No último final de semana, São Paulo recebeu a 3ª edição do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal 2024 (CBCM), que aconteceu no Expo Center Norte.
O evento reuniu profissionais de saúde e pesquisadores de todo o país, oferecendo um conteúdo extenso sobre o uso medicinal da Cannabis. Além de abordar os avanços e desafios no tratamento de diversas condições, com foco nas áreas de Medicina, Odontologia e Veterinária.
A equipe do Cannabis & Saúde esteve presente nos três dias do evento e destacou alguns temas e painéis importantes que geraram debates cruciais sobre o uso terapêutico da Cannabis.
Dados do Mercado de Cannabis Medicinal
Entre os destaques, Natália Soares, Business Strategy Manager da Close-Up International Brasil, apresentou um panorama do mercado e uma perspectiva sobre seus potenciais no painel “Mercado de Cannabis Medicinal – uma potência no canal farmácia nacional.”
Ainda no início de sua fala, Natália compartilhou sua motivação pessoal: “Estar aqui é muito em razão do meu pai, que faz tratamento com canabinoides por conta de um diagnóstico de Alzheimer”, dedicando a palestra a ele.
Olhando para o mercado, o segmento de derivados de Cannabis teve um avanço notável, para não dizer impressionante, com um crescimento acumulado de mais de 126% nos últimos quatro anos, abrangendo farmácias, instituições e outros setores, alcançando R$ 228 milhões em maio de 2024.
Natália também ressaltou o número significativo de novos médicos prescrevendo Cannabis no último ano, totalizando 31 mil novos profissionais. “77% dos atuais prescritores ingressaram no mercado no ano passado”, observou.
As prescrições também saltaram de 220 mil para 984 mil.
Ela também sublinhou a importância de se dar mais atenção aos clínicos gerais: “Em algumas regiões do país, existe uma ausência de médicos especialistas, então os pacientes acabam recorrendo aos clínicos da região, que atendem desde crianças até idosos. Nesse sentido, é importante considerar essa especialidade médica.”
História e Sistema Endocanabinoide na 3ª edição do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal
O psiquiatra Dr. Wilson Lessa, abriu o painel fazendo uma referência ao professor José Ribeiro do Vale que, ainda na década de 1950, enfatizou a importância de não apenas estudar a planta da Cannabis, mas também de compreender os seres humanos que a utilizam, em uma brilhante contextualização para falar não só sobre a evolução do uso da planta ao longo das décadas, como também para destacar e a importância do Sistema Endocanabinoide (SEC) na medicina atualmente.
Lessa destacou que a utilização medicinal da Cannabis é antiga, mas só recentemente a ciência começou a entender os complexos mecanismos biológicos pelos quais a planta age. Uma das descobertas mais importantes é o sistema endocanabinoide (SEC), que desempenha um papel crucial na regulação de várias funções fisiológicas e neurológicas no corpo humano.
Embora os canabinoides THC e CBD sejam os mais estudados e prescritos, a planta de Cannabis contém mais de 500 substâncias. A pesquisa científica continua a explorar novos canabinoides, visando descobrir mais sobre seus potenciais usos terapêuticos.
Lessa apontou apontou dois momentos cruciais na pesquisa da Cannabis: a identificação do THC nos anos 60 por Raphael Mechoulam e sua equipe, e a descoberta dos receptores canabinoides CB1 e CB2, assim como dos endocanabinoides anandamida e 2-AG nos anos 90.
Essas descobertas foram essenciais para entender o sistema endocanabinoide (SEC) como um elemento vital na regulação do equilíbrio do corpo humano, conhecido como homeostase.
Plantio de Cânhamo no Brasil
Peter Andersen, Priscila Gava Mazzola e Ubiracir Lima abordaram o potencial do Brasil em se tornar um dos maiores produtores de canabinoides derivados do cânhamo.
Ubiracir Lima, mestre em química de produtos naturais; doutor em vigilância sanitária e pós doutor em tecnologia de formulações, enfatizou que o objetivo do painel é destacar as condições favoráveis ao Brasil para a produção de Cannabis, abrangendo desde medidas de segurança até a disponibilidade de capacidade técnica. Além de mencionar, é claro, o potencial de pesquisa no país, que está sendo subutilizado e pode ser ainda mais explorado.
Priscila Mazzola, professora da Unicamp, enfatizou, de uma perspectiva acadêmica, a importância da pesquisa multidisciplinar, destacando os benefícios que ela proporciona em diversas áreas. Ao refletir sobre quem se beneficiaria mais com o desenvolvimento da indústria do cânhamo, se as universidades ou o mercado, concluiu que ambos teriam ganhos significativos. Além disso, Priscila enfatizou a necessidade urgente de conduzir ensaios clínicos como parte essencial do avanço nesse campo.
Em sua conclusão, ela destacou a relevância da educação e do estímulo à pesquisa como elementos fundamentais para impulsionar o progresso de maneira constante e eficaz.
Eixo Cérebro-Intestino e Canabinoides Medicinais
Moderado pelo Dr. Marcus Zanetti, o painel abordou o impacto do Estresse Crônico no intestino.
“No estresse crônico, há uma redução persistente de tônus parassimpático ao mesmo tempo que ocorre uma superestimulação tanto de atividade simpática como do sistema endocanabonóide, resultando em alterações significativas na homeostase local intestinal”, explicou.
O especialista destacou ainda que os canabinoides medicinais atuam como moduladores dessa rede de comunicação entre o sistema nervoso central e o sistema digestivo e funcionam uma ferramenta terapêutica que estimula o SEC, trazendo benefícios hormonais e reduzindo o estresse.
Canabidiol na rede pública de saúde do Estado de São Paulo
Na manhã do terceiro e último dia do congresso, uma aula aberta foi dedicada ao uso do Canabidiol (CBD) na rede pública de saúde do estado de São Paulo. Dra. Daniela Bezerra conduziu a apresentação, com foco nos casos de epilepsia e também na importância de uma abordagem cuidadosa por parte dos médicos.
Durante sua fala, Dra Daneila enfatizou a necessidade de uma análise detalhada, especialmente em pacientes com epilepsia, que muitas vezes fazem uso de vários medicamentos.
Ela ressaltou a importância de compreender as particularidades de cada caso, reconhecendo a singularidade de cada paciente e a necessidade de um acompanhamento próximo, que envolva ativamente a família. Além de destacar também a importância da compreensão por parte dos médicos sobre todo o processo envolvido na prescrição de Cannabis, especialmente ao preencherem os formulários para a aprovação do tratamento com Canabidiol (CBD) pelo SUS para casos de epilepsia de difícil controle.
“Isso é essencial para garantir que os requisitos necessários sejam atendidos conforme autorizado pela lei estadual”, destaca.
Ao preencherem os formulários, os médicos devem considerar a classificação da epilepsia (focal, generalizada, combinada ou desconhecida) e compreender a etiologia da doença para determinar o diagnóstico.
É fundamental que os exames e observações clínicas confirmem a patologia como de difícil controle. Além disso, é necessário relatar a frequência das crises, comprovando a resistência aos medicamentos convencionais, sendo exigida a ocorrência de pelo menos quatro crises mensais.
O deputado estadual Caio França, autor da lei, também esteve presente no Congresso e no palco da aula aberta, celebrando: “Estou muito feliz. Participei desde o primeiro momento, quando apresentei o Projeto de Lei. Agora, no terceiro Congresso, vemos nossa lei começar a produzir seus efeitos a partir deste mês. O Estado já adquiriu o primeiro lote desses produtos, e viemos aqui para compartilhar toda essa jornada e, principalmente, explicar a todos os profissionais de saúde como será esse processo de fornecimento”, disse.