O caminho está aberto para quem quer fazer pesquisas clínicas na área de Cannabis medicinal. Não faltam abordagens diferentes para escolher. Essa foi uma das principais mensagens do espanhol Manuel Guzmán durante o segundo painel do Medical Cannabis Summit de quinta-feira, 12 de novembro.
Guzmán é professor de bioquímica e biologia molecular na Universidade Complutense de Madri, integrante da Real Academia Nacional de Farmácia da Espanha e membro do Conselho Diretivo da International Association for Cannabinoid Medicines.
Durante o painel, o especialista apresentou um resumo com diversas pesquisas sobre canabinoides. Guzmán diz que há estudos desde os anos 70 buscando conhecer e entender as propriedades terapêuticas dos canabinoides, principalmente em neurologia e aplicações – em dor, crônica e neuropática, para atenuar espasticidade e inibir convulsões em epilepsias pediátricas.
Pesquisas em oncologia e neurologia
Na oncologia, o maior alvo de pesquisas é para alívio das dores oncológicas, inibição de náuseas e vômitos em tratamentos quimio e radioterápicos e estimulação de melhoria de absorção de alimentos. Guzmán aponta que as aplicações estudadas em estudos pré-clínicos mostram efeito paliativo. Ele partiu de uma pergunta: “os canabinoides podem ser também agentes antitumorais?”.
Os resultados de estudos em ratos com THC foram os seguintes:
- induziu regressão e até erradicação, sem reaparição do tumor;
- Inibem a angiogênese (crescimento de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes) em modelos experimentais;
- inibem metástase em modelos pré-clínicos;
- Inibem a proliferação de células tumorais, alterando o ciclo celular;
- Podem induzir à morte apoptose – de células cancerígenas.
Guzmán diz que só há dois estudos clínicos que apontam a diminuição de malignidade dos tumores e aumento da sobrevida, associados à quimioterapia em câncer cerebral. “São pistas, mas os estudos pequenos requerem estudos clínicos exaustivos”, diz.
Cannabis e neuroproteção
Pelo que indicam os estudos, os canabinoides também funcionam como neuroprotetores. Guzmán citou três mecanismos da ação da Cannabis:
- atenuam a excitotoxicidade (morte ou dano celular por excesso de estimulação de neurotransmissores) – ação no receptor CB1, inibindo produção de glutamato;
- antioxidante – ação nos receptores CB1 e CB2;
- neuroinflamação – canabinoides nos receptores CB2 diminuem a produção de agentes inflamatórios.
Guzmán lembra, no entanto, que são pesquisas em ratos e que ainda há poucos ensaios clínicos para corroborar.
A conclusão da apresentação de Guzmán é que os canabinoides podem ser úteis como fármacos em neurologia e oncologia. Que parecem úteis para pacientes refratários e para reduzir a polimedicação. Por fim, ele lembra que muitos pacientes têm baixa qualidade de vida, e que respondem melhor aos canabinoides.
Personalização e recado final
Ao lembrar da necessidade de estudos clínicos, Guzmán fez algumas reflexões sobre a Cannabis. O tratamento deve sempre ser o mais personalizado possível, já que os canabinoides agem de forma diferente em cada pessoa.
E há uma forma de melhorar ainda mais essa personalização: com testes genéticos. Biomarcadores para melhores diagnósticos e prognósticos ainda atendem a poucas enfermidades, mas Guzmán avalia que seria interessante saber como o paciente responderia e definir o perfil de doses de THC ou CBD, tempo de tratamento e combinação de canabinoides.
Ainda assim, Guzmán acha improvável que se atinja esse nível de personalização. Assim como as doenças são altamente variáveis, também os canabinoides o são. São mais de 140 canabinoides e 100 terpenos.
“Só o empirismo com racionalidade poderia dar uma boa solução. Só conseguir determinar a melhor proporção de CBD e THC para cada doença já seria bom”, afirma. E lembra que, além disso, ainda há que se levar em consideração que os indivíduos e seus hábitos mudam no decorrer da vida, tornando ainda mais difícil uma personalização estática.
Guzmán lembrou ainda sobre a necessidade de formar profissionais de saúde que entendam o sistema endocanabinoide. “Milhões de pacientes estão se automedicando e os profissionais de saúde perdem a oportunidade de aprender com estes pacientes”, diz. “Precisamos persuadir colegas médicos para que abram suas mentes para melhorar nosso conhecimento”.
Outros painéis
Os três convidados do primeiro painel de 12 de novembro foram o psicólogo Lauro Pontes, Padre Ticão, importante ativista de saúde preventiva e o advogado Jorge Felipe Gomes, falaram de associações, desobediência civil, saúde pública, auto cultivo e judicialização.
Lauro Pontes
O psicólogo Lauro Pontes faria sua tese de mestrado sobre a deep web mas mudou de ideia. Trocou o tema quando viu uma reportagem d’O Globo com um grupo clandestino que plantava e fazia óleo de Cannabis para doar. Ao entrar no mundo canábico, participou da formação da Abracannabis em 2015. A associação, sem fonte de renda além dos associados e participantes, presta atendimento médico a pacientes, ajuda e orienta na obtenção da autorização na Anvisa e orienta associados sobre autocultivo.
Padre Ticão
Trabalha há 42 anos com saúde preventiva no bairro de Hermelino Matarazzo. Há dez anos, conheceu o professor Carlini, o pioneiro na Cannabis no Brasil. Na paróquia do Padre Ticão eles ministram um curso de orientação sobre Cannabis. Na quarta edição foram 5.500 pessoas e dez mil pessoas que participaram nos dois anos de sua existência. Padre Ticão conta que seu objetivo é formar associações. Tem advogados para orientar, entrega sementes e promover formação. Caso o PL 399/2015 não passe, ele planeja fazer plantio de Cannabis em todos os lugares públicos que puder e fazer uma desobediência pública transparente, onde fará um documento avisando desse plantio. Ele também planeja um plebiscito pela Cannabis para movimentar a opinião pública, afinal, “A medicina do passado, presente e futuro passa pela Cannabis medicinal”, diz.
Jorge Felipe Gomes
O advogado de João Pessoa, Jorge Felipe Gomes explicou o que é necessário para entrar com Habeas corpus para plantio: laudos médicos, lista de remédios que não tiveram ação favorável e o certificado da Anvisa. Ele se apoia na Constituição Federal que prima pela saúde da população e é mais forte que a legislação que impede o cultivo. “A justiça não é engessada e caminha com a sociedade”.
Seguindo o mesmo raciocínio, o paciente pode optar por imputar a obrigação ao governo (municipal, estadual ou federal) ou ao plano de saúde de adquirir e fornecer o produto importado. Neste caso, ele lembra que é importante haver os orçamentos destes produtos na ação.
Os avanços da Medicina Canabinoide no Norte e Nordeste do Brasil
“A OnixCann é um porto e um farol”, diz Hélio Mororó
O último painel de 12 de novembro trouxe Wilson Lessa, psiquiatra e professor da Universidade Federal de Roraima, e Hélio Mororó, médico, professor e estudioso da Cannabis medicinal da Universidade Católica de Pernambuco.
Wilson Lessa
Lessa diz que o desafio da Cannabis já é grande, e estando longe (na região Norte) é ainda maior. Ele cita dificuldades como cultura e logística. Ele atua em Roraima e em todo o Brasil e diz: “No meio médico, de forma geral, ainda existe muita resistência. São menos de 1% de médicos prescritores”. Ele diz que não se tem liberdade para falar sobre Cannabis medicinal no Conselho Regional de Medicina (CRM) e que a legislação é antiga, de 2014. “No mundo da Cannabis, em um ano muita coisa muda”, diz. Ele atribui a documentos como o livro “A tragédia da Maconha”, do Conselho Federal de Medicina (CFM), a dificuldade de que médicos prescrevam. “Muitos falam que ainda têm medo, não é pela dosagem”. Lessa lembra aos colegas que “todo mundo tem uma curva de aprendizado, mas chega um momento em que cada vez que se deixa de prescrever, deixa de atender uma pessoa que vai continuar tendo dores e convulsões”. Ele pondera que “é uma responsabilidade dos profissionais de saúde e a educação de médicos é prioridade mas requer trabalho”.
Hélio Mororó
Entusiasta da Cannabis e da disseminação de conhecimento acerca de tudo o que concerne a planta, Mororó se alegra que a Cannabis proporcionou que ele seja cada vez menos especialista e mais médico. “Precisamos ensinar aos colegas o que nos ensinaram e nos deixou maravilhados”.
Ele brinca sobre a fala de Lessa sobre muita coisa mudar em um ano no mundo da Cannabis: “Wilson falou que é um ano? É ano-luz!”.
Mororó também lembra que os livros tradicionais usados nas faculdades de medicina trazem uma página se muito, mas que a maioria se resume a poucos parágrafos sobre o sistema endocanabinóide, o maior sistema de homeostase do corpo. “Nossa missão é conversar, esclarecer, fornecer trabalhos e honestidade acima de tudo”. Ele conta que os colegas querem saber como podem beneficiar os pacientes, como prescrever e como acompanhar. Eles querem saber que terão ajuda caso tenham problema nos tratamentos.
Mororó diz que a OnixCann é um porto e um farol. “Farol porque sinaliza onde tem informação de qualidade, onde tem as melhores mentes, laboratórios e mentes científicas trabalhando. Porto porque acomoda todos que chegam com abraço e recomendação”.
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