Nesta quinta-feira (20), ocorreu a reunião da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo. Em sua segunda audiência, a discussão se concentrou no uso terapêutico da planta para redução de danos e contou com a participação de diversos especialistas, além de pessoas que utilizam a Cannabis como parte da estratégia que busca minimizar as consequências do uso de drogas.
“A ideia da Frente Parlamentar é, de fato, ocupar espaço para tratar da temática da Cannabis Medicinal sob todos os prismas”, disse o deputado Caio França, quem coordenou a audiência que trouxe tanto os aspectos científicos e de saúde, como também histórias de pessoas que enfrentam dificuldades devido ao uso excessivo de subsistências, em especial o crack, que encontraram no uso terapêutico da Cannabis uma chance melhorar suas vidas.
O deputado e vice-coordenador da Frente, Eduardo Suplicy, que faz uso medicinal da Cannabis para tratar Parkinson, também compôs a mesa, trazendo a relevância das estratégias de redução de danos que têm se mostrado bastante eficazes.
“Hoje, nos reunimos aqui para tratar de um tema de extrema importância para a saúde pública e o bem-estar da nossa sociedade: a Cannabis medicinal, que representa uma área promissora e que exige a nossa atenção e entendimento. Devemos continuar a explorar suas potencialidades e integrá-la de forma responsável em nossas políticas de saúde”, disse Suplicy.
Além dos parlamentares, o debate contou com a participação de Janaina Rubio Gonçalves, mestre e doutora em Saúde Coletiva pela UNIFESP-EPM e coordenadora do “Núcleo de Ensino e Pesquisa do Centro de Convivência É de Lei”. Cleiton Ferreira, pesquisador e delegado da Conferência Nacional de Saúde Mental e Andrea Gallassi, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina da USP, também participaram do debate.
A escritora Priscila Santos e o coordenador do projeto Pão do Povo de Rua, Ricardo Mendes, que já viveram nas ruas e são ex-usuários de drogas, também compartilharam suas histórias sobre como a prática da redução de danos transformou suas vidas.
Cannabis como uma ferramenta para redução de danos
Andrea Gallassi apresentou a perspectiva do uso da Cannabis nesse contexto, discutindo o que ela chama de paradoxo da proibição. E provocou uma reflexão: “Os sistemas regulatórios devem ser projetados para maximizar a saúde e o bem-estar social, facilitando o consumo de baixo risco, ao mesmo tempo que buscam diminuir o consumo prejudicial. Esse é um dos grandes desafios para os formuladores de políticas.”
Andrea trouxe uma pesquisa que conduziu envolvendo dois grupos de pacientes com diferentes abordagens para tratar o vício em crack. “Os resultados foram promissores para os pacientes que receberam canabidiol, pois houve uma maior redução no uso da substância , comparado com os indivíduos que receberam medicamentos convencionais.”
Janaina Rubio Gonçalves destacou a importância do debate para a saúde pública: “A Cannabis é uma importante ferramenta para redução de danos. Em minha pesquisa de mestrado intitulada ‘Razões e Implicações’, pude constatar que a planta ajuda no aumento do apetite, na diminuição da fissura e da paranoia e também melhora a higiene pessoal dos usuários de crack. Além disso, a Cannabis também é eficaz para a dependência de álcool, tabaco e opioides.”
Janaina pontuou também o grau de estigma que ronda pessoas em situação de vulnerabilidade e ressaltou que a promoção da autonomia e a garantia de direitos para essas pessoas são fundamentais. Além de argumentar sobre a necessidade do desenvolvimento de mais políticas de redução de danos, que visam minimizar os efeitos negativos do uso de drogas sem exigir a abstinência completa.
“Precisamos de políticas afirmativas, que promovam a inclusão e igualdade, cuidados em liberdade, tratamentos que não impliquem em confinamento, e a garantia de direitos para essas populações vulneráveis”, conclui.
Cleiton Ferreira iniciou sua fala citando o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, já que, para ele, a leitura representou uma forma de redução de danos durante o período em que viveu na rua, ajudando-o a manter a sobrevivência.
Atualmente, Cleiton faz tratamento com CBD, que lhe proporciona foco, ajuda manejo da ansiedade e alívio das dores crônicas resultantes das violências sofridas na rua. “Quando falamos de redução de danos, não estamos falando sobre drogas, estamos falando sobre vida, sobre o direito à fala, mas também à escuta.”