram um plano de saúde e só por volta de 2010 veio o diagnóstico e a conclusão de que a doença já vinha se desenvolvendo havia muito tempo. Enquanto isso, Lima começou a esquecer coisas como o fogo ligado e o chuveiro aberto. Os médicos faziam rodízios de remédios. “Eram vários e nada resolvia”, diz a filha.
A única pessoa que ele aceitava que entrasse em casa era uma vizinha que os irmãos pagavam para dar os remédios. Num domingo, a moça estranhou que ele estivesse acordado às 23 horas. Foi até lá e o viu sentado no chão do quintal em surto, apavorado, a casa toda revirada. Ele tinha tirado as roupas dos armários e feito as malas, chorando, dizendo que iam matá-lo e colocar fogo na casa. Depois disso, foram mais médicos e remédios como quetiapina e depakene.
Revezamento
Os irmãos decidiram fazer um revezamento de visitas a Lima. Um dia, ele resolveu sair para ir ao mercado. Saiu, caiu, quebrou a perna e por sorte lembrou onde morava. Depois da cirurgia, os filhos decidiram que ele não moraria mais sozinho. O Irmão que morava em Peruíbe ficou com o pai por dois anos. Nesse período, muita piora: Lima não reconhecia mais ninguém e não tomava mais banho apesar dos remédios fortes que tomava.
Em meados de 2018, o irmão o trouxe de volta a São Paulo. Não dava mais: o pai ficava agressivo, batia em todo mundo, assediava qualquer mulher. “Meu pai parecia um mendigo, um morador de rua”, diz Oliveira. Só conseguiam dar banho com ele dopado, parou de comer, esqueceu como era o processo, sequer engolia. Sempre muito agressivo, corria atrás das pessoas, assediava até a própria filha. “Ele ficou instinto puro. Andava e fazia xixi no meio da rua”.
Na UTI por um mês, com glicemia altíssima, pneumonia e necrose, Lima teve que ficar amarrado até para tomar banho. Na alta, o médico disse: “Leve para casa, mantém sedado e espera a hora dele”. Em estado vegetativo, o idoso não andava, não falava, tinha sondas para excreções e para alimentação.
Esperança
“Ficávamos com mistura de sentimentos, penalizados e com raiva”, conta a filha que começou a pesquisar sobre Cannabis medicinal.
Em conversa com a geriatra, Oliveira contou das dificuldades com o pai e do desencorajamento do médico que os atendia em casa. Foi quando a geriatra lembrou que tinha uma paciente que dava Cannabis para o pai idoso: “Se fosse o meu pai eu tentaria”. Ela ainda deu a indicação do Padre Ticão em Ermelino Matarazzo.
Na paróquia, Oliveira contou a história do pai e saiu com um frasquinho de óleo de Cannabis e a exigência de que marcasse consulta com o médico da paróquia. Ela ainda ligou para o padre Ticão, contou toda a história novamente e ele orientou a começar com uma gota e aumentar para duas ou três até que a consulta chegasse.
“Levei o óleo para o meu irmão e todos nós estávamos com medo. Achávamos que não ia adiantar nada”, conta. Na consulta, a orientação foi de dar três gotas e observar por 30 dias. Antes desse período, Lima já deixou de ficar rígido, dava para perceber que ouvia. Mais tranquilo, ajudava durante o banho.
Resultado muito melhor que o esperado
Oliveira conta que, exatamente 30 dias depois do começo do tratamento, o irmão levou um susto. Depois de ouvir o pai chamando, ele foi ao quarto e Lima estava sentado na cama: “Me ajude que eu quero ir ao banheiro”. Ele ainda estava com sonda, foi ao banheiro e pediu um banho. O idoso ainda pediu para ir rápido “porque as perna tão fraca”. Depois, se sentou e perguntou o que era aquilo no nariz dele. Aos soluços, Oliveira conta que a partir daí o pai voltou a se levantar sozinho e pôde fazer fisioterapia, onde colaborava e entendia as orientações.
No mês de Oliveira no rodízio com o pai, as melhoras não paravam de acontecer. O pai pedia comida, sentia fome, queria café. Findo seu mês, Oliveira lembra que recebeu a ligação assustada da irmã: “Papai puxou a sonda”. Achando que teriam que levá-lo ao hospital, a irmã a tranquilizou. Lima estava feliz e ainda pediu: “Não põe isso em mim mais não. Estou com fome, quero comida”. Com comida leve, reaprendeu a comer e engolir.
Faltou fé
Só que os irmãos ficaram ansiosos, queriam que Lima voltasse a viver sozinho. Contra, Oliveira argumentava que não era possível esperar que ele ficasse tão bem assim. Enquanto isso, as prescrições e orientações passaram a ser feitas pela geriatra e por Maurício Verderame, indicado pela paróquia do Padre Ticão.
A geriatra conseguiu desmamar a quetiapina e Verderame aumentou a concentração do óleo para 6%. Estabilizado, o óleo acabou, e o irmão de Oliveira comprou um óleo diferente do recomendado por Verderame, um 10%. Lima voltou a ficar agressivo, a resistir para tomar banho e a fazer xixi na calça. Quando eles descobriram que o óleo estava errado, voltaram ao 6%, mas a adaptação foi difícil. Verderame sugeriu que eles parassem o tratamento por uma semana para fazer uma nova adaptação do zero.
Só que os irmãos decidiram não continuar com a Cannabis porque Lima tinha voltado a ficar agressivo. Agora, há três meses sem a Cannabis, os irmãos voltaram com a quetiapina para que Lima ficasse mais calmo. Oliveira espera sua vez no revezamento fraternal, em dezembro. Ansiosa, quer voltar a tratar o pai com Cannabis: “Eu já estou feliz que ele tenha completado 90 anos”.