Treinador e ex-atleta profissional, Ivan Razeira sentiu o baque financeiro com a pandemia. Foi obrigado a fechar uma de suas empresas de treinamento por falta de alunos. Já se sentia doente desde que encerrou a carreira profissional de triatleta em 2007, mas o estresse de 2020 foi o gatilho para iniciar o tratamento com Cannabis medicinal. Paciente de Janaína Barboza há muitos anos, ele se tratava com suplementação e bons hábitos, comuns em uma rotina de treinos.
Razeira conta que, durante sua prática profissional, a alimentação era sempre baseada na proporção de 70% de carboidratos, 20% de proteínas e 10% de gordura. “Meu corpo estava metabolicamente desgastado”, diz. A quantidade de açúcar que entrava por refeição era maior que o normal: com alta demanda energética, seu metabolismo estava preparado para isso. Ele explica que esse é o motivo para que ex-atletas fiquem obesos muito rápido. A exposição excessiva aos carboidratos desenvolve resistência à insulina, causando diabetes, hipertensão e inflamação crônica.
Quando parou os treinos de alta performance em 2007, sentiu o peso do desequilíbrio metabólico: falta de disposição, acordava cansado, se alimentava e não se sentia alimentado, nem tinha energia para a atividade física. Às vezes, a comida voltava na sua garganta. Foi diagnosticado com refluxo e recebeu a recomendação de fazer uma cirurgia.
Na época, o médico prescreveu Omeprazol e depois Ranitidina, que Razeira até chegou a tomar, mas os efeitos colaterais incomodavam tanto que decidiu controlar só com gerenciamento de estresse e dieta.
Mais tarde, descobriu que os remédios, que diminuem a produção de ácido no estômago, levam à má absorção da vitamina B12, fundamental para os neurônios. Outras consequências posteriores podem ocorrer, com doenças graves como Alzheimer e demência.
Estratégia alimentar
Com 33 anos, Razeira não era clinicamente doente, mas sentia sintomas relacionados à síndrome metabólica, e sabia que caminhava para desenvolver doenças. Ouvia o que se costuma dizer na entrada da meia idade: “Tá ficando velho”. Ganhou 10kg em poucos anos e se sentia inchado. Como é atleta, conseguiu entender que precisaria fazer mudanças em seus hábitos, se esforçar e fazer as coisas acontecerem.
Com a médica Janaína Barboza, os ajustes não foram com remédios. Mudaram a qualidade das calorias, a proporção, diminuíram a quantidade de carboidratos e aumentaram a de gordura (a ideia aqui era mudar a fonte de energia: de carboidratos que geram açúcares, para a gordura). Trabalharam suplementação, gerenciamento do estresse, psicoterapia, meditação e mudaram a dinâmica de treinamento.
Tanto Razeira quanto seu corpo precisaram se adaptar à nova estratégia alimentar: “Leva tempo para metabolismo aprender a buscar na gordura o que vai fornecer energia durante o exercício”, diz.
Efeito imediato
Com o acompanhamento de Barboza, Razeira estava adaptando bem a saúde metabólica à carga menor de treinamento. Mas veio a pandemia e o estresse foi grande. Os alunos precisaram ficar em casa, não havia onde treinar e ele teve de fechar uma de suas empresas de treinamento.
Sentindo-se mal, o refluxo piorou, o sono estava desregulado e sentia mais dores na canela e na tíbia, já castigados pelos anos de treinamento intensivo. Foi quando, há menos de dois meses, a médica receitou Cannabis medicinal, um óleo de proporção de 10:1 de CBD e THC.
Razeira conta que, assim que começou o tratamento, sentiu o benefício imediato do refluxo. Apesar disso, ainda sentia crises eventuais. Sempre atendo ao próprio corpo por ser atleta profissional, ele já sabia que o tônus de seu esôfago era prejudicado, e explica: “ao engolir, o esôfago se movimenta e empurra o alimento para baixo. As válvulas não funcionam direito, e eu tinha a sensação de entalado”. Como os problemas continuavam, ainda que em menor quantidade, Razeira começou a pensar o que poderia fazer para resolver o problema.
Usos e benefícios inesperados
Com o óleo em mãos e passando por uma crise, Razeira fez o seguinte raciocínio: se as válvulas não estão funcionando como deveriam, e é o sistema neurológico que comanda seus movimentos, talvez a Cannabis ajude. Fez o raciocínio lembrando do que já sabia sobre o sistema endocanabinóide e a eficácia dos canabinóides em casos de epilepsia. Tomava o óleo duas vezes ao dia e se perguntou o que aconteceria se tomasse no momento de uma crise de refluxo.
Consultou a médica, que concordou. Foi o que ele fez. Em poucos minutos, a crise passou. Animado, contou a Barboza a aplicação inusitada que tinha descoberto. Queria saber se poderia continuar o procedimento quando tivesse outras crises, e a médica não viu problema.
Outro benefício foi o sono: com o estresse, filhos pequenos e mais tempo em casa, Razeira conta que não conseguia um sono profundo nem regulado. Depois de começar o tratamento com Cannabis, ele estima a melhora em 85%.
Também as dores musculares e articulares melhoraram, o que ele atribui à Cannabis, mas também ao sono mais regular e profundo e à mudança na dieta, que passou a ser a cetogênica. Como a médica tem uma abordagem multifatorial, fica difícil saber o que funcionou em cada questão, pois as estratégias são sinérgicas.
Apesar de estar usando Cannabis há pouco tempo, Razeira já recomendou uma aluna com problemas de sono a Janaína Barboza.