Pesquisa realizada na Universidade de Brasília demonstra que a Cannabis pode ser mais eficiente para tratar dependência química do que drogas convencionais
Uma pesquisa inédita realizada pelo Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades da Universidade de Brasília (UnB) revela que o Canabidiol (CBD) – uma das moléculas medicinais da Cannabis – pode ser mais eficiente para tratar dependência em crack do que as drogas convencionais.
O estudo experimental duplo cego (quando nem pacientes e nem pesquisadores sabem qual grupo recebe o placebo) e randomizado (quando os pacientes são organizados em grupos de forma aleatória por programa de computador) seguiu todos os critérios de uma pesquisa científica robusta.
60 voluntários
O objetivo do estudo, liderado pela professora coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades da UnB, Andrea Gallassi, foi analisar durante 10 semanas como um grupo de 60 voluntários dependentes de crack reagia ao CBD e aos medicamentos tradicionais.
Por causa da alta rotatividade, o recrutamento dos pacientes se deu de forma contínua e ininterrupta, onde cada paciente tinha que completar o mesmo período de tratamento de forma perene.
Metodologia
Para avaliar se o Canabidiol é eficiente para tratar dependência química, os usuários foram divididos em dois grupos: o de controle e o de intervenção.
No grupo controle, os pacientes receberam o óleo placebo (simulando o CBD) e três cápsulas com medicamentos convencionais: fluoxetina (anti-depressivo), ácido valproico (estabilizador de humor) e clonazepam (ansiolítico), indicados para o tratamento de abstinência química.
Já no grupo de intervenção, os dependentes foram medicados com o extrato de CBD isolado (porque os pesquisadores não conseguiram ter acesso ao extrato completo da planta – o full spectrum) e três cápsulas de placebo.
Medicamentos padronizados para pesquisa
“Os medicamentos precisaram ser envasados e etiquetados de forma igual. O óleo placebo foi desenvolvido com o mesmo gosto e apresentação do óleo de Cannabis, com sabor e aroma de morango. Só o farmacêutico responsável sabia o que cada paciente recebia”, explica a coordenadora do projeto, professora Andrea Gallassi.
Para participar do estudo, os dependentes tinham que se comprometer a comparecer uma vez por semana na UnB para receber o kit de medicamentos e passar por avaliação médica e psicossocial.
“Nesses encontros nós também colhíamos a urina para realizar exame toxicológico. O objetivo era cruzar os dados com as informações repassadas pelos pacientes no questionário psicossocial. Era uma forma de fazer a contraprova”, detalha Gallassi.
Esse compromisso de estar presente semanalmente e se manter longe das drogas, levou à evasão de alguns participantes. “Tivemos perdas e isso é normal. Finalizamos com 10 pessoas no grupo controle e 15 no grupo CBD”, lamenta.
Resultados
De forma geral, na comparação entre o grupo controle e o grupo CBD os resultados foram semelhantes em relação ao controle da abstinência, ou a chamada fissura.
De acordo com a pesquisa, tanto o CBD, quanto os três medicamentos associados ajudaram a reduzir a dependência e a vontade de consumir a droga.
“Houve uma redução de uso de crack significativa, do ponto de vista estatístico. Isso significa dizer que essa a melhora não está dentro da margem de erro”.
Segundo Gallassi, dos 20% dos pacientes que fumavam crack todos os dias, metade parou de usar a droga diariamente. Já entre os 20 que fumavam de 2 a 4 vezes por semana, esse percentual caiu para 15%.
Fissura: melhora em ambos os grupos
Para entender os gatilhos que impulsionavam o desejo de uso, a fissura foi monitorada de duas formas: o relato do paciente e a fissura induzida por estímulo, quando um ambiente ou pessoas remetem a vontade de fazer uso do crack.
CBD, praticamente, não apresentou efeito colateral
Muitos embora a fissura tenha sido controlada de forma similar com ambas substâncias, o tratamento à base de Canabidiol apresentou algumas vantagens em relação às drogas usadas para tratar dependentes químicos, indica a pesquisa.
A primeira delas é a substituição de três drogas (polifarmácia), com efeitos colaterais importantes, por uma única substância que praticamente não tem contraindicação e consequências indesejáveis.
Drogas convencionais com efeitos adversos
“Enquanto que o grupo controle relatou efeitos adversos como prejuízo da memória, dor de cabeça, constipação, náusea, tontura, baixa concentração, tremor e até dificuldade de andar, o grupo CBD praticamente não reclamou de efeitos colaterais”, detalhou a pesquisadora.
Outro benefício do tratamento com CBD, nesses casos, é que os pacientes tiveram um aumento na ingestão de alimentos com a melhora do apetite.
“Quando comparamos o grupo do CBD com ele mesmo, os dependentes que iniciaram o tratamento com a Cannabis terminaram bem melhor do que o grupo controle, ao analisar os grupos de forma isolada”, explica a pesquisadora.
Amostra significativa
Os resultados promissores estão consolidados num artigo científico submetido à Revista International Journal of Mental Health and Adicction para publicação.
“Nesse momento o artigo está sob revisão e foi submetido aos pares. Talvez a banca peça esclarecimentos adicionais, esse é o trâmite. Estamos muito satisfeitos com os resultados”, comemora a professora Andrea.
Segurança e controle
A pesquisadora diz o estudo é experimental e pode sofrer críticas pelo tamanho da amostra, mas segundo a especialista, esse cuidado foi tomado justamente para garantir a segurança dos envolvidos.
Na época em que o projeto de pesquisa foi apresentado em 2017 ainda haviam poucos estudos e pesquisa a respeito do tema e o preconceito ainda era grande, reconhece Gallassi. Por isso, todo cuidado era necessário.
Para se ter uma ideia, a pesquisa que contou com o apoio e aprovação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/ DF) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não pôde receber uma emeda parlamentar, porque o Ministério da Saúde negou.
Replicou a ambiente da vida real
Dificuldades a parte, Andrea afirma que apesar de o estudo ter se limitado a um número reduzido de pacientes, a pesquisa foi realizada no ambiente da vida real, e isso na avaliação da pesquisadora é um diferencial.
“Os pacientes não estavam internados, estavam vivendo suas vidas e em tratamento. A maioria das pesquisas é em ambiente totalmente controlado, internados, sob o controle da equipe. Só que quando as pessoas saem da internação, a realidade é outra”, alerta.
Gallassi explica que o protocolo de intervenção à saúde no Brasil não prevê internação, por isso o resultado da pesquisa é bastante factível com a realidade.
Resultados factíveis com a vida real
“Os resultados do estudo vão se assemelhar com o cotidiano do dependente. Desde o início, eu não quis fazer pesquisa com os pacientes internados, eu queria saber se iria funcionar na vida real das pessoas”.
Para concluir, a professor diz que o estudo comprova – de forma científica – o aspecto ansiolítico do Canabidiol, e que o resultado da pesquisa vai de encontra com o empirismo do uso terapêutico da Cannabis relatado pelos dependentes químicos.
“Os próprios dependentes contavam que fumavam maconha para reverter a sensação de paranoia, insônia e ansiedade causada pela abstinência da droga. Foi então que decidimos estudar o uso terapêutico da planta”.
Esses relatos também puderam ser observados em pesquisas com animais, detalha a professora.
“Eu fiz uma revisão sistemática da literatura científica e os estudos comprovam que o extrato de Cannabis reduz o uso de cocaína em modelos de animais. O próximo passo agora é ampliar o estudo com mais voluntários com o extrato inteiro da planta”, conclui.
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