Portal Cannabis & Saúde conversou com dois advogados especializados em políticas de drogas sobre o que esperar do julgamento do Supremo, que deve acontecer ainda neste semestre.
Ainda está sem data para voltar a julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a descriminalização do usuário de drogas no Brasil. Em fevereiro, ministros do Superior Tribunal de Justiça cobraram da Suprema Corte uma definição sobre o assunto, já que o que for decidido pelo STF terá efeito em todas as ações que tramitam no país sobre o assunto. A expectativa é que o tema seja retomado neste semestre.
O Recurso Extraordinário 635.659, que propõe revogar o artigo 28* da chamada Lei de Drogas (11343/2006) começou a ser julgado no STF em 2015. Três dos 11 juízes já votaram. O relator, Gilmar Mendes, propôs descriminalizar o usuário de todas as drogas. Segundo o entendimento dele, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. Já Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram por descriminalizar apenas o porte de maconha.
Barroso inclusive propôs que seja usado como critério para distinguir usuários de traficantes o limite de 25 gramas. Gilmar Mendes, no entanto, entende que esse parâmetro deve ser definido pelo Congresso.
Na época, o julgamento foi suspenso por Teori Zavascki, que pediu vistas. O ministro, no entanto, morreu em 2017. No ano seguinte, seu substituto, Alexandre de Moraes, liberou o caso, que deveria ter sido retomado em dezembro de 2019. Porém, outro julgamento, sobre a prisão em segunda instância, atropelou o calendário e adiou o tema indefinidamente.
E o cultivo?
Caso seja aprovada, espera-se que descriminalização desafogue a superlotação dos presídios brasileiros – um terço dos mais de 600 mil presos está ligado ao narcotráfico. É possível também que a mudança garanta o cultivo de Cannabis para fins medicinais a pacientes que hoje não têm segurança jurídica para essa atividade. Hoje, apenas 63 pessoas no Brasil possuem Habeas Corpus para o cultivo doméstico de maconha para fins medicinais.
Mas isso vai depender do entendimento dos ministros. É o que explica o advogado Beto Vasconcelos, que foi membro da Comissão de Juristas para revisão da Lei sobre Drogas na Câmara e secretário nacional de Justiça.
“Se o Supremo entrar em quantificação, então a resposta é ‘depende do julgamento’. O julgamento final pode, sim, afetar a situação de usuários que plantam para consumo próprio (e aí se incluem os pacientes), mas ainda não se sabe em que termos, tanto para manutenção da lei, como de mudanças que os beneficiem”.
“A rigor, isso deveria ser do Legislativo e Executivo, mas a gente possui um certo ativismo judicial, e o Supremo está discutindo critérios no próprio julgamento. Então pode ser que isso aconteça pelo próprio Supremo”, acredita o jurista.
Segundo Beto Vasconcelos, hoje o usuário não é mais detido, mas a Lei ainda “prevê alguns constrangimentos procedimentais que o coloca sob o guarda chuva do Direito Penal. Ele não vai ser preso, mas tem que se apresentar em juízo. O que a legislação não faz: é distinguir o que é usuário do que é traficante. Depende do policial, do promotor e do juiz”.
Decisão é imprevisível
Posição semelhante possui o advogado Emílio Figueiredo, diretor da Rede Reforma, grupo de juristas que é autor de quase metade daqueles 63 HCs.
“É muito difícil prever o que vai acontecer nesse julgamento. Mesmo que seja o mais favorável, é imprevisível. Eles podem dizer que não é crime o cultivo caseiro, mas que é um ilícito administrativo, e quem cultivar em casa pode receber uma multa”.
Esse é um cenário mais otimista, salienta Figueiredo. O jurista pondera que o cultivo poderá seguir tipificado como um crime.
“O artigo 28 pode ser derrubado, mas quem cultiva pode ser enquadrado no artigo 33, que fala do tráfico de drogas, e o parágrafo primeiro, do cultivo para fins de tráfico. Então pode acontecer de os cultivadores passarem e ser enquadrados no artigo do tráfico, porque são os mesmos verbos: semear, cultivar, plantar colher”, explica.
“Senado é o caminho”
Para Emílio, o melhor caminho é o PL 514/17 do Senado, que prevê uma mudança na Lei de Drogas, mas especificamente para descriminalizar o “cultivo da Cannabis sativa para uso pessoal terapêutico”. A última movimentação do PL foi em abril de 2019, quando ele foi para a Comissão de Constituição e Justiça. O documento está com a relatoria.
Na comissão especial da Câmara sobre a Cannabis medicinal, o relator, Luciano Ducci (PSB/PR) já deixou claro que não irá incluir o cultivo doméstico no projeto.
“Mais do que a comissão, o Projeto de Lei no Senado, que já nasce do cultivo doméstico, tem muito mais chances de se tornar uma lei adequada”, acredita.
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* Art. 28 da Lei 11343/2006: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.