STJ consolida jurisprudência de que o Habeas Corpus é um meio legítimo de proteção dos pacientes que plantam Cannabis para fins medicinais
Plantar Cannabis para extração do óleo – com finalidade medicinal – não configura crime de tráfico de drogas. Assim interpretou a maioria da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com base nesse entendimento, o paciente que puder comprovar a necessidade de tratamento pode se beneficiar do chamado salvo-conduto, para cultivar a planta sem risco de ir para a cadeia.
O entendimento da 3ª Seção – que é o colegiado que reúne os integrantes das 5ª e 6ª Turmas do STJ, com competência por julgar temas criminais – consolida a jurisprudência de que o Habeas Corpus é o meio legítimo de proteção ao paciente que deseja produzir o óleo artesanal em casa.
Jurisprudência questionada
Apesar de o STJ reunir precedentes, ou seja, decisões nesse mesmo sentido, o ministro Messod Azulay, que tomou posse em dezembro de 2022, questionou a interpretação que vinha se consolidando na segunda maior Corte do país.
Para o magistrado, o instrumento do Habeas Corpus preventivo não é a forma adequada para permitir o exercício de uma atividade ilegal, que é o cultivo da maconha em solo brasileiro.
No voto, Azulay alertou que uma posição favorável do STJ à temática poderia ser interpretada como ativismo judicial e ser questionada pelas instituições competentes para legislar sobre o assunto.
Para o ministro, se o problema é a urgência ou o custo para ter acesso ao medicamento, a alternativa mais sensata seria buscar o Judiciário para obrigar o Estado a custear, de forma emergencial, o remédio à base do extrato da planta.
Quem vai controlar?
“Quer se transformar isso aqui numa Colômbia, plantando à vontade. A verdade é dura, mas é essa! Agora, quem vai fazer o controle? Na verdade, isso aqui já está quase uma Colômbia. Tudo aqui é controlado. A geopolítica do crime aqui hoje é dura”, argumentou o magistrado.
Mas as justificativas apresentadas não convenceram. Apenas o desembargador convocado, João Batista Moreira, acompanhou a posição do ministro Messod Azulay.
A maioria da 3º Seção seguiu a divergência apresentada pelo ministro Jesuíno Rissato. No voto, Rissato afirmou não ser prudente alterar a atual jurisprudência, já firmada pelo STJ.
Na visão do ministro, mudar o entendimento de que o cultivo de Cannabis para fins medicinais não é crime seria regredir na posição, recentemente fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Mudar o entendimento é “dar marcha ré”
“Penso que não seria, neste momento, oportuno e conveniente dar um retrocesso, uma marcha ré nesse entendimento, em uma mudança da jurisprudência da Corte em tão pouco espaço de tempo. Isso causaria até certa perplexidade nos aplicadores do Direito, que seguem a jurisprudência da Corte, e viria em prejuízo da própria segurança jurídica”, justificou Rissato.
Seguindo o mesmo entendimento, votaram com a divergência os ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti, Reynaldo Soares da Fonseca, Laurita Vaz e Antonio Saldanha Palheiro. Apenas o ministro Joel Ilan Paciornik se absteve, por não estar presente na sessão.
Voto ministra Laurita Vaz
A ministra Laurita Vaz usou o mesmo argumento de Rissato, para acompanhar o colega. Para a magistrada, não faz sentido mudar a atual interpretação da Corte sobre o assunto, uma vez que outras decisões judiciais das instâncias inferiores já seguem o entendimento firmado.
“Essa Corte é uma Corte de precedentes. Temos que ter o maior cuidado, para zelar para a manutenção da nossa jurisprudência. Se não zelarmos, como vamos exigir que outros Tribunais sigam”, questionou a magistrada.
Voto ministro Rogério Schietti
Seguindo a mesma linha, o ministro Rogério Schietti, argumentou que os pacientes que buscam o salvo-conduto não estão em busca do cultivo para uso recreativo. No voto, o juiz sustentou que não há lesão ao bem jurídico tutelado, pelo plantio ser destinado aos fins medicinais.
“Enquanto o STF caminha a passos largos para reconhecer a inconstitucionalidade do crime de portar maconha para consumo pessoal recreativo, é de se indagar: é razoável que compactuemos com a responsabilização penal do paciente, por pretender o cultivo da Cannabis sativa com finalidade exclusivamente medicinal e amparada em prescrição médica?”, questionou Schietti.
Reclassificação da maconha
Para justificar o voto, o ministro lembrou que a Organização das Nações Unidas sobre drogas e crimes (ONUDC) reclassificou a Cannabis para a lista 1, onde outros entorpecentes de uso medicinal estão inseridos.
“Constata-se, portanto, que a descriminalização do uso medicinal da maconha, e até mesmo o recreativo, consiste em verdadeira tendência mundial, seguido pelos EUA, país marcado por haver inaugurado o que se passou a conhecer por ‘War on drugs’, guerra às drogas, no governo do presidente Nixon”, pontuou.
O ministro citou os Estados Unidos como exemplo. Dentre os 50 Estados que integram a nação, 23 já autorizam o uso recreativo da maconha, 14 permitem apenas o uso medicinal, e 7 legalizaram o uso do óleo de canabidiol (CBD) e somente 6 ainda criminalizam completamente a maconha.
Voto ministro Reynaldo Soares
Já o ministro Reynaldo Soares, que em outro momento negou o direito ao cultivo por pacientes, dessa vez reconheceu que é preciso evoluir na análise do tema, dando prioridade ao acesso à saúde.
O magistrado pontuou que, desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza o uso medicinal de produtos derivados da Cannabis e que o órgão classificou a maconha como uma planta medicinal.
“O direito à saúde não é direito de alguns. Não é direito daqueles que têm poder econômico para importar. O direito à saúde é de todos”, argumentou.
Voto ministro Saldanha Palheiro
Para completar, o ministro Saldanha Palheiro defendeu o uso terapêutico da planta, uma vez que os resultados apresentados por médicos e pacientes são “extremamente benéficos” argumentou o juiz.
“Tenho colegas, mais de um. Um desembargador do RJ, o filho com doença neurológica tinha cerca de 20 convulsões por dia, e nada curava. Foi aos EUA, tentou todo tipo de tratamento. E agora, com o uso do canabidiol, o menino teve uma melhora exponencial. Uma convulsão a cada 15 ou 20 dias. Ele importa o óleo porque tem dinheiro, mas cogita o plantio, porque é caro e trabalhoso.”
Remédio x entorpecente
Em linhas gerais, a interpretação dada pela 3ª Seção do STJ é de que o cultivo da Cannabis por pacientes – amparados por prescrição médica e autorização de importação da Anvisa – não tem como objetivo produzir entorpecentes, mas remédio.
Os magistrados também chegaram à conclusão de que o uso terapêutico da Cannabis é reconhecido pelo Estado brasileiro. Isso porque, desde 2015, a Anvisa autoriza a entrada desses produtos no Brasil. Além disso, a partir de 2019, esse tipo de medicamento já está disponível para venda nas farmácias, por um valor que não é acessível à grande parte da população.
Entenda o caso
O caso analisado pelos ministros diz respeito ao HC 802.866. O paciente buscou a Justiça, para ter acesso ao salvo-conduto para plantar a Cannabis em casa, sem correr o risco de ser enquadrado na chamada Lei de Drogas (11.343/2006).
Na 1ª instância, a Justiça concedeu ao paciente Habeas Corpus para o cultivo doméstico da Cannabis para tratamento pessoal. Entretanto, a 2ª instância teve um posicionamento contrário e o paciente precisou recorrer ao STJ.
Em resumo, o caso julgado na sessão desta quarta-feira restabelece a decisão de 1º grau que concedeu o salvo-conduto ao paciente para produzir seu próprio medicamento.
Com a decisão do STJ, o paciente poderá cultivar 15 plantas de Cannabis Sativa para uso exclusivo e próprio, enquanto durar o tratamento. A interpretação foi estendida para outros dois HCs, que versam sobre o mesmo assunto.
O que dizem os especialistas?
Para o jurista Cristiano Maronna – fundador da Rede Justa -, a decisão do STJ é extremamente importante, porque consolida, de uma vez por todas, a jurisprudência que já existia.
“O STJ reafirmou a tese de que plantar maconha para uso medicinal não é crime. Isso é muito importante, porque há uma grande polêmica e discussão sobre o tema, dentro do próprio STJ”.
Com a decisão, não resta dúvidas de que o Habeas Corpus é o meio idôneo para proteger pessoas que cultivam maconha, para produzir o próprio remédio, sem correr o risco de serem criminalizadas e encarceradas, explica o advogado.
Lei de Drogas prevê o cultivo para fins medicinais
De acordo com Maronna, o artigo 2º, parágrafo único da Lei de Drogas, já autoriza o cultivo de plantas proscritas (proibidas), desde que para fins medicinais e de pesquisa.
“Como a União nunca emitiu nenhuma autorização e o Congresso tampouco agiu para regular esse dispositivo, cabe ao Judiciário fazê-lo. Isto é, reconher o fato de não ser crime cultivar a maconha para uso medicinal”, afirma.
Em concordância, o advogado Emílio Figueiredo – fundador da Rede Reforma – diz que a decisão vem de encontro ao artigo 196 da Constituição Federal. Esse artigo, em resumo, assegura aos cidadãos o direito à saúde, de forma igualitária e universal
Consolida o direito ao cultivo doméstico
“A decisão da 3ª Seção do STJ é mais uma etapa na consolidação do cultivo doméstico de Cannabis como uma forma de acesso seguro à saúde. Não é admissível a criminalização de quem cultiva a Cannabis com fins terapêuticos e na busca do bem-estar”, aponta Figueiredo.
Para o jurista, a decisão demonstra a urgência da regulamentação do cultivo doméstico, por meio de uma legislação federal.
“O acesso à saúde não pode ser um privilégio só de quem tem Habeas Corpus. Ao mesmo tempo, diante da difusão do cultivo doméstico urge a descriminalização. Isso para evitar a sujeição criminal de quem apenas quer se sentir bem sem causar danos a terceiros”, defende o advogado.
O uso medicinal da Cannabis já é legal no Brasil
O uso medicinal da Cannabis no Brasil já é regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio das RDC 660 e RDC 327. Mas é necessário ter uma prescrição médica.
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