Ortopedista sem ter praticado, ativista sem desejar ser: esta é a trajetória do médico Ricardo Ferreira, que esteve presente nos momentos cruciais pela liberação da Cannabis medicinal
O carioca Ricardo Ferreira passou boa parte da carreira buscando uma forma de aliviar a dor de seus pacientes. Foi de cirurgião de coluna a especialista em dor, quando percebeu que as as alternativas terapêuticas tradicionais não funcionavam. Nessa busca, acabou por se tornar uma figura fundamental na história da Cannabis no Brasil.
Formado ortopedista na Universidade Federal do Rio de Janeiro, decidiu se especializar em cirurgia da coluna. Técnicas cirúrgicas dominadas, percebeu que os pacientes sentiam muita dor, mesmo com todo o arsenal terapêutico disponível. Partiu para a clínica de dor, mas ainda assim, notou que cerca de 5% dos pacientes continuavam sofrendo.
Começou a pesquisar e, lendo artigos, descobriu as substâncias enteógenas, assim chamadas as drogas que provocam um estado modificado de consciência. A que lhe pareceu mais interessante foi a Salvia divinorum, que trazia resultados razoáveis na gestão da dor e era vendida livremente na internet.
Porém, em julho de 2012 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criminalizou a planta. Embora o uso não acarretasse problemas, a utilização em concentração alta provocava um efeito psicodélico violento. Como quase todos os medicamentos disponíveis, o uso inadequado trazia problemas. A diferença estava no efeito psicodélico, que em sociedades conservadoras assusta a opinião pública.
Como conheceu a Cannabis?
“Caramba, ficou tão proibida quanto maconha, quanto cocaína”, pensou Ferreira. “Que vou fazer agora?” A comparação com a Cannabis medicinal foi imediata e fez Ferreira refletir sobre a criminalização de medicamentos. Até então, acreditava que a luta para permitir substâncias como o canabidiol e o THC era somente um artifício para liberação da maconha. Afinal, em lugares liberados como a Califórnia alguns usuários usavam o argumento medicinal para ter acesso ao produto.
Ferreira também nunca fora usuário de Cannabis. Entretanto, a experiência com a sálvia e a criminalização fez com que ele voltasse aos artigos científicos, desta vez pesquisando sobre a Cannabis. Estudou especialistas alemães, americanos e holandeses. Aos poucos, as evidências o convenceram de que aquela poderia ser uma alternativa. Descobriu também que, embora fosse criminalizada no Brasil, já não era em muitos países.
O Canadá já acumulava dez anos de possibilidade de prescrição, com uma história científica e médica bastante significativa. Na Califórnia, uns cinco anos. Estudando a experiência desses países, sempre terminava as leituras com vontade de praticar o que aprendia, mas no Brasil não havia o produto, só o tráfico de drogas.
O segundo passo foi sair pelo mundo. Visitou eventos como a Cannabis Cup, na Califórnia, dispensários em vários países, colegas médicos que trabalhavam fora e até algumas empresas do segmento.
No Brasil, descobriu o fórum Growroom, onde fez amigos e começou a ler, interagir e responder questões médicas de maneira anônima. Aos poucos, Ferreira se transformava em um dos principais especialistas em Cannabis medicinal no País. Sempre sem poder prescrever, pois a lei o impedia.
A luta no Brasil
O reconhecimento como especialista crescia e é neste momento que Ferreira entra para a história da Cannabis medicinal brasileira.
Era o ano de 2013 e a advogada Margarete Brito ficou sabendo do caso de uma criança americana que usava um óleo rico em canabidiol para aliviar os sintomas de uma doença rara, a síndrome CDKL5, que causa epilepsia reversa. A filha de Margarete, Sofia, tinha a mesma síndrome e a advogada ficou entusiasmada. Para se certificar do que tinha descoberto, conversando com a família americana e pesquisando na internet, ela procurou um médico que esclarecesse suas dúvidas. E o médico brasileiro ideal para ajudar era Ricardo Ferreira.
O auxílio do carioca foi fundamental porque a história de Margarete, que hoje comanda a Apepi, e Sofia seria o estopim para um movimento que mudaria a história da Cannabis medicinal no Brasil. Mais segura com as orientações de Ferreira, Margarete falou da Cannabis com outras mães, entre elas, Katiele Fischer, que buscava uma solução para sua filha Anny. Juntamente com outras famílias, elas chamaram a atenção da sociedade, fazendo manifestações, pressionando políticos e sendo as personagens principais do filme Ilegal – A vida não espera.
O papel do médico
Ao observar a determinação das mães e o movimento que se iniciava, Ferreira percebeu que algo estava para mudar no Brasil. O movimento que surgia era similar ao que já havia ocorrido em outros países, principalmente nos Estados Unidos, quando as mães de Utah, estado conservador americano, fizeram um movimento forte que ajudou a sensibilizar a opinião pública.
Mas o conhecimento que ele tinha adquirido era valioso para o movimento que surgia. Foi assim que ele acabou fazendo parte de todas as associações que foram sendo criadas naquele momento crucial.
Foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama+me), com Juliana Paolinelli e Leandro Ramires. Quando um grupo dissidente resolveu criar a Associação Brasileira para Cannabis (ABRACannabis), Ferreira também estava entre eles. Estava desde o começo na Cultive. E também na SBEC, tendo sido seu primeiro diretor-geral. Ainda se aproximou da Abrace, criada por Cassiano Teixeira na Paraíba. Em todas, auxiliou como consultor científico, palestrante e tirando dúvidas.
Ferreira não era e nunca teve intenção de ser um ativista, de fazer da Cannabis sua ocupação principal. Tudo o que ele desejava era um medicamento para aplacar a dor de seus pacientes.
Apesar disso, como médico, e ativista que não desejava ser, Ferreira deixou seu nome registrado na história da Cannabis medicinal.
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