O sistema endocanabinoide é conhecidamente um regulador de outros sistemas do nosso corpo e também é responsável por manter nosso ciclo sono-vigília estável.
Dentro dos mais de 250 fitocanabinoides conhecidos hoje temos alguns que chamam nossa atenção e prometem ser objeto de estudos nos próximos meses/anos
Como na minha prática clínica, procuro sempre iniciar com o que mais possui evidência para o tratamento dos meus pacientes.
Começaremos com o Canabidiol (CBD): com tranquilidade podemos afirmar que é o canabinoide mais seguro e estudado
Ele REGULA o ciclo circadiano, mas não é hipnótico nem indutor de sono. Além disso, o CBD é um componente da planta que não causa dependência e não altera a arquitetura do sono REM. Alguns pacientes referem logo nos primeiros dias um sono mais reparador, enquanto a regulação ciclo circadiano costuma ocorrer pelo menos 2 meses após o início do tratamento.
Em segundo lugar temos o THC: conhecido por sua ação no receptor CB1, que causa alterações na percepção da realidade, é uma medicação extremamente eficaz como INDUTORA do sono, mas apresenta certas especificidades
Todos os canabinoides possuem resposta bimodal, ou seja: característica de “curva em U invertido” e com o THC não é diferente. Doses baixas podem induzir o sono enquanto doses altas podem causar euforia. Na mesma lógica esse canabinoide pode ser ansiolítico ou ansiogênico à depender da quantidade utilizada.
Outra peculiaridade pouco sabida do THC é que ele pode sim causar uma alteração da arquitetura do sono assim como transtornos relacionados ao seu uso como síndrome de retirada (obviamente mais sutis que o das “drogas Z” e benzodiazepínicos). Repousa sobre o “princípio da sinergia botânica” a esperança de que o THC não interfira tanto na estrutura do sono quando utilizado com uma boa quantidade de CBD concomitante.
Nesse cenário cheio de reticências nota-se que existe espaço para um “novo” canabinoide se estabelecer. É a vez do Canabinol (CBN)
Na verdade o CBN foi o primeiro canabinoide a ser isolado em 1930 e é o único que deriva do THC. Tido como fitocanabinoide pouco psicoativo (agonista fraco CB1), o CBN parece ter um efeito interessante de redução de ansiedade e consequentemente indução de sono.
O CBN a princípio não altera a estrutura do sono REM e a partir desse dado uma maneira de prescrever me parece mais sensata, descrevo abaixo uma conduta hipotética em um caso de insônia.
Buscando uma boa prática médica, obviamente baseada em evidências, me parece imprescindível começar com o CBD. Os estudos de segurança feitos para epilepsia nos resguardam para podermos usar doses como 100-200 mg de CBD/dia com tranquilidade. Após, seguindo o princípio hipocrático de primum non nocere, hoje me parece o mais indicado iniciar CBN, uma vez que ele não altera a estrutura do sono. Doses aqui ainda são difíceis de precisar, mas prescreveria inicialmente 10 mg apenas a noite, mantendo o CBD durante o dia e em caso de refratariedade à essa conduta penso em iniciar delta-9-THC com uma dosagem de 2,5 mg/noite subindo até o máximo de 20 mg/noite, atentando para o histórico cardiológico do paciente.
Quando se trata de medicina essas orientações são como trilhas, não trilhos
Pode-se desviar delas mas servem como um guia para uma prática mais assertiva. Lembro também que não faz sentido tratar insônia esquecendo da higiene do sono e das comorbidades secundárias à ela. Dito isso, nesse ano provavelmente teremos mais estudos e consequentes conclusões sobre o emprego do CBN na nossa prescrição para insônia. Os colegas que estão dispostos a aprimorar o arsenal terapêutico ficam com a esperança e os bons frutos que a prescrição desses canabinoides podem trazer.