Conversamos com Roberto Luiz Corcioli Filho, juiz de direito em São Paulo e mestre em direito penal pela USP, sobre a tão polêmica Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.324/2022 que restringe a prescrição da Cannabis.
Frente a muitos questionamentos sobre a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.324/2022 que foi publicada na última sexta-feira e que restringe a prescrição de Cannabis medicinal por parte dos médicos no Brasil, conversamos com o juiz de direito em São Paulo e mestre em direito penal pela USP, Roberto Luiz Corcioli Filho, sobre o assunto.
Dr. Roberto utiliza o óleo de Canabidiol para tratar artrite e contou aqui o seu relato: desde o diagnóstico até o encontro com a Cannabis e os benefícios que a planta apresentou no seu tratamento.
Logo no início da nossa conversa, o magistrado deixou claro que não há riscos legais para os pacientes. Porém a situação atual no Brasil sobre Cannabis é sim considerada uma crise.
“É claro sinal de uma postura refratária à ciência, algo extremamente lamentável, mas muito em sintonia ao que estamos vivenciando nos últimos anos. Não podemos esquecer de olhar, em primeiro lugar, para a Constituição, em seguida para as leis e, só então, para as normativas inferiores, que devem se conformar àquelas, sob pena de não terem validade jurídica”, afirmou Dr. Roberto com exclusividade para o Portal Cannabis & Saúde.
O que diz a Resolução do CFM nº 2.324/2022
Basicamente a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.324/2022 lista uma série de restrições à prescrição de produtos à base de Cannabis por médicos brasileiros. O texto aprovado pela Sessão Plenária do CFM limita a prescrição de canabidiol (CBD) exclusivamente para o tratamento de epilepsias refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. A nova redação também veda ao médico a prescrição da Cannabis in natura para uso medicinal, assim como quaisquer outros derivados que não o canabidiol.
Existe alguma hierarquia entre a Resolução do CFM e as RDCs da Anvisa? Como funcionam perante a lei estas resoluções?
Não é preciso ser especialista em regulação da saúde, como de fato eu não sou, para notar não fazer sentido a agência sanitária autorizar a disponibilização ao público da terapia canábica, passível de aplicação para uma série de condições, mediante prescrição médica, e a entidade médica nacional simplesmente restringir a pouquíssimas situações – e mediante a atuação de pouquíssimas especialidades médicas –, na contramão de um acumulado de evidências científicas que se avolumam ano após ano.
É preciso destacar a autonomia médica e a liberdade profissional, calcadas em evidências científicas, bem como o direito dos pacientes a terem acesso à saúde, inclusive entendida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”, conforme a Organização Mundial da Saúde, como direito constitucionalmente assegurado, e, nessa linha, não se verem obrigados a se submeterem a tratamentos menos eficazes e com efeitos colaterais consideráveis simplesmente porque não se enquadrem, eventualmente, numa ideia de não serem refratárias suas condições a tratamentos ditos ortodoxos.
Já mordaça em si, que se pretende inconstitucionalmente impor, é claro sinal de uma postura refratária à ciência, algo extremamente lamentável, mas muito em sintonia ao que estamos vivenciando nos últimos anos. Não podemos esquecer de olhar, em primeiro lugar, para a Constituição, em seguida para as leis e, só então, para as normativas inferiores, que devem se conformar àquelas, sob pena de não terem validade jurídica.
Dr. Roberto, qual é a sua história com a Cannabis?
No ano passado vi-me diante de um quadro súbito de artrite nos punhos e mãos. Mesmo com o uso de corticoide (juntamente com o tratamento alopático para a doença), estava muito difícil, para dizer o mínimo – e ficou ainda pior conforme fui diminuindo a ingestão do corticoide, até zerar. Minhas reumatologistas, profissionais altamente qualificadas, combinaram, então, o tratamento alopático (sem corticoide) com o uso de CBD e THC. Em poucos dias senti nitidamente os efeitos. Não foi algo sequer sutil. Eu estava literalmente acordando de dor todas as madrugadas. Era desesperador. Minhas mãos permaneciam rígidas o dia todo. Havia um constante formigamento. Não imaginava voltar a sentir minhas mãos como antes. E eis que estou mais de 95% restabelecido, diria. Sigo com ambos os tratamentos (e com previsão de “desmame” da alopatia para o fim do ano), e confio no compromisso constitucional dos heroicos profissionais da saúde para continuar tendo acesso a uma planta medicinal com uso eficaz comprovado há milênios.
Com esta nova resolução do CFM existe algum risco legal aos pacientes que já tem seus produtos à base de Cannabis?
A proibição da maconha em si é uma perversidade (por se inserir numa política de guerra às drogas, que é uma guerra contra certa parcela da população) e uma sandice, pois é de uma arrogância sem tamanho o ser humano se ver como autorizado a “proibir a natureza”. Sob diversos aspectos é inconstitucional tal proibição, e o Superior Tribunal de Justiça já deixou muito claro que o uso medicinal não deveria levantar qualquer celeuma, aliás.
Dito isso, vale observar que as resoluções do CFM dizem respeito aos profissionais médicos e não aos pacientes, no que toca a condutas serem tidas por irregulares. Seja como for, a resolução anterior já era restritiva. Aliás, a atual até ampliou o (minúsculo) rol de prescrição. Fato é que aquela, de 8 anos atrás, já era extremamente anacrônica. A atual, então, é um desserviço vergonhoso à promoção da saúde em nosso país. A vanguarda do atraso.
Não, os pacientes não devem temer. E, sim, a situação será superada e os pacientes e seus familiares, depois de dias de apreensão e estresse, voltarão a se tranquilizar. Toda crise tem um lado importante que se consubstancia na oportunidade de avançarmos. Queiram ou não os obscurantistas, avançaremos. Em prol da ciência, da saúde e dos Direitos Humanos.
LIVE ESPECIAL: Resolução do CFM nº 2.324/2022. E agora?
A Resolução do CFM nº 2.324/2022 causou uma enorme comoção, revolta e dúvidas na comunidade de médicos, de pacientes e todos aqueles que vêm lutando pelos direitos à saúde e em prol da Cannabis para fins medicinais, incluindo entidades e associações, como é o caso da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide que preparou uma nota de esclarecimento repleta de estudos.
Por essa razão, tomamos a iniciativa no setor e convidamos a consultora técnica e perita judicial em Cannabis Medicinal, Ana Gabriela Baptista e a advogada da saúde, Layla Espeschit, para uma live excepcional e de caráter informativo que ocorrerá hoje, segunda-feira, 17/10, às 19h. Clique aqui e inscreva-se.
Sobre as convidadas:
- Ana Gabriela Baptista é consultora técnica/científica e Perita Judicial em Cannabis Medicinal, atuando no suporte técnico na área de compliance.
- Layla Espeschit é advogada especialista em Cannabis medicinal há mais de 4 anos. Já advogou em grandes escritórios e empresas de Cannabis. Atua com judicialização para tratamento e cultivo, consultoria jurídica de novos negócios, entre outros.
Serviço sobre a LIVE ESPECIAL: Resolução do CFM nº 2.324/2022:
- Data: 17/10 (segunda-feira)
- Horário: 19h (horário de Brasília)
- Inscrições: para participar e realizar perguntas ao vivo para as convidadas, inscreva-se, CLIQUE AQUI.