A Cannabis pode ter um papel fundamental na pandemia e um estudo clínico acaba de ser iniciado com o objetivo de verificar a viabilidade dessa proposta
O trabalho será realizado pela Associação Brasileira de Apoio a Cannabis Esperança (Abrace), com apoio da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O título é “Impacto do óleo integral de Cannabis na saúde mental de profissionais da linha de frente no combate à COVID-19”. A intenção é recrutar 300 voluntários e realizar a maior pesquisa do Brasil já feita sobre o tema.
A ideia inicial é simples.
Médicos e enfermeiros sofrem intensamente com o stress de trabalhar em postos de saúde e UTIs. E isso faz com que recorram a medicamentos para reduzir a ansiedade e a tensão, os ansiolíticos. Só que eles trazem efeitos colaterais fortes, que reduzem a qualidade de vida e ainda interferem no desempenho dos profissionais no trabalho.
Ansiolíticos e Cannabis
De acordo com o Manual da Farmacologia terapêutica de Goodman & Gilman, “os benzodiazepínicos [ansiolíticos] causam muitos efeitos adversos, como sedação, leve perda de memória, diminuição do estado de alerta e tempo de reação retardado”. Diversas pesquisas confirmam essa noção.
Uma delas, realizada pela Universidade Federal da Paraíba, aponta que usuários de ansiolíticos sentem sonolência em 16,6% dos casos, além de confusão (10%) e cefaleia (20%). Outros efeitos colaterais são tremores, fadiga e vertigem. É nesse contexto que o canabidiol surge como uma alternativa vantajosa.
“O objetivo do estudo será avaliar o potencial ansiolítico da Cannabis em um ambiente de pandemia”, explica Murilo Chaves Gouvêa, farmacêutico da Abrace e coordenador do projeto. A Abrace vai produzir e doar os medicamentos para os voluntários. Será utilizado um óleo integral de Cannabis, produzido com extrato bruto da planta, com diversos canabinoides, principalmente o CBD e uma baixa quantidade de THC. O óleo também poderá apresentar traços de THA, CBDA, CBG e CBN.
A equipe inclui o farmacêutico Gouvêa e mais seis pessoas, todos trabalhando pro bono. Três deles são da UFSC: Erik Amazonas, como pesquisador responsável, o médico Paulo Bittencourt e o cientista da computação Crysttian Paixão, que trabalha na parte estatística. Também fazem parte as médicas Carolina Nocetti e Carolina Chaves, além do advogado e consultor jurídico Marcus Maida.
Recrutamento
Na última segunda-feira, 29, o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da UFSC deu o sinal verde para que o estudo pudesse começar. Com isso, os pesquisadores já começaram a recrutar os voluntários. “Estimamos mil inscrições”, diz Gouvêa. Destes, vão selecionar 300 profissionais de todo Brasil, escolhidos segundo critérios estatísticos para que seja obtida uma figura geral do perfil brasileiro e não de uma região específica.
O perfil procurado é de médicos e enfermeiros, acima de 18 anos, e que não tenham apresentado nenhum quadro crítico psiquiátrico, além de ansiedade e stress, objeto central do estudo. As mulheres não podem ser gestantes, nem lactantes.
Os voluntários serão acompanhados durante seis meses, de agosto a dezembro. Metade do grupo vai utilizar o óleo canabidiol, enquanto os 150 restantes vão receber um placebo. Dessa forma, o estudo segue o modelo duplo-cego, controlado com placebo. Ou seja, nem o médico, nem o paciente vão saber quem recebe ou não o óleo canabidiol.
Devido à regulamentação da telemedicina e à pandemia, todo o trabalho poderá ser feito a distância. Os participantes vão precisar preencher formulários de autoavaliação deles próprios. Em um atendimento online posterior, os pesquisadores vão confrontar os dados para verificar a consistência das respostas. No início de 2021, os pesquisadores esperam publicar o estudo em revista científica e apresentar os dados.
“Hoje, os profissionais já estão tomando os ansiolíticos convencionais, o que afeta diretamente os pacientes.”, alerta Gouvêa. “Como são eles que trabalham, o ideal é que eles estejam 100% aptos a trabalhar na sua melhor performance.” Se os resultados forem positivos, a Cannabis pode atenuar o stress dos profissionais e, indiretamente, salvar vidas ameaçadas pelo coronavírus.
Para médicos e enfermeiros que tiverem interesse em participar, basta acessar o site da Abrace.