Aos 89 anos, Therezinha de Freitas Camargo tinha muita disposição e parecia ter ótima saúde. Um dia, a família percebeu que ela não conseguia mais cozinhar. Também passou a repetir a mesma pergunta várias vezes. A dona de casa, antes cuidadosa, nem percebia os descuidos com a casa. Foi quando buscaram um neurologista e descobriram que Mãe Therezinha – como a chamam – tinha Alzheimer.
Impossibilitados de deixar a idosa morando sozinha e contra colocá-la em um asilo, decidiram que ela ia morar com a filha Izabel Camargo. Foi uma transição complicada. Mãe Therezinha saiu de Osasco para o interior de São Paulo, na cidade de Araçariguama. Dividia a casa com a filha e mais cinco familiares.
Além das diferenças, Mãe Therezinha tinha por natureza um temperamento forte. Com o Alzheimer, a convivência piorou. Enfrentava a todos, provocava, discutia. Por ser uma doença degenerativa, o quadro só piorou: Mãe Therezinha já não se lembrava de como andar, precisou usar fralda porque não conseguia nem avisar quando precisava ir ao banheiro. Também deixou de tomar banho sozinha. A neta, Laís Vieira Martins, é espírita, e credita sua coragem de ficar com a avó aos ensinamentos da religião: “Por pior que ela fosse, nessa vida, ela é mãe”.
Cannabis e carinho
Com Mãe Therezinha em casa, Laís decidiu que um tratamento alternativo era necessário. A ideia da Cannabis veio do irmão dela, mas não foi fácil encontrar um neurologista que aceitasse prescrever Cannabis. Ela descobrira o tratamento ao assistir a a uma matéria no programa da Fátima Bernardes, que falava da Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (AGAPE). Na matéria, um senhor bem mais novo que Mãe Therezinha, mas com um quadro mais avançado de Alzheimer, tinha obtido um resultado impressionante: o idoso voltou a reconhecer o filho.
Laís buscou médicos associados da AGAPE e chegou ao telefone de Rodrigo Mistrinel, médico integrativo de São Paulo. Afinal, podiam começar o tratamento. Só que Izabel, mãe de Laís e filha de Therezinha, tinha reservas quanto ao uso da Cannabis medicinal. Não estava certa se queria dar para a mãe idosa. Laís resolveu o problema com informação. Mostrou matérias, notícias e conversou muito com ela, que acabou gostando. “Minha mãe é rígida, mas não é fechada”, Laís conta.
A consulta com Mistrinel foi em julho de 2020. Apesar do médico ter o hábito de desmamar remédios alopáticos, com Therezinha ele não precisou fazer. Laís se encarregou de preparar a avó para a Cannabis. Por sua conta, tirou o antidepressivo e todos os remédios comportamentais dela.
“Sou contra remédio para idoso, você tira tempo de vida dele. Preferi aguentar as buchas do que dar remédio para ela”, desabafa. Eram oito remédios diferentes, e Laís conta que nenhum era de uso contínuo usual para idosos, como de controle de pressão ou diabetes. Só ficou o de tireóide.
Bons resultados
Mistrinel receitou um óleo de associação, com alto THC: proporção 2 de THC e 1 de CBD. No dia seguinte das primeiras gotas, Laís já percebeu a diferença: Mãe Therezinha pediu para usar o banheiro. Agora, um mês depois de iniciado o tratamento, as melhoras vão se acumulando: ela voltou a andar com o andador, pergunta onde está, quem mora lá, pergunta das filhas, conversa com os netos. Também voltou a tomar banho sozinha, a fralda fica seca durante o dia, só reclama da dor da artrose quando anda muito pela casa que é grande. Até a postura melhorou: do jeito encurvado, agora anda ereta como sempre andou.
Só que Mãe Therezinha ainda não voltou a reclamar. Laís ainda espera que o tratamento, que não teve efeitos colaterais, avance mais, para que sua avó volte a ter atitude forte, a ser ela mesma: mesmo que isso signifique voltar a brigar com todos.
Laís sabe que as doses ainda estão em fase de ajustes, fala todo dia com a equipe de Mistrinel, Mari Aprile e Cris Palácios no seu grupo de Whatsapp. No diário que faz por orientação das duas terapeutas, os relatos de melhoria não param: Mãe Therezinha está assistindo televisão, não tem mais o olhar perdido. Não está mais impaciente com os bisnetos, pelo contrário, pede para apaziguar seu choro. Voltou a opinar sobre as coisas da casa e a participar do dia a dia da família.
Laís se alegra de ver que a avó, ao invés de piorar por ter uma doença degenerativa, está melhorando. Mas ela não atribui todo esse avanço só à Cannabis. “Aqui em casa todo mundo ajuda, e ela sente esse carinho, sabe que está sendo bem cuidada”.