A Cannabis medicinal tornou-se legal em Portugal em 2019. E entender diferentes regulações ao redor do mundo é fundamental neste período prévio a avanços aqui no Brasil. Embora Portugal ocupe um lugar mais evoluído em relação ao design regulatório da Cannabis medicinal, a presidente do Observatório Português de Cannabis Medicinal, OPCM, Dra. Carla Dias defendeu em conversa exclusiva com o portal Cannabis & Saúde que aperfeiçoamentos são necessários.
Igualmente, a presidente alegou que são crucias melhorias em relação ao acesso dos medicamentos à base de Cannabis e uma atualização sobre quais patologias podem ser tratadas com a planta Cannabis.
“Nossos desafios para 2024 são os mesmos: produtos para as pessoas irem à farmácia comprar com segurança. Saber que o frasco tem certa quantidade precisa e que elas podem tomar com a ajuda do médico, que terão um acompanhamento, ou seja, a garantia de segurança. Pois suplementos alimentares não tratam patologias, queremos um medicamento que se possa ser administrado conjuntamente com um médico. Além disso, vamos seguir capacitando e presentes em eventos para profissionais da saúde”, destaca Dra. Dias sobre a expectativa do ano que se aproxima.
OPCM presente na Conferência Medicinal de Cannabis da Europa
Em 2023, o OPCM participou da Conferência Medicinal de Cannabis da Europa e recebeu convites de diferentes entidades da região para participar de eventos da área da saúde.
“O que nós fazemos é dar informações. E quando são pessoas doentes nós tentamos encaminhá-los para os médicos que temos no conselho científico. Há dois anos temos realizado uma conferência em que unimos muitos médicos e profissionais da saúde como enfermeiros e farmacêuticos. Passamos o conteúdo sobre Cannabis medicinal para que eles estejam preparados quando os produtos estiverem no mercado. Além disto, tentamos pressionar e posicionar as empresas para submeterem produtos para serem aprovados, acompanhamos as empresas neste processo de submissão e tentamos pressionar o Infarmed, que é a entidade reguladora de medicamentos”.
Para a presidente do OPCM o crescimento de 23% no setor da Cannabis em Portugal é relativo
O setor da Cannabis em Portugal teve um crescimento superior a 23% no último ano. Porém, a presidente avalia que este acréscimo é relativo.
“Para os doentes portugueses os 23% não se trata de um grande crescimento, na verdade, é mínimo. Nós temos conhecimento que há empresas em Portugal que submeteram dossiês há mais de um ano e o produto nunca mais foi aprovado. Não adianta passar para fora a imagem de que Portugal tem um crescimento de 23% neste setor, mas onde é que estão os produtos?”.
Mais de 20 empresas estão licenciadas para o cultivo de Cannabis medicinal em Portugal
Ainda sobre o panorama do país em relação à produção de medicamentos, Dra. Dias explica que Portugal conta com pouco mais de 20 empresas que estão licenciadas para o cultivo da Cannabis medicinal. Mas que estas licenças não se traduzem na produção de medicamentos e são voltadas à exportação.
“Existem mais de 20 empresas licenciadas e a partir de estarem licenciadas podem submeter os dossiês para colocar os produtos na farmácia. E dos dossiês que têm sido apresentados desde 2019, no início da aprovação da Lei, apenas um teve aprovação pela entidade reguladora do medicamento em Portugal, Infarmed. Estão sempre sendo submetidos dossiês que serão analisados pelo Infarmed.
Mas por diferentes motivos, seja por parte do Infarmed que solicita determinados requisitos para a aprovação destes dossiês que correspondem a medicamentos que vão ser colocados na farmácia, ou seja por parte dos dossiês que não preenchem os requisitos. Já, por outro lado, as empresas quando estão licenciadas não se submetem a esses pedidos ou seja elas estão licenciadas ao cultivo e depois dedicam-se exclusivamente à exportação da matéria-prima para outros países. Então é verdade que houve um crescimento. Mas para as pessoas doentes não traz grandes benefícios”.
Mas e as lojas de Cannabis do país?
Outro ponto são as lojas de Cannabis espalhadas pelo país que vendem extratos à base de Cannabis. Segundo a Dra. Dias esta é uma incoerência: “Tudo o que se vê nas lojas de Cannabis não é considerado medicamento e o que estiver à venda como um extrato vai ter no rótulo uma indicação de que não é para consumo humano ou é produto tópico. Ou seja, é para colocar na prateleira ou na pele. O que é completamente ridículo. Mas nada disto é legal se tiver uma certa quantidade de canabinoides que de acordo com a lei tem de ser prescrito para poder ser comprado e assim ter acompanhamento médico”.
O que pacientes portugueses encontram nas farmácias de Portugal?
“Neste momento temos uma flor com THC e é o único que os doentes portugueses podem ir à farmácia comprar neste momento. E sendo flor este é outro problema. Porque sendo a substância que existe na farmácia, ela tem uma única via de administração que é a inalação. E nós temos muitos doentes que estão, por exemplo, em cuidados paliativos em que é totalmente impossível esta via de administração para a maioria dos doentes que jamais vão inalar qualquer coisa. Temos medicamentos: o Sativex, que é para a esclerose múltipla. E também temos não na Farmácia Comunitária, mas na farmácia hospitalar, o Epidiolex. Mas é dispensado em farmácia hospitalar mediante um pedido de autorização pelo médico que acompanha o doente”, explicou.
Veja as indicações para uso da Cannabis medicinal
Além da indicação para epilepsia, Portugal conta com uma regulamentação que define indicações para o uso da Cannabis medicinal nesta via de administração de inalação de flor que a Dra. Dias citou:
- Espasticidade associada à esclerose múltipla ou a lesões medulares;
- Náuseas e vômitos (resultante da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C)
- Estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com HIV;
- Dor crônica (associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como, por exemplo, na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigêmio ou após herpes zoster);
- Síndrome de Gilles de la Tourette;
- Glaucoma resistente à terapêutica.
Neste sentido, Dra. Carla Dias avalia como negativo o fato de que esta lista ainda não foi atualizada com novas patologias. Segundo a especialista, seria imprescindível que mais condições estivessem entre os tópicos: como autismo, ansiedade e fibromialgia
“Nós como Observatório recebemos pessoas com muitas patologias que não têm acesso a medicamentos. Sabemos dos produtos, óleos, extratos de CBD que vêm de outros países para estas condições que estão fora da lista. As pessoas facilmente têm acesso a estes extratos e compram com alguma supervisão de alguns médicos que vão ajudando os doentes, visto que não há outra alternativa. Então as pessoas vão usando esses extratos que vêm pelo correio.
Também há pessoas que conseguem extratos com THC pelos correios, o que é um problema. Óleos com CBD chegam facilmente via correio porque não podem ser vendidos numa loja física, ou farmácias, pois para todos os efeitos eles contém a substância ativa que é o CBD e que foi considerada pela lei como um medicamento e não pode ser vendido livremente. Resumidamente o que acontece nas lojas são duas coisas: as lojas que vendem extratos em que no rótulo diz que não é para consumir, e as pessoas vão lá e tomam igual. Ou então compram através da Internet marcas que vêm da Suíça e Itália, por exemplo”.
A necessidade da padronização dos produtos à base de Cannabis
Por fim, Dra. Dias conclui que o grande problema atual reside na necessidade de uma padronização dos produtos à base de Cannabis, afinal a qualidade de um produto à base de Cannabis pode impactar o tratamento dos pacientes. Igualmente, destacou o indispensável acompanhamento médico para quem usa estes medicamentos.
“O acompanhamento médico é fundamental pela dosagem. Algumas pessoas não encontram resultados porque não têm acompanhamento médico e desistem achando que não é eficaz. Outro problema dos extratos é que não são padronizados. Por isso é que urgentemente precisamos de empresas em Portugal que tenham licença para o cultivo que submetam dossiês com extratos com qualidades aprovados pelo Infarmed”.
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