Em entrevista exclusiva para o Cannabis & Saúde, Steve DeAngelo falou, entre outras coisas, sobre como a Cannabis auxilia no tratamento do estresse pós-traumático de ex-combatentes nos EUA.
Steve DeAngelo é conhecido como o “pai da Cannabis legal nos EUA”, recebeu esse título por sua vida como ativista social, autor, palestrante, investidor e empreendedor do setor da Cannabis. Atuando há cerca de 40 anos pela legalização da planta nos EUA, ele foi co-fundador da rede de dispensários Harborside, que está listada na bolsa de valores do Canadá. Também fundou o primeiro laboratório de testagem de Cannabis no país, o Steep Hill. E também atua com o projeto Last Prisoner, que pretende libertar pessoas presas por crimes não-violentos relacionados à Cannabis.
Steve nos contou que a Cannabis está salvando a vida de ex-militares, tratando o estresse pós-traumático adquirido por eles no campo de batalha. Dessa forma, a melhora na saúde mental também evitou a morte de muitos ex-soldados por suicídio.
“Vai ajudar veteranos de guerra, pessoas que foram expostas ao trauma da guerra, não apenas os veteranos, todos, mas os veteranos são um subconjunto dessa categoria de pessoas que foram traumatizadas e se beneficiam muito da Cannabis. É um dos tratamentos mais eficazes para o estresse pós-traumático e, literalmente, nos Estados Unidos, a Cannabis está salvando a vida de centenas de veteranos de guerra que, de outra forma, estariam tirando seus próprias vidas e morrendo por suicídio. Há vídeos de depoimentos desses veteranos que começaram como pessoas muito patrióticas, de extrema-direita, anticannabis e antidrogas. E, de qualquer forma, essas pessoas salvaram suas próprias vidas, ou então tiveram as vidas de seus companheiros de combate salvas pela Cannabis. E agora, se tornaram um grande apoio. A essência do estresse pós-traumático é que as pessoas não podem deixar a memória do campo de batalha para trás e continuam a viver dentro do campo de batalha quando voltam para casa, na vida civil. A cannabis, o THC em particular, tem um efeito na memória, um efeito benéfico. Isso é algo que queremos.”
Os Estados Unidos empreendem diversas guerras em todo o planeta e possuem uma população de mais de 17 milhões de veteranos, dos quais mais de 80% apoiam o uso medicinal da Cannabis, de acordo com o projeto Veterans Cannabis. A legislação do país se já movimenta para tratá-los com canabinoides e um projeto de lei, em tramitação no Congresso dos EUA, pretende garantir o fornecimento de Cannabis para ex-combatentes.
Aqui no Brasil, podemos nos beneficiar dessa experiência estadunidense na nossa realidade. Segundo levantamento, apenas na Polícia Militar do Estado de São Paulo, foram 1.647 policiais afastados do serviço por questões relacionadas à saúde mental, como transtornos de ansiedade e depressão, entre janeiro de 2020 e abril de 2021. A Cannabis poderia ser uma aliada muito eficaz para recuperar esses agentes, o que seria um paradoxo já que essas doenças provavelmente foram adquiridas no enfrentamento à própria Cannabis. Vítimas da violência da Guerra às Drogas também entram nessa categoria de possíveis beneficiados com tratamentos com Cannabis.
Steve: “Crime é cobrar de alguém a quantia de dinheiro que está sendo cobrada por remédios de Cannabis na América Latina.”
Steve contribuiu bastante para a popularização da Cannabis como um medicamento nos EUA, estimulando a produção local na região da Califórnia. Ele acredita que o Brasil tem potencial para ser um grande produtor, criticando a situação atual em que as importações sobem a cada ano
“Então fala-se muito sobre os crimes da Cannabis e criminosos da cannabis. Ok? Vou te dizer o que é um crime. Crime é cobrar de alguém a quantia de dinheiro que está sendo cobrada por remédios de Cannabis na América Latina. Medicamentos que salvam a vida das pessoas. Novamente, isso é uma construção neocolonial para a indústria da Cannabis no Brasil. E o Brasil tem capacidade e deve ser um país exportador para Cannabis, não um país importador.”
A legalização não pode e não será parada
Em seu livro, O Manifesto da Cannabis, Steve DeAngelo desenvolve como no mundo atual, com amplo acesso à informação, a Cannabis será regulamentada em cada vez mais países. Ele acredita que estamos num processo de desaceleração das proibições.
“A boa notícia que tenho para todos os meus amigos no Brasil e em todo o mundo é que a Guerra contra a Cannabis está recuando, está sendo reduzida agora. Começamos a fazer isso na Califórnia, em 1996, quando passamos as primeiras leis de Cannabis medicinal e vimos as primeiras vendas legais de Cannabis em qualquer lugar do mundo na era moderna. Desde então, a maioria dos EUA estados legalizaram a cannabis para uso médico ou adulto e muitos países ao redor do mundo, Malta, Canadá, México ou Uruguai legalizaram completamente a Cannabis para todos os fins, mesmo países europeus conservadores como a Alemanha agora se moveram para uma economia legal da Cannabis. Então, a mudança está chegando e está chegando em todos os lugares. Virá mais devagar ou mais rapidamente, dependendo das condições culturais e históricas. Infelizmente, no Brasil atualmente, vocês têm uma situação difícil com um governo que está profundamente comprometido com uma abordagem anticientífica e ultrapassada em relação à Cannabis”
CBD ou THC? Os dois.
A experiência de Steve e sua equipe nos dispensários da Harborside trouxeram um dado importante quando pensamos na formulação dos medicamentos com Cannabis. A proporção mais popular entre os pacientes de CBD e THC é a de 1:1, ressaltando a importância de avançarmos na discussão sobre a quantidade de delta-9 THC na formulação dos produtos.
“Identificamos que a maioria dos consumidores de Cannabis acaba preferindo uma proporção igual de THC para CBD de 1:1, na verdade, essa parece ser a proporção ideal para muitas, muitas pessoas.”
Cannabis como porta de saída de outras substâncias
Steve DeAngelo compartilha da visão de que a Cannabis não é a porta de entrada para outras drogas. Pelo contrário, ele observa que é uma opção para quem deseja parar de tomar medicamentos viciantes e com fortes efeitos colaterais para o organismo, substituindo por um fitoterápico.
“O que vimos, na verdade, temos evidências estatísticas de que em todos os estados dos EUA que legalizaram a Cannabis, vimos uma queda no consumo de álcool e vimos uma queda no consumo de medicamentos, houve uma queda no número de prescrições de opióides que são prescritos por médicos em estados com Cannabis legalizada, e houve uma queda correspondente nas mortes por overdose de opióides nesses estados, não surpreendente. Então, sabemos que há uma relação direta lá e agora temos pesquisadores de cannabis como o Dr. Joseph Rosado, que é um dos principais caras aqui que fez estudos de caso de pacientes e acompanhou o que acontece com pacientes que estão em vários produtos farmacêuticos diferentes depois que você os apresenta à Cannabis. E é simplesmente notável e não apenas na maioria dos casos eles diminuíram radicalmente ou eliminaram-nos completamente. Com o início de todos esses outros efeitos benéficos que ninguém pensou que aconteceriam, então você sabe que muda alguém que está tomando um narcótico para controle da dor por Cannabis, só porque você não quer que eles sejam mais viciados em opiáceos, mas então você ouve isso: “Bem eu saí de casa pela primeira vez em três anos, eu comecei a sair e encontrar com meus amigos de novo, eu fui dançar.” Todas essas coisas que você sabe que as pessoas não esperavam que acontecesse e que acontecem.”
O futuro do mercado legal da Cannabis
Acima de tudo, Steve é uma pessoa que vê na indústria da Cannabis e do cânhamo um caminho para um mundo melhor e mais sustentável.
“Pelo que realmente lutamos não é apenas tornar a Cannabis legal, não apenas a indústria legal da Cannabis. O que realmente queremos é um mundo que viva pelos ideais que a Cannabis nos ensina, queremos um mundo que trate todos os seres humanos com respeito e dignidade, que cuide do planeta. É por isso que estamos nos movendo, estamos nos movendo para um mundo que tem a paz, o amor e a consciência para todos, e esta planta está nos levando para lá. E isso é, realmente, a coisa mais importante sobre todas as mudanças que estão acontecendo.”
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