Com o aumento das temperaturas globais e a intensificação das ondas de calor, o impacto desse estresse térmico na saúde é uma preocupação crescente.
O inverno de 2024 foi o segundo mais quente já documentado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) desde o início das medições em 1961, com uma temperatura média de 23,1°C. Esse número fica atrás apenas do ano anterior, quando a média alcançou 23,3°C.
Para pacientes com condições neurológicas, como esclerose múltipla (EM) e doença de Parkinson, a exposição a altas temperaturas pode agravar os sintomas, prejudicando significativamente a qualidade de vida.
Para aprofundar esse tema, conversamos com dois médicos experientes na prescrição de Canabinoides: Dr. Carlos Fabrício Fernandes Brazão, médico de família, e o neurologista Dr. Marcos José de Mello Prandine.
Ambos abordaram o papel do sistema endocanabinoide na regulação da temperatura corporal e exploraram o potencial terapêutico da Cannabis para pacientes com condições neurológicas durante situações de calor extremo.
O que é o estresse térmico e quais são seus impactos no organismo?
Dr. Brazão explica que, primeiramente, é importante entender como o corpo humano regula sua temperatura. Esse processo, conhecido como termorregulação, tem como objetivo manter a temperatura corporal entre 36,5°C e 37,5°C.
“Esse equilíbrio é fundamental para o bom funcionamento das células, tecidos e sistemas do corpo. A termorregulação é controlada principalmente pelo hipotálamo, região do cérebro que atua como um termostato. Similar aos que encontramos em alguns aparelhos”, diz.
Quando o corpo é exposto a temperaturas extremas, tanto elevadas quanto muito baixas, enfrenta dificuldades para se regular. “Isso pode resultar em impactos à saúde, como desidratação, insolação e fadiga, além de problemas mais graves, como desmaios, vômitos e complicações cardiovasculares”, alerta o especialista.
O corpo tenta regular a temperatura através de mecanismos como transpiração, vasodilatação e vasoconstrição, além de ajustes metabólicos. “No entanto, em situações de calor extremo, esses mecanismos podem se tornar insuficientes”, observa o Dr. Brazão.
Ele também destaca quem é mais suscetível ao estresse térmico.
- Idosos
- Bebês
- Indivíduos com doenças crônicas (respiratórias, cardíacas, renais)
- Trabalhadores e atletas expostos a ambientes quentes
- Pessoas com obesidade mórbida
- Condições neurológicas, como epilepsia, esclerose múltipla e doenças neurodegenerativas, como Parkinson
Estresse térmico e condições neurológicas
Ainda de acordo com Dr.Brazão, pacientes neurológicos são particularmente vulneráveis a essa condição.
“Em pacientes com epilepsia, o calor extremo pode aumentar o risco de convulsões. Isso acontece devido à desidratação e às alterações eletrolíticas — como os desequilíbrios de sódio, potássio, cálcio e magnésio. Esses fatores, causados pelo calor excessivo, desestabilizam o equilíbrio elétrico no cérebro e podem desencadear crises epilépticas”, explica.
Outras condições citadas pelo especialista, incluem lesões cerebrais traumáticas, acidente vascular cerebral (AVC), demência e Alzheimer.
“Um caso específico é o da esclerose múltipla. Pacientes com essa condição são altamente sensíveis ao calor, e até mesmo um pequeno aumento na temperatura corporal pode agravar temporariamente os sintomas neurológicos. Isso inclui fraqueza, visão embaçada e fadiga, dificultando ainda mais a condução dos impulsos nervosos, já prejudicada pela doença”, explica Brazão.
Dr. Marcos José de Mello Prandine, complementa ao explicar que essa sensibilidade maior ao calor em pacientes com esclerose múltipla se dá por conta da desmielinização dos neurônios, comprometendo a transmissão dos impulsos nervosos. “A exposição ao calor pode piorar os sintomas, levando ao que chamamos de “fenômeno de Uhthoff”, onde o calor exacerba a disfunção neurológica”, explica Prandine
Pacientes com Parkison
Para Dr Brazão, pacientes com Parkinson enfrentam dificuldades para regular a temperatura corporal devido a uma disfunção autonômica, relacionada ao hipotálamo, que controla a regulação da temperatura no corpo.
“Exposições a temperaturas extremas, como o calor excessivo, podem agravar a rigidez muscular, fadiga e os tremores típicos da doença.”
Ainda de acordo com Dr Brazão, o estresse térmico ocasionado pelas altas temperaturas , pode ser comparado a uma grande inflamação no sistema nervoso.
“Isso leva a uma desregulação autonômica significativa, afetando a condução dos impulsos nervosos e gerando desequilíbrios. Além disso, a desidratação contribui diretamente para o desequilíbrio dos compostos químicos essenciais ao bom funcionamento do sistema nervoso“, pontua.
Dr Prandine explica também que para mitigar esses efeitos, é essencial adotar medidas como evitar a exposição ao calor, usar roupas leves, manter ambientes climatizados e evitar exercícios físicos intensos que possam elevar a temperatura corporal.
“Pacientes com essas condições devem gerenciar sua energia ao longo do dia, pois, diferente de pessoas sem doenças degenerativas, a “recarga” de energia pode ser mais lenta ou inexistente”, diz.
O Sistema Endocanabinoide na regulação da temperatura corporal
O sistema endocanabinoide desempenha um papel crucial na manutenção da homeostase corporal, incluindo a regulação da temperatura. De acordo com o neurologista Dr. Marcos Prandine, o SEC atua diretamente no hipotálamo, a região do cérebro responsável por regular a temperatura interna do corpo.
“Os receptores Canabinoides CB1, presentes no hipotálamo, modulam a resposta do corpo ao calor, influenciando diretamente a temperatura corporal”, explica o médico.
Pesquisas sugerem que o THC, um dos principais componentes da Cannabis, ativa os receptores CB1, promovendo uma resposta hipotérmica. O que ajuda a reduzir a temperatura corporal em situações de estresse térmico.
“Essa capacidade do THC de induzir uma resposta hipotérmica é especialmente útil para pacientes neurológicos expostos ao calor, minimizando o impacto das altas temperaturas nos sintomas”, destaca Prandine.
Entretanto, ele alerta para a complexidade dessa interação. “Doses mais altas de THC podem ter o efeito oposto, elevando a temperatura corporal, o que torna crucial o acompanhamento médico para ajustar o tratamento.”
Além da termorregulação, o SEC também influencia mecanismos vasculares, como a vasodilatação, que auxilia na dissipação do calor. “A ativação dos receptores CB1 nos vasos sanguíneos promove a dilatação, o que facilita a perda de calor pelo corpo”, acrescenta Prandine.
Cannabis medicinal: potencial terapêutico no manejo do estresse térmico
O estresse térmico afeta negativamente pacientes com condições neurológicas devido à destruição de estruturas protetoras como a mielina e à lentidão na ação dos neurotransmissores.
Quanto à Cannabis no manejo desses sintomas, Prandine explica: “o CBD e THC ajudam a equilibrar o sistema endocanabinoide, contribuindo para a regulação da homeostase. Isso pode aliviar sintomas como espasticidade, que causa contrações musculares involuntárias e dolorosas. Além disso, o SEC auxilia no equilíbrio dos neurotransmissores, facilitando o relaxamento muscular e reduzindo espasmos em condições como AVC e lesões medulares.'”
Para Prandine, a Cannabis, ao atuar sobre o SEC, pode ajudar a aliviar sintomas relacionados ao estresse térmico em pacientes neurológicos, mas é crucial que o tratamento seja acompanhado de medidas que evitem a exposição excessiva ao calor.
Já Dr. Brazão comenta sobre o potencial da Cannabis para a melhora da qualidade de vida como um todo em pacientes com Parkinson e esclerose múltipla por conta das propriedades anti-inflamatórias e ansiolíticas que podem ser particularmente úteis para essas condições.
“Pacientes neurológicos muitas vezes sofrem de estresse psicológico adicional durante ondas de calor, e o CBD tem mostrado benefícios no controle da ansiedade, além de ajudar no sono, que pode ser prejudicado pelo calor extremo”, complementa Brazão.
Esses efeitos tornam a Cannabis uma aliada potencial não apenas no controle térmico, mas também na gestão de sintomas secundários, como inflamação e estresse.
Desafios e precauções no uso da Cannabis medicinal
Embora o uso de Cannabis medicinal apresente um grande potencial, especialmente no manejo do estresse térmico, é fundamental que o tratamento seja personalizado e conduzido por um médico especialista. “O sistema endocanabinoide reage de maneiras diferentes a várias doses de Canabinoides, e o efeito desejado depende da dosagem e do equilíbrio entre THC e CBD”, alerta Prandine.
O médico reforça ainda a importância de ajustar o tratamento conforme as necessidades individuais de cada paciente, evitando efeitos adversos.
Por fim, os especialistas recomendam medidas preventivas durante ondas de calor, como evitar exposição prolongada ao sol, manter-se hidratado e buscar ambientes climatizados.
“O uso de ventiladores, ar-condicionado e a ingestão regular de água são essenciais para esses pacientes, além de garantir um acompanhamento médico contínuo para ajustar o tratamento”, conclui Brazão.
Importante!
O uso medicinal da Cannabis no Brasil é autorizado pela Anvisa, seguindo as normas das Resoluções RDC 660 e RDC 327, desde que recomendado por um médico.
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