O portal Cannabis & Saúde foi recebido com exclusividade pelo deputado distrital, Gabriel Magno (PT), para falar sobre o Projeto de Lei (PL108/2023) que propõe regulamentar o cultivo e o processamento da Cannabis para fins médicos e terapêuticos por associações de pacientes no Distrito Federal. A proposta, que já tramita na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), tem como objetivo democratizar o acesso e garantir o direito do paciente à saúde universal e igualitária. Diferentemente de outros projetos de lei – criticados por supostamente favorecerem a indústria farmacêutica – esse PL propõe uma produção nacional focada nas associações dos pacientes para geração de renda, emprego local e conhecimento científico. Quer saber mais sobre essa proposta? Não deixe de conferir a entrevista até o fim!
Deputado Gabriel Magno, a pauta da Cannabis para fins medicinais será uma prioridade no seu mandato?
Sim! A gente protocolou o projeto em janeiro e já tem número. É o projeto 108/2023 que dispõe sobre o processamento, o uso e o cultivo da Cannabis no Distrito Federal para uso medicinal. Esse é um debate que eu acho que precisa avançar muito no Brasil, ainda. A gente tem visto várias experiências no mundo inteiro nesse processo de avanço da descriminalização, e sobre a própria legalização da Cannabis. A gente sabe que o debate precisa ser feito no Congresso Nacional e com a sociedade brasileira para também avançar nessa linha de descriminalizar o uso e o cultivo. De legalizar todo esse processo dentro do país. A gente sabe de todos os potenciais que a planta tem, seja do ponto de vista da saúde pública, seja do ponto de vista sanitário, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista da indústria têxtil. Ou seja, tem uma série de benefícios e experiências concretas. Não estamos falando somente de estudos, ou percepções. Nós estamos falando de experiência concretas no mundo todo! É preciso iniciar um processo de desmistificar, quebrar alguns preconceitos que a gente sabe que ainda tem e são muito fortes, e que na prática, a gente convive com isso diariamente. O problema da Cannabis no Brasil não é o processo de legalização, porque quando a gente faz um recorte de classe e cor a gente sabe quem é que tem acesso e quem ainda é criminalizado. A população preta, a população periférica e o pobre são os que ocupam os presídios. O processo de criminalização da planta está muito atrelado ao racismo estrutural da sociedade brasileira e nós precisamos avançar nisso.
O principal diferencial desse projeto de lei é que abarca as associações de pacientes, diferentemente de outros textos que privilegiam produtos importados ou que tenham registro farmacêutico. Essa é uma forma de fortalecer a mão de obra local, fomentar pesquisa, geração de emprego e renda. Esse é o principal objetivo do projeto?
Também. A gente tem conversado com várias associações e a gente tem escutado e observado o seguinte: nós temos hoje uma série de pessoas que estão doentes, que precisam do medicamento para uso medicinal, que já testaram e perceberam que o uso da Cannabis, talvez seja a única solução para uma qualidade de vida do paciente ou para um tratamento mais eficaz, depois de passar por vários outros tratamentos. E essas pessoas estão em muito sofrimento. Primeiro porque não têm acesso e segundo porque o remédio é muito caro. Também tem a questão de qualidade, é importante ter esse olhar para o produto nacional. A gente conversou com vários pacientes que fizeram uso do medicamento importado e fizeram uso do medicamento nacional das associações. E segundo o relato de muitos, a qualidade do nacional e o efeito foi muito mais satisfatório do que o importado. Então, queremos fortalecer as associações. A gente tem uma série de experiências já aqui no Brasil. O nosso país, assim como o próprio Distrito Federal tem uma vocação para o cultivo da planta. E ter uma possibilidade de não só valorizar a mão de obra local, mas também pensar em como isso movimenta a economia e fundamentalmente, desenvolve pesquisa. A gente até já aprovou aqui na Câmara Legislativa um PL na legislatura passada que trata sobre produção de pesquisa sobre Cannabis. Falta regulamentar. Isso é um avanço! Estamos batendo muito nessa tecla, queremos avançar na produção de tecnologia e pesquisa brasileira.
Como o senhor falou ainda falta informação e quebra de preconceito. Muita gente não sabe que aqui também no DF já tem uma lei do deputado Rodrigo Delmasso – pastor – que garante o fornecimento do canabidiol, via Sistema Único de Saúde. Inclusive, por meio da Lei de Acesso à Informação, descobrimos que apenas 17 pacientes em todo DF conseguem receber o canabidiol a um preço três vezes mais alto do que o valor da molécula importada. Então, uma produção nacional, por meio das associações, traria também economia para os cofres públicos?
Sem dúvida nenhuma. A ideia de se avançar numa regulamentação, em uma estrutura, também tem como objetivo baixar preço, baixar custo e dar mais acesso às pessoas que estão precisando. Para nós, não se trata de um debate ideológico sobre o PL na casa. Esse debate não é de esquerda, de direita ou qualquer espectro ideológico de partido político. Porque para nós, é um tema que dialoga sobre uma questão que é mais fundamental, que é a questão da saúde e a questão econômica também. Esse é um debate para pensar na qualidade de vida das pessoas e a gente tem dialogado até com o próprio Delmasso. Hoje, ele não é mais deputado, é secretário de estado do GDF, mas ele tem um projeto de lei (para que o SUS forneça remédios à base de Cannabis para patologias com prescrição) que também tramita nessa casa e é oriundo de um setor que às vezes é estigmatizado como mais conservador, do ponto de vista dos valores, e mesmo assim é autor desse projeto. Essa é uma prova de que esse é um assunto de saúde pública.
Deputado, o senhor não teme que esse projeto seja taxado de inconstitucional? Por que é a União que teria prerrogativa, por meio do Ministério da Saúde, para regulamentar o cultivo como prevê o decreto que regulamenta a Lei de Drogas.
A gente estudou sobre esse processo. A gente viu que já tem alguns estados e o próprio DF que estão avançando no processo de regulamentação do uso da Cannabis. Então, a nossa opinião é que tem brecha constitucional para fazer. A gente também teve um processo durante a pandemia, o próprio Leandro Grass apresentou um projeto nesse sentido (estados e união têm dever concorrente na área da saúde). Então, entendemos que há brechas e diversos estados avançam nesse sentido. Agora é óbvio que a gente também faz um movimento articulado com o Congresso Nacional, porque é muito importante que a gente avance numa regulamentação mais geral para todo o território nacional. Agora, os estados também podem avançar numa regulamentação própria, e é isso que o nosso Projeto de Lei traz. Do ponto de vista constitucional, na nossa avaliação, não tem problemas de vício. Temos um desafio no país de ultrapassar não só a barreira do preconceito, mas a própria composição dinâmica da sociedade brasileira. É fundamental avançar em mudanças estruturais da legislação. A estrutura, hoje, da legislação brasileira – Lei de Drogas e Sistema Penal Brasileiro – ainda condena uma parcela muito específica da população brasileira: os mais pobres e negros. Esse também é um trabalho de cultura política. Tirar o preconceito que ainda se tem sobre uma planta que é milenar, que tem uso na história da humanidade há milhares de anos e que ela foi criminalizada por motivos econômicos inclusive, e raciais. É um debate que precisamos fazer.
Muita gente também não sabe que essa planta é o CO2 negativo, absorve mais gás carbônico do que dispersa, regenera áreas degradas. Então, é uma planta completa, não é deputado?
Exatamente, precisa avançar e a gente vai fazer isso é com debate. Com muito diálogo! Por isso precisamos de informação. Esses canais são muito importantes. Esse é um tema que ainda gera confusão nas pessoas, porque é um tema com muita desinformação. Quando a gente tem informação, quando a gente faz o debate transparente com diálogo, porque faz parte da democracia – democracia não existe sem diálogo – sem informações precisas, verdadeiras e confiáveis, a gente avança pouco. A gente entra num terreno perigoso que a gente vivenciou nos últimos anos, o terreno das mentiras, das fakenews. E como isso tem a capacidade de distorcer o debate! Esse tema está na pauta do dia da agenda civilizatória do país. A Cannabis pode ser um passaporte para ter capacidade de financiamento do próprio Sistema Único de Saúde, para a gente poder ter também um financiamento expressivo no sistema de educação brasileiro, investindo em serviços públicos fundamentais para o povo brasileiro.