Até a 27ª semana, a gravidez de Viviane Paiva parecia caminhar bem. Até que um exame mostrou excesso de líquido na cabeça da criança, indício de que algo estava errado. Ainda assim, a obstetra preferiu evitar a cesárea, por conta de uma epidemia de zika vírus na época. Assim, na 36ª semana, a pequena Esther nasceu com encefalopatia hipóxico isquêmica.
Mais tarde, descobririam que alguns choques durante a gestação causaram o excesso de líquido na cabeça do bebê. Como havia pouco líquido aminiótico no útero de Paiva, Esther ficou desprotegida. Os pais cogitaram um processo contra a obstetra por não ter feito a cesárea, mas preferiram focar as energias na filha.
Os primeiros seis meses foram tranquilos, até que Esther apresentou espasticidade nas pernas, braços e pescoço. Os músculos do rosto eram duros, até a língua era retraída. Teve de ser levada ao pronto-socorro para tirar secreção do pulmão, onde o plantonista quis fazer gastrostomia (colocação de sonda para alimentação). Goulart argumentou, em vão, que a deglutição de Esther era normal. Precisou chamar uma tia médica para impedir o procedimento, que assinou um termo para liberar Esther. “Ela estaria até hoje se alimentando pelo estômago sem necessidade”, conta o pai Vinicius.
Vida apática
Com um ano e meio de idade, Esther começou a ter convulsões. No Hospital Quinta D’Or, o remédio receitado foi o Trileptal. O neurologista também perguntou se Esther chorava muito. Pai de primeira viagem, com apenas 23 anos, Goulart respondeu que sim. Por isso, o médico também receitou Rivotril. Goulart lamenta o comentário do médico: “Para deixar vocês mais tranquilos”. Mais tarde eles descobriram que a menina chorava de fome.
A hipertonia (condição em que o músculo perde a capacidade de estiramento) consome muita energia. Com o Rivotril, Esther apagava, ficou apática. Na fisioterapia ela chegava dormindo, alongava mole, e o exercício mal funcionava. Goulart disse à esposa: “Vamos atrás de outra coisa. Ela tem que tratar a epilepsia, mas tem que ter vida”. Aí eles lembraram das vezes que usaram Cannabis, quando se sentiam deprimidos. E o efeito era ótimo.
Consultaram a fisioterapeuta, que já via melhora em crianças que tomavam canabidiol, com menos convulsões. Foi ela quem indicou Eduardo Faveret, médico pioneiro na prescrição de Cannabis, que receitou um óleo com alto CBD e baixo THC. Goulart foi até a Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis (Apepi), onde recebeu orientação sobre os trâmites com a Anvisa para conseguir autorização de importação, e comprou seu óleo nos EUA.
Os resultados do tratamento vieram rápido. Esther começou a dormir sozinha, a rir, a ter mais interação. Focava melhor em tudo, conseguia ver televisão e mantinha mais a cabeça em pé. Goulart conta que, apesar da melhora da filha, a preocupação aumentou: o óleo era caro, e eles precisaram fazer uma vaquinha para comprar. Faveret indicou uma advogada e eles conseguiram, judicialmente, obrigar o plano de saúde a custear o óleo.
Acompanhamento
Quando Esther fez quatro anos, as convulsões voltaram. Eram várias por dia. Goulart sentiu que precisava de um acompanhamento diário, com ajustes no óleo de acordo com as mudanças comportamentais e físicas de Esther. Amigos recomendaram três nomes: Cris Palácios, terapeuta canábica, o médico Rodrigo Mistrinel e a biomédica Mari Aprile. Com a equipe, Goulart descobriu que o leite de vaca corta o efeito da Cannabis, e substituiu por leite de amêndoas.
O óleo de Esther mudou: uma combinação de CBD e canabigerol (CBG). Goulart culpava o THC pelo apetite exagerado de Esther. Mas as duas terapeutas explicaram que nem sempre a substância causa fome. O corpo da menina talvez precisasse de complemento. Indicaram suplementação alimentar e resolveram o problema.
Sem remédios alopáticos, agora ela usa dois harmonizantes frequenciais em gel que Goulart massageia no peito e nuca de Esther, um floral de Bach e o suplemento vitamínico.
Com apenas um mês de acompanhamento diário, Esther bateu a marca de quinze dias sem crise. Segue também na fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. E coleciona avanços: controla melhor o tronco, fica mais firme no colo e, com esforço, consegue ficar ereta. Mais animada, a espasticidade está sendo controlada, e os pais têm esperança de que ela tenha mais autonomia no futuro. Enquanto isso, mandam relatórios diários para Cris e Mari, para que elas façam ajustes necessários.
Agora que completou quatro anos, os pais planejam fazer em Esther uma rizotomia dorsal seletiva, cirurgia que pretende resolver o problema da espasticidade. A esperança é grande: há muitos relatos de sucesso de crianças voltando a andar e falar.