“A distinção entre drogas legais e ilegais é frágil. Ela não se sustenta em bases científicas. É produto de um determinado contexto político em que o moralismo exacerbado em relação a certas substâncias prevaleceu”, explicou Cristiano Maronna sobre a definição do conceito de drogas no Brasil.
O advogado é autor da obra lançada recentemente “Lei de Drogas interpretada na perspectiva da liberdade”, que apresenta um panorama completo da Lei de Drogas do Brasil.
Porém a definição de drogas foi apenas o ponto de partida da nossa conversa com o mestre e doutor em Direito Penal pela USP, Diretor do justa.org.br, membro da Rede Reforma e representante da OAB no Conselho Municipal de Política sobre Drogas de São Paulo.
Modelo de guerra às drogas vigora até hoje no Brasil
Neste sentido, Maronna deixa claro que utilizar conceitos morais para definir e praticar uma lei não é o caminho mais assertivo, e justo, para uma sociedade. “Procurei no livro tratar dessas questões a partir de uma perspectiva antiproibicionista. Ou seja, de uma visão crítica a esse modelo de guerra às drogas que vigora até hoje no Brasil. E que é o que inspira a nossa Lei de Drogas também”, explicou.
O reconhecimento da ONU às propriedades terapêuticas da Cannabis
Inserida nesta “moralidade” encontra-se a regulamentação da Cannabis no Brasil. O problema é que esta situação pode impactar tratamentos de saúde e o acesso de brasileiros à planta. Embora sinais relevante de que mudanças estão por vir acontecem gradativamente no Brasil e no mundo. Nacionalmente leis estaduais e municipais garantem o acesso à Cannabis via SUS.
E internacionalmente um exemplo é a reclassificação da Cannabis na lista da ONU, reconhecendo assim suas propriedades terapêuticas.
“Hoje nós temos ventos de mudança nos Estados Unidos, no Canadá e no Uruguai. E a própria Comissão de Drogas Narcóticas, que é o órgão executivo das políticas de drogas do sistema ONU, reclassificou a Cannabis, que estava na lista quatro da convenção de 1961, que é uma lista com substâncias que não tinham potencial terapêutico nenhum. E a partir de uma recomendação do Comitê de especialistas da Organização Mundial de Saúde, a Comissão de Drogas Narcóticas retirou a Cannabis da lista 4, reconhecendo que ela possui propriedades terapêuticas. Embora ela continue ainda na lista 2 da Convenção de 61 que exige um sistema de controle mais rigoroso a partir da proibição. Este documento da ONU que reclassifica a Cannabis é uma diretriz. E a partir desse documento a gente pode, por exemplo, defender com base em evidências científicas que a maconha é uma droga que causa prejuízos à saúde. Mas em comparação com outras substâncias, muitas delas legais, ela acaba sendo uma substância menos nociva. Como é o caso, por exemplo da comparação entre maconha e álcool, maconha e tabaco. Embora a gente sempre deva sublinhar que o uso não terapêutico envolve riscos”, destaca.
Veja a entrevista de Maronna ao Portal Cannabis & Saúde
Além disso, em sua obra Maronna traça um comparativo dos riscos de dependência entre maconha e outras substâncias:
- Alcool 15%
- Tabaco 32%
- Cocaína 17%
- Cannabis 9%
Qual é o melhor desenho regulatório sobre Cannabis no Brasil?
“Nós estamos vivendo um tempo em que a discussão sobre o melhor desenho regulatório da política de drogas é um dos temas mais importantes da agenda pública. E no Brasil isso não é diferente”, afirma Maronna.
Portanto, a regulamentação da Cannabis no Brasil é um assunto urgente. Atualmente o uso adulto é proibido no país. Porém o uso medicinal de produtos à base de Cannabis pode acontecer mediante prescrição médica ou odontológica.
Existem diversas propostas em tramitação no Congresso Nacional para a regulamentação da Cannabis no Brasil, como o PL 399 e o PL 89.
E ao encontro do que defende o livro de Maronna, a regulamentação da Cannabis no Brasil pode trazer diversos benefícios como a redução da violência associada ao tráfico de drogas e a arrecadação de impostos com a produção e venda da planta. Mas principalmente: o acesso mais fácil a tratamentos à base de Cannabis para pacientes com diversas condições médicas.
É necessário definir os objetivos políticos de uma política de drogas
“Antes de perguntar qual seria o melhor desenho regulatório sobre Cannabis no Brasil? Primeiro é necessário definir os objetivos políticos de uma política de drogas. Quais são os objetivos políticos de uma política de drogas? No livro “Como regular a Cannabis? Um guia prático”, é proposto seis metas para desenvolver uma melhor política de Cannabis: Proteger e melhorar a saúde pública, reduzir os crimes relacionados com as políticas de drogas, melhorar a segurança e desenvolvimento, proteger os jovens, grupos mais vulneráveis, proteger os direitos humanos, e maximizar a efetividade do gasto público na formulação das políticas sobre drogas. Então a partir desses objetivos políticos é possível discutir modelos regulatórios que sejam capazes de concretizar esses objetivos políticos”, opina Maronna.
100 anos de proibicionismo
O proibicionismo é uma política de proibição e repressão ao uso, produção e comércio de determinadas substâncias consideradas ilegais, como a maconha, a cocaína, a heroína, entre outras.
“O proibicionismo existe há cerca de 100 anos, que é o período em que esse conceito proibicionista se formou. Com a convenção de Xangai de 1909 e depois a convenção de 1925. E com a criação da ONU no pós-guerra, a convenção única de 1961. E depois a de 71 e a de 88. Desde então este é o modo como as Nações Unidas lidam com a questão” explica Maronna.
O proibicionismo é baseado na ideia de que a criminalização e a punição são as melhores formas de combater o uso e o tráfico de drogas, com o objetivo de reduzir a oferta e a demanda por essas substâncias. No entanto, essa política tem sido amplamente criticada por especialistas e organizações que argumentam que o proibicionismo tem fracassado em reduzir o consumo de drogas e tem gerado diversos problemas, como o aumento da violência associada ao tráfico, a superlotação dos sistemas prisionais, a marginalização de usuários e a perda de receita para o Estado.
Alguns países têm adotado políticas de redução de danos, que buscam minimizar os riscos e danos associados ao uso de drogas por meio de medidas de prevenção, tratamento, redução de riscos e danos e educação. Essas políticas têm sido mais eficazes do que o proibicionismo em reduzir os problemas associados às drogas, como a violência e a criminalidade, além de melhorar a qualidade de vida dos usuários.
Por fim, a política de combate ao tabaco que deu certo
Um exemplo que é citado no livro, e também destacado por Maronna na entrevista, é o caso do tabaco:
“O Brasil é um caso bem sucedido na política de combate ao tabaco. Nós tínhamos na década de 80 cerca de 35% da população adulta fumante. E hoje é cerca de 10%. E essa redução significativa foi feita sem proibir o tabaco, sem encarcerar os usuários sem ter que trocar tiros com produtores de tabaco, de forma que é um exemplo de uma política de drogas bem sucedida que não utilizou o Direito Penal, não utilizou a repressão penal. Mas utilizou taxações, preços, políticas de restrição ao consumo em ambientes fechados, proibição de propaganda e educação. Então esse é um bom exemplo de como uma política de drogas pode ser construída a partir de uma perspectiva não punitiva, sem proibir, reconhecendo que vai haver mesmo com todos os avisos de toda a prevenção possível aqueles que escolhem usar o que é possível fazer para reduzir os danos. E garantir a saúde ao mesmo tempo em que se preserva o máximo de liberdade possível”, finalizou Maronna.
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