Você sabe como cada um desses órgãos pode atuar quando o assunto é a regulamentação da Cannabis no Brasil?
De um lado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regula o uso medicinal da Cannabis no Brasil – via Resolução da Diretoria Colegiada RDC 660/2022 e RDC 327/2019 – proíbe a importação da planta in natura mesmo com prescrição médica sob o argumento de desvio de finalidade.
STJ e o auto cultivo
De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem autorizado – de forma reiterada – pacientes com prescrição e laudo médico a cultivar a Cannabis para extrair o próprio remédio da planta para fins terapêuticos e medicinais.
Só nesse mês de julho, a segunda maior corte do país concedeu salvo conduto para mais cinco pacientes cultivarem a planta medicinal no quintal de casa sem correr risco de prisão.
SFT pode descriminalizar
Na outra ponta, o Supremo Tribunal Federal (STF) remarca – mais uma vez – a retomada do julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas no Brasil, hoje considerado crime pelo artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006).
O dispositivo criminaliza o usuário que compra, guarda, mantém em depósito ou transporta qualquer tipo de droga para consumo pessoal. A punição varia de advertências, à prestação de serviços à comunidade e medidas socioeducativas.
Planta medicinal é crime?
A mesma planta medicinal que traz qualidade de vida para mais de 200 mil pacientes no Brasil numa ponta, na outra ainda é tratada como caso de polícia num país que abriga a terceira maior população carcerária do mundo.
O julgamento, marcado para o dia 02 de agosto, que pode mudar essa atual política de drogas no Brasil vai analisar se a Lei de Drogas contraria a Constituição Federal e se cabe ao Estado punir alguém que age em prejuízo próprio.
E o Congresso Nacional?
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional elenca outras pautas que considera prioritárias para entrar na agenda de votação.
Há dois anos o Projeto de Lei 399/2015 que pode regulamentar o cultivo da Cannabis para fins terapêuticos e industriais permanece engavetado e sem perspectiva de ir à votação.
Diante de um cenário tão confuso, onde a planta que cura é a mesma planta que mata e encarcera, procuramos ouvir alguns especialistas no assunto para entender como cada um desses órgãos pode fazer efetivamente atuar para regular a Cannabis no Brasil.
O que dizem os especialistas?
De acordo com o jurista Cristiano Maronna, diretor do Justa, a Anvisa analisa de forma técnica a comercialização de produtos à base de Cannabis no Brasil sob o ponto de vista de medicamento.
Já o STJ, avalia a situação como um fato atípico. Segundo Maronna, a segunda maior corte do país consagrou o entendimento de que plantar Cannabis para produzir remédio não é crime.
“Então, mesmo que a Anvisa altere a sua regulamentação, proíba a entrada de flores no Brasil, há no país uma jurisprudência consolidada de que plantar maconha para produzir remédio não é uma conduta criminalizada”, detalha Maronna.
Ação popular
Na semana passada, os advogados Gabriel e João Pedro Dutra Pietricovsky moveram uma ação popular contra a Nota Técnica 35/2023, editada pela Anvisa, que restringe a importação de flores no Brasil.
“Essa era a hora de a Anvisa impor limites, fazer um controle de quantidade para evitar desvio de finalidade. Isso aconteceu nos outros países do mundo. Mas restringir o acesso não foi a melhor saída”, avalia o advogado João Pedro.
Na visão dos advogados, hoje existe uma insegurança jurídica por falta de uma regulamentação clara no Brasil. Hoje, a entrada de produtos via importação (RDC 660) é viável graças a uma ação judicial.
“Essa última nota da Anvisa mais confundiu do que esclareceu. Seria interessante criar alguns mecanismos para evitar o desvio, como renovação da receita médica, limitar a quantidade de importação in natura. Proibir só pune o paciente”, lamenta Gabriel.
Cannabis como commodity
Na visão do Cristiano Maronna está nas mãos do Supremo pacificar essa questão no Brasil, já que não faz sentido criminalizar uma planta que é usada para tratar doenças e ficar refém de importação de uma commodity.
“O Supremo vai julgar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas em relação a todas as possibilidades de uso, incluindo o uso terapêutico, e em especial o uso adulto. Então, se o Supremo, de fato, descriminalizar a posse para uso pessoal, isso naturalmente vai ajudar todo mundo, inclusive os pacientes”, avalia Cristiano.
Para o fundador da Rede Reforma Emílio Figueiredo, o judiciário tem se mostrado mais sensível a pessoas que sofrem a criminalização e violação de todos os direitos constitucionais do que os demais poderes, por isso, na avaliação dele, a legalização da Cannabis virá pelo judiciário.
União pode regular a Cannabis
Para o advogado Gabriel Dutra o assunto não deveria que ser decidido pela Suprema Corte, basta que a União assuma o protagonismo da matéria como já prevê o parágrafo único do artigo 2º da Lei de Drogas.
“Esse artigo prevê que a União criará uma legislação sobre o assunto, explicando regras de dispensação e de armazenamento. A União, eu digo, o Ministério da Saúde. Na minha concepção, o primeiro governo Lula em 2006 já deveria ter criado uma regulação nesse sentido”, lembra Dutra.
Na visão do advogado, a Cannabis precisa ser regulamentada pelo Congresso Nacional que tem a prerrogativa para criar as leis. “O poder legislativo já tinha que ter colocado em pauta. Só que por interesses, isso não avança”, lamenta.
Interesses que impedem o crescimento do Brasil, segundo Gabriel. “Ano passado os Estados Unidos faturaram quase que o PIB de estados brasileiros só com o comércio da Cannabis. Quantos cigarros de maconha estão acesos agora e quantos estão pagando imposto”, indaga.
Para o advogado esses recursos poderiam ser investidos em educação, saúde e na recuperação de dependentes químicos, por exemplo, mas a criminalização da planta só alimenta o tráfico.
Saúde é dever do Estado
O advogado João Pedro lembra ainda que o artigo 196 da Constituição diz que é dever do Estado prover saúde universal e isso envolve todas as etapas do processo terapêutico.
“A União se omite. Com base nesse argumento também, o STJ tem reconhecido, inclusive, o uso in natura da planta pelo paciente. Isso abre um precedente”, diz.
O SUS já fornece
Para Pietricovsky é falta de visão a não regulamentação da planta no país, uma vez que o próprio Sistema Único de Saúde já fornece medicação à base de Cannabis, cujo princípio ativo é importado em dólar.
“Em várias ações de salvo conduto os juízes negam as liminares alegando que o pedido deveria ser feito à Anvisa ou ao Ministério da Saúde. Hoje é a Anvisa quem regula o uso medicinal no Brasil”.
Os irmãos Pietricovsky entendem que existe uma possibilidade de descriminalização do porte e cultivo da Cannabis no Brasil, a partir de uma decisão do SFT.
Vistas do processo?
Mas, na avaliação dos advogados, não será de imediato, uma vez que existem grandes chances de algum ministro pedir vista do processo.
“Quem conhece o mundo dos pacientes e como a Cannabis muda vidas, vota a favor da descriminalização e da legalização da planta, independentemente do posicionamento político. Quem não tem contato com esse mundo, vota contra”, analisa Dutra.
Para o advogado Emílio Figueiredo, já passou da hora de o Brasil se tornar um país civilizado com a regulação do uso de substâncias de forma racional.
“O uso medicinal é apenas um dos usos. Há muito além na Cannabis do que apenas transformá-la em remédio. A Cannabis é ritual, é cultura, é insumo – com o cânhamo. A gente precisa reconhecer que muito mais do que o uso medicinal existe o uso recreativo da maconha no Brasil”, alerta Figueiredo.
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