Com apenas nove meses de idade, a gaúcha Fabiana Rocha sofreu uma queimadura de terceiro grau no pé. Aos dez anos, ela já tinha passado por cinco cirurgias de reparação. O acidente danificou seus sensores para a dor, o que ela acredita ter causado a fibromialgia. Rocha teve uma infância marcada por dores extremas, sem diagnóstico e o estigma de criança que só queria atenção. A doença só foi diagnosticada aos 18 anos.
Além das dores, a menina sofria com a menstruação intensa, que perdurava por até quinze dias. Aos quinze anos, recebeu o diagnóstico de endometriose. Aos 30, acumulava outras cinco cirurgias para remover os focos – a forma grave da doença, controlada por medicamentos, exigia constantes intervenções cirúrgicas.
Mas os efeitos sociais eram ainda mais difíceis. Ansiosa, tinha toque, e se incomodava com qualquer barulho e com o fato de as pessoas não entenderem o nível de sua dor. Para se ter ideia, durante a natação, até o contato com a água causava sofrimento. Mal conseguia engolir a comida. Não queria acordar, nem sorrir – o rosto todo doía no processo.
Ela aprendeu a conviver com o sofrimento constante, e passou a vida tentando todos os analgésicos disponíveis apenas em momentos de crise insuportável.
Mudou para Garopaba há quase vinte anos na busca por um lugar mais tranquilo para aplacar a alta sensibilidade. Lá, ela divide seu tempo com os cuidados com a mãe que recentemente teve AVC e câncer.
Cannabis e fibromialgia
Há seis anos, Rocha conheceu o médico do esporte Flávio Formigoni, por indicação de uma amiga. Na primeira visita, Rocha, acostumada com consultas, apresentou todo seu histórico: já tinha tomado Lyrica (pregabalina), tramadol, codeína, Celebra, topiramato, Rivotril, tudo em altas dosagens. Para a endometriose, tomava Allurene e, por conta do uso excessivo, rendeu a ela perda óssea e um dente a menos. Tinha disbiose (desequilíbrio da flora intestinal), além de dores no intestino. Nos últimos anos, sentiu a degeneração da cervical e precisou parar de nadar. Sem poder fazer exercícios, ganhou 20 Kg.
Para começar, Formigoni sugeriu um implante de gestrinona (hormônio sintético) para tratar a endometriose. O procedimento foi um sucesso, e Rocha conta que até a dor da fibromialgia melhorou, ela ficava mais relaxada.
Resolvido um dos problemas, Formigoni sugeriu a Cannabis. Rocha já tinha ouvido falar, mas não gostava de fumar maconha por ser ilícito. Ainda assim, experimentou. Sentiu-se melhor, mas achou o processo de compra difícil. Não tinha estrutura emocional nem financeira para comprar o remédio no exterior (era 2014 e a legislação brasileira não permitia qualquer comércio no Brasil).
Só conseguiu entrar na Cannabis quando os preços ficaram um pouco mais acessíveis – e ela com mais recursos. “Acho injusto e desumano não dar acesso às pessoas”, lamenta. Enquanto esperava, ela aplacava as dores e desconfortos decorrentes com psicoterapia, remédios (corticoides e anti-inflamatórios). Seu único e melhor alívio eram banhos quentes num ambiente calmo e escuro.
Efeitos da Cannabis
Rocha reserva tanto tempo com os cuidados da mãe, que recentemente teve AVC e câncer, que até se esqueceu da Santa Cannabis. “Fui tão devagar que só tive acesso há um mês”, confessa. Formigoni providenciou os laudos, a receita, e em uma semana, Rocha tinha o óleo em casa – CBD com baixo THC. Logo de cara já sentiu o paladar mais apurado.
Nos três primeiros dias, Rocha conta que “parecia que eu estava dormindo numa nuvem, estava bem, estava neutra”. Mas, como ela precisava estar muito atenta ao cuidado da mãe, reduziu por conta própria a dose inicial.
As noites de sono também melhoraram. Antes, dormia até duas horas por noite. Depois do óleo, passou a dormir por seis horas. As dores já reduziram em 60% e anda menos irritada. O convívio com a mãe e o namorado melhoraram. muito e que o namorado também agradeceu o melhor humor. Não é para menos, antes as dores eram tão fortes que ela “queria deixar de existir”.
Acompanhamento médico
Há quinze dias, Formigoni a procurou para saber como estava o tratamento. Rocha contou da redução da dose do óleo e do corte nos analgésicos – não precisava mais deles. Apesar disso, o corticóide e o anti-inflamatório e a pregabalina continuam na gaveta: se precisar de um socorro, Rocha diz que não vai hesitar em tomar.
Foi um alívio. Os remédios tinham muitos efeitos colaterais, como apagões, perda de memória e dores de estômago. E ela agradece ao médico. “Ele [Formigoni] não para de agregar conhecimento de qualidade, é cientista. Quem não busca conhecimento novo não é médico”, elogia.
Por isso, sua mensagem é a importância de encontrar um bom médico. Com interesse individualizado pelo paciente, que acompanhe o tratamento..
Para Rocha, o maior milagre não foi encontrar a Cannabis, e sim um médico disposto a dar essa qualidade de vida para ela. Passou a vida inteira percorrendo dezenas de médicos, com indicação de medicamentos ineficazes como os opioides. “Eles viciam e não ajudam, são como uma muleta”, conta. E finaliza: “troque de médico se o seu não dá assistência. Não é contrato vitalício”.