Essa é a primeira vez que a Anvisa permite o cultivo da planta para fins científicos no país e abre precedente para que outras instituições também possam desenvolver pesquisas com a Cannabis no Brasil
Em decisão histórica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza o cultivo de Cannabis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para desenvolvimento de pesquisa científica. Essa é a primeira vez que a Anvisa permite o cultivo da planta para fins científicos no país.
As pesquisas autorizadas pela Anvisa na UFRN são pré-clínicas e não serão feitas em humanos. A condução do projeto fica a cargo do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN), fundado pelo neurocientista e pesquisador Sidarta Ribeiro, uma das maiores autoridades no assunto no cenário brasileiro e internacional. Os estudos vão avaliar a eficácia e segurança do emprego de fitocanabinoides (as moléculas presentes na Cannabis) no tratamento de patologias relacionadas aos distúrbios neurológicos e psiquiátricos.
A decisão unânime – pela autorização de cultivo – foi tomada durante a reunião da diretoria colegiada da Anvisa no dia 7 de dezembro. Na ocasião, o colegiado avaliou o recurso da UFRN contra o indeferimento do pedido inicial para pesquisa com a Cannabis. Em seu voto, o relator, Alex Machado Campos, defendeu que o Brasil não deve ser ‘importador de conhecimento’ e tem plenas condições de gerar pesquisas e avanços científicos em solo nacional.
“O cerne desta deliberação é a pesquisa científica, para a qual é necessária a disponibilidade do insumo em grau farmacêutico, para que dele sejam elaborados medicamentos à base dessa planta, para que patologias importantes sejam estudadas. Entendendo que sem a planta não há insumo e sem insumo não há medicamento. Da mesma maneira que sem insumo não há pesquisa. E, sem pesquisa, não há avanço para determinar o potencial terapêutico exato e tão pouco para usufruir do que dele já se conhece. Sem a geração de dados científicos se corrobora para que o desconhecimento seja o território para o manejo de condições de saúde – permissão que não prospera na missão e na razão de ser desta Agência”, relatou Campos.
No voto, seguido por todos os integrantes do colegiado, o relator destaca ainda a intensa judicialização que envolve o tema Cannabis e afirma que a Anvisa precisa se posicionar para que sejam cumpridos critérios sanitários, afim de garantir a segurança da população. “A produção do conhecimento é premissa para melhor consubstanciar o uso seguro e eficaz desses produtos que, conforme todos os dados dispostos ao longo de minha análise, já estão em pleno uso pela nossa população. Ademais, preciso reiterar que, para além do contexto regulatório em si, o uso de produtos à base de Cannabis – assim como muitos outros temas afetos à saúde e, portanto, inseridos no objeto de atuação desta Agência, está sob intensa judicialização, o que prejudica a atuação regulatória e o cumprimento dos critérios sanitários imprescindíveis à promoção e proteção da saúde das pessoas”, ressalta o relator.
Para o advogado e fundador da Rede Reforma, Emílio Figueiredo, a decisão abre um precedente para que outras instituições de pesquisa possam pleitear o direito ao cultivo. “Com essa a decisão, finalmente, a Anvisa cumpre as disposições de autorização de cultivo para fins científicos prevista desde a Convenção Única de Drogas de 1961, até a Portaria344/98, assim como na própria Lei de Drogas vigente. Acredito que essa decisão abre uma nova era na produção científica com Cannabis, possibilitando que o Brasil pesquise todo o ciclo produtivo”, avalia Figueiredo.
O advogado Mauro Machado também comemora o avanço. “Na minha concepção abre espalho e precedente para que não só universidades possam desenvolver pesquisas, assim como outras instituições não só públicas como privadas. É uma forma de valorizar a pesquisa científica e a ciência brasileira. É um passo importante, mas precisamos mais para o reconhecimento dessa medicina e dessa planta que possuí inúmeras propriedades, não só na área de saúde, mas como matéria-prima para produção de produtos em geral”, defende Machado.
Para conceder a Autorização Especial Simplificada para Estabelecimento de Ensino e Pesquisa à UFRN, a Anvisa estabeleceu os alguns critérios que devem ser cumpridos pelo corpo docente. São eles:
- O cultivo deverá ser feito em sistema fechado (cultivo indoor);
- O acesso ao espaço terá de ser controlado por meio de biometria de pessoas previamente registradas;
- O plantio deverá ser monitorado por sistema de videomonitoramento e com vigilância armada todos os dias do ano;
- O projeto de edificação e instalação do cultivo deverá ser submetido à avaliação da Anvisa;
- A Universidade terá de encaminhar à Anvisa relatório semestrais e anuais de acompanhamento individual de cada projeto;
- Os produtos descartados deverão ser inativados por meio de autoclavagem e descartados por empresa especializada em resíduos químicos e biológico através de incineração;
CFM X Anvisa
Em novembro desse ano, o Conselho Federal de Medina (CFM) publicou a Resolução 2324/2022 restringindo a prescrição da Cannabis para apenas três doenças raras. O texto ainda impedia que médicos palestrassem ou promovessem debates e aulas sobre o uso medicinal da planta fora do ambiente acadêmico. A resolução foi suspensa dias depois da publicação por pressão popular.
Na ocasião, a Anvisa emitiu nota esclarecendo que a resolução do CFM não iria influenciar nas decisões da Agência Reguladora. Atualmente, a Anvisa autoriza a comercialização de 23 produtos à base de Cannabis nas drogarias, por meio da RDC 327/2019. Por meio da RDC 660/2022 também permite a importação e entrada de produtos à base de Cannabis no Brasil.